Cap. II
– Itens 5 a 8
O ponto de vista
O ponto de vista
5. A ideia clara e precisa que se faça da vida futura
proporciona inabalável fé no porvir, fé que acarreta enormes consequências
sobre a moralização dos homens, porque muda completamente o ponto de vista sob o qual encaram
eles a vida terrena. Para quem se
coloca, pelo pensamento, na vida espiritual, que é indefinida, a vida corpórea
se torna simples passagem, breve estada num pai ingrato. As vicissitudes e
tribulações dessa vida não passam de incidentes que ele suporta com paciência,
por sabê-las de curta duração, devendo seguir-se-lhes um estado mais ditoso. A
morte nada mais restará de aterrador; deixa de ser a porta que se abre para o
nada e torna-se a que dá para a libertação, pela qual entra o exilado numa
mansão de bem-aventurança e de paz. Sabendo temporária e não definitiva a sua
estada no lugar onde se encontra, menos atenção presta às preocupações da vida,
resultando-lhe daí uma calma de espírito que tira àquela muito do seu amargor.
Pelo simples fato de duvidar da vida futura, o homem
dirige todos os seus pensamentos para a vida terrestre. Sem nenhuma certeza
quanto ao porvir, dá tudo ao presente. Nenhum bem divisando mais precioso do
que os da Terra, torna-se qual a criança que nada mais vê além de seus
brinquedos. E não há o que não faça para conseguir os únicos bens que se lhe
afiguram reais. A perda do menor deles lhe ocasiona causticante pesar; um
engano, uma decepção, uma ambição insatisfeita, uma injustiça de que seja
vítima, o orgulho ou a vaidade feridos são outros tantos tormentos, que lhe
transformam a existência numa perene angústia, infligindo-se ele, desse modo, a si
próprio, verdadeira tortura de todos os instantes. Colocando o ponto de vista, de onde
considera a vida corpórea, no lugar mesmo em que ele aí se encontra, vastas
proporções assume tudo o que o rodeia. O mal que o atinja, como o bem que toque
aos outros, grande importância adquire aos seus olhos. Aquele que se acha no
interior de uma cidade, tudo lhe parece grande: assim os homens que ocupem as
altas posições, como os monumentos. Suba ele, porém, a uma montanha, e logo bem
pequenos lhe parecerão homens e coisas.
É o que sucede ao que encara a vida terrestre do ponto
de vista da vida futura; a Humanidade, tanto quanto as estrelas do firmamento,
perde-se na imensidade. Percebe então que grandes e pequenos estão confundidos,
como formigas sobre um montículo de terra; que proletários e potentados são da
mesma estatura, e lamenta que essas criaturas efêmeras a tantas canseiras se
entreguem para conquistar um lugar que tão pouco as elevará e que por tão pouco
tempo conservarão. Daí se segue que a importância dada aos bens terrenos está
sempre em razão inversa da fé na vida futura.
6. Se toda a gente pensasse dessa maneira, dir-se-ia,
tudo na Terra periclitaria, porquanto ninguém mais se iria ocupar com as coisas
terrenas. Não; o homem, instintivamente, procura o seu bem-estar e, embora
certo de que só por pouco tempo, permanecerá no lugar em que se encontra, cuida
de estar aí o melhor ou o menos mal que lhe seja possível. Ninguém há que,
dando com um espinho debaixo de sua mão, não a retire, para se não picar. Ora,
o desejo do bem-estar força o homem a tudo melhorar, impelido que é pelo
instinto do progresso e da conservação, que está nas leis da Natureza. Ele,
pois, trabalha por necessidade, por gosto e por dever, obedecendo, desse modo,
aos desígnios da Providência que, para tal fim, o pôs na Terra. Simplesmente,
aquele que se preocupa com o futuro não liga ao presente mais do que relativa
importância e facilmente se consola dos seus insucessos, pensando no destino
que o aguarda.
Deus, conseguintemente, não condena os gozos terrenos;
condena, sim, o abuso desses gozos em detrimento das coisas da alma. Contra
tais abusos é que se premunem os que a si próprios aplicam estas palavras de Jesus: Meu reino não é deste mundo.
Aquele que se identifica com a vida futura
assemelha-se ao rico que perde sem emoção uma pequena soma. Aquele cujos
pensamentos se concentram na vida terrestre assemelha-se ao pobre que perde
tudo o que possui e se desespera.
7. O Espiritismo dilata o pensamento e lhe rasga
horizontes novos. Em vez dessa visão, acanhada e mesquinha, que o concentra na
vida atual, que faz do instante que vivemos na Terra único e frágil eixo do
porvir eterno, ele, o Espiritismo, mostra que essa vida não passa de um elo no
harmonioso e magnífico conjunto da obra do Criador. Mostra a solidariedade que
conjuga todas as existências de um mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo
e os seres de todos os mundos. Faculta assim uma base e uma razão de ser à
fraternidade universal, enquanto a doutrina da criação da alma por ocasião do
nascimento de cada corpo torna estranhos uns aos outros todos os seres. Essa
solidariedade entre as partes de um mesmo todo explica o que inexplicável se
apresenta, desde que se considere apenas um ponto. Esse conjunto, ao tempo do
Cristo, os homens não o teriam podido compreender, motivo por que ele reservou
para outros tempos o fazê-lo conhecido.
INSTRUÇÕES
DOS ESPÍRITOS
Uma
realeza terrestre
8. Quem melhor do que eu pode compreender a verdade
destas palavras de Nosso Senhor: "O meu reino não é deste mundo"? O
orgulho me perdeu na Terra. Quem, pois, compreenderia o nenhum valor dos reinos
da Terra, se eu o não compreendia? Que trouxe eu comigo da minha realeza
terrena? Nada, absolutamente nada. E, como que para tornar mais terrível a
lição, ela nem sequer me acompanhou até o túmulo! Rainha entre os homens, como
rainha julguei que penetrasse no reino dos céus! Que desilusão! Que humilhação,
quando, em vez de ser recebida aqui qual soberana, vi acima de mim, mas muito
acima, homens que eu julgava insignificantes e aos quais desprezava, por não
terem sangue nobre! Oh! como então compreendi a esterilidade das honras e
grandezas que com tanta avidez se requestam na Terra!
Para se granjear um lugar neste reino, são necessárias
a abnegação, a humildade, a caridade em toda a sua celeste prática, a
benevolência para com todos. Não se vos pergunta o que fostes, nem que posição
ocupastes, mas que bem fizestes, quantas lágrimas enxugastes.
Oh! Jesus, tu o disseste, teu reino não é deste mundo,
porque é preciso sofrer para chegar ao céu, de onde os degraus de um trono a
ninguém aproximam. A ele só conduzem as veredas mais penosas da vida.
Procurai-lhe, pois, o caminho, através das urzes e dos espinhos, não por entre
as flores.
Correm os homens por alcançar os bens terrestres, como
se os houvessem de guardar para sempre. Aqui, porém, todas as ilusões se somem.
Cedo se apercebem eles de que apenas apanharam uma sombra e desprezaram os
únicos bens reais e duradouros, os únicos que lhes aproveitam na morada
celeste, os únicos que lhes podem facultar acesso a esta.
Compadecei-vos dos que não ganharam o reino dos céus;
ajudai-os com as vossas preces, porquanto a prece aproxima do Altíssimo o
homem; é o traço de união entre o céu e a Terra: não o esqueçais. - Uma Rainha de França. (Havre, 1863.).70.71
Questões
para estudo e diálogo virtual:
1 – Por que a ideia clara e precisa da vida futura
altera o ponto de vista sob o qual o homem eles a vida terrena?
2 – O que é necessário para se granjear um lugar no
reino do Cristo?
3 –
Extraia do texto acima a frase ou parágrafo que mais gostou e justifique.
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