Cap. VII - Item 11
O orgulho e a humildade
Que a paz do Senhor
seja convosco, meus queridos amigos! Aqui venho para encorajar-vos a seguir o
bom caminho. Aos pobres Espíritos que habitaram outrora a Terra, conferiu Deus
a missão de vos esclarecer. Bendito seja Ele, pela graça que nos concede: a de podermos
auxiliar o vosso aperfeiçoamento. Que o Espírito Santo me ilumine e ajude a
tomar compreensível a minha palavra, outorgando-me o favor de pô-la ao alcance
de todos! Oh! vós, encarnados, que vos achais em prova e buscais a luz, que a
vontade de Deus venha em meu auxílio para fazê-la brilhar aos vossos olhos!
A humildade é virtude muito esquecida entre vós. Bem pouco seguidos
são os exemplos que dela se vos têm dado. Entretanto, sem humildade, podeis ser
caridosos com o vosso próximo? Oh! não, pois que este sentimento nivela os homens, dizendo-lhes que todos
são irmãos, que se devem auxiliar mutuamente, e os induz ao bem. Sem a
humildade, apenas vos adornais de virtudes que não possuís, como se trouxésseis
um vestuário para ocultar as deformidades do vosso corpo. Lembrai-vos dAquele que nos salvou;
lembrai-vos da sua humildade, que tão grande o fez, colocando-o acima de todos
os profetas.
O orgulho é o terrível adversário da humildade. Se o Cristo
prometia o reino dos céus aos mais pobres, é porque os grandes da Terra
imaginam que os títulos e as riquezas são recompensas deferidas aos seus
méritos e se consideram de essência mais pura do que a do pobre. Julgam que os
títulos e as riquezas lhes são deferidas; pelo que, quando Deus lhos retira, o
acusam de injustiça. Oh! irrisão e cegueira! Pois, então, Deus vos distingue
pelos corpos? O envoltório do pobre não é o mesmo que o do rico? Terá o Criador
feito duas espécies de homens? Tudo
o que Deus faz é grande e sábio; não lhe atribuais nunca às ideias que os
vossos cérebros orgulhosos engendram.
Ó rico! Enquanto
dormes sob dourados tetos, ao abrigo do frio, ignoras que jazem sobre a palha
milhares de irmãos teus, que valem tanto quanto tu? Não é teu igual o infeliz
que passa fome? Ao ouvires
isso, bem o sei, revolta-se o teu orgulho. Concordarás em dar-lhe uma esmola,
mas em lhe apertar fraternalmente a mão, nunca. "Pois quê! dirás,
eu, de sangue nobre, grande da Terra, igual a este miserável coberto de
andrajos! Vã utopia de pseudofilósofos! Se fôssemos iguais, por que o teria
Deus colocado tão baixo e a mim tão alto?" E exato que as vossas vestes não se assemelham; mas,
despi-vos ambos: que diferença haverá entre vós? A nobreza do sangue,
dirás; a química, porém, ainda nenhuma diferença descobriu entre o sangue de um
grão-senhor e o de um plebeu; entre o do senhor e o do escravo. Quem te
garante que também tu já não tenhas sido miserável e desgraçado como ele?
Que também não hajas
pedido esmola? Que não a pedirás um dia a esse mesmo a quem hoje desprezas? São
eternas as riquezas? Não desaparecem quando se extingue o corpo, envoltório
perecível do teu Espírito? Ah! lança sobre ti um pouco de humildade! Põe os olhos,
afinal, na realidade das coisas deste mundo, sobre o que dá lugar ao
engrandecimento e ao rebaixamento no outro; lembra-te de que a morte não te
poupará, como a nenhum homem; que os teus títulos não te preservarão do seu
golpe; que ela te poderá ferir amanhã, hoje, a qualquer hora. Se te enterras no
teu orgulho, oh! quanto então te lamento, pois bem digno de compaixão serás.
Orgulhosos! Que
éreis antes de serdes nobres e poderosos? Talvez estivésseis abaixo do último
dos vossos criados. Curvai,
portanto, as vossas frontes altaneiras, que Deus pode fazer se abaixem, justo
no momento em que mais as elevardes. Na balança divina,
são iguais todos os homens; só as virtudes os distinguem aos olhos de Deus. São
da mesma essência todos os Espíritos e formados de igual massa todos os corpos.
Em nada os modificam
os vossos títulos e os vossos nomes. Eles permanecerão no túmulo e de modo
nenhum contribuirão para que gozeis da ventura dos eleitos. Estes, na caridade
e na humildade é que tem seus títulos de nobreza.
Pobre criatura! és
mãe, teus filhos sofrem; sentem frio; tem fome, e tu vais, curvada ao peso da
tua cruz, humilhar-te, para lhes conseguires um pedaço de pão! Oh! inclino-me
diante de ti. Quão nobremente santa és e quão grande aos meus olhos! Espera e
ora; a felicidade ainda não é deste mundo. Aos pobres oprimidos que nele
confiam, concede Deus o reino dos céus.
E tu, donzela, pobre
criança lançada ao trabalho, às privações, por que esses tristes pensamentos?
Por que choras? Dirige a
Deus, piedoso e sereno, o teu olhar: ele dá alimento aos passarinhos;
tem-lhe confiança: ele não te abandonará. O ruído das festas, dos prazeres do
mundo, faz bater-te o coração; também desejaras adornar de flores os teus
cabelos e misturar-te com os venturosos da Terra. Dizes de ti para contigo que,
como essas mulheres que vês passar, despreocupadas e risonhas, também poderias
ser rica. Oh! caia-te, criança! Se soubesses quantas lágrimas e dores
inomináveis se ocultam sob esses vestidos recamados, quantos soluços são
abafados pelos sons dessa orquestra rumorosa, preferirias o teu humilde retiro
e a tua pobreza. Conserva-te pura aos olhos de Deus, se não queres que o teu
anjo guardião para o seu seio volte, cobrindo o semblante com as suas brancas
asas e deixando-te com os teus remorsos, sem guia, sem amparo, neste mundo,
onde ficarias perdida, a aguardar a punição no outro.
Todos vós que dos homens sofreis injustiças, sede
indulgentes[1] para as
faltas dos vossos irmãos, ponderando que também vós não vos achais isentos de
culpas; é isso caridade, mas é igualmente humildade. Se sofreis pelas
calúnias, abaixai a cabeça sob essa prova. Que vos importam as calúnias do
mundo? Se é puro o vosso proceder, não pode Deus vo-las compensar? Suportar
com coragem as humilhações dos homens é ser humilde e reconhecer que somente
Deus é grande e poderoso. Oh! meu Deus, será preciso que o Cristo volte
segunda vez à Terra para ensinar aos homens as tuas leis, que eles olvidam?
Terá que de novo expulsar do templo os vendedores que conspurcam a tua casa,
casa que é unicamente de oração? E, quem sabe? ó homens! se o não
renegaríeis como outrora, caso Deus vos concedesse essa graça! Chamar-lhe-íeis
blasfemador, porque abateria o orgulho dos modernos fariseus. E bem possível
que o fizésseis perlustrar novamente o caminho do Gólgota.
Quando Moisés subiu
ao monte Sinai para receber os mandamentos de Deus, o povo de Israel, entregue
a si mesmo, abandonou o Deus verdadeiro. Homens e mulheres deram o ouro e as joias
que possuíam, para que se construísse um ídolo que entraram a adorar. Vós
outros, homens civilizados, os imitais. O Cristo vos legou a sua doutrina;
deu-vos o exemplo de todas as virtudes e tudo abandonastes, exemplos e
preceitos. Concorrendo para isso com as vossas paixões, fizestes um Deus a
vosso jeito: segundo uns, terrível e sanguinário; segundo outros, alheado dos
interesses do mundo. O Deus que fabricastes é ainda o bezerro de ouro que cada
um adapta aos seus gostos e às suas ideias.
Despertai, meus
irmãos, meus amigos. Que a voz dos Espíritos ecoe nos vossos corações. Sede
generosos e caridosos, sem ostentação, isto é, fazei o bem com humildade. Que cada um proceda pouco a
pouco à demolição dos altares que todos ergueram ao orgulho. Numa
palavra: sede verdadeiros cristãos e tereis o reino da verdade. Não continueis
a duvidar da bondade de Deus, quando dela vos dá ele tantas provas. Vimos
preparar os caminhos para que as profecias se cumpram. Quando o Senhor vos der uma
manifestação mais retumbante da sua clemência, que o enviado celeste já vos
encontre formando uma grande família; que os vossos corações, mansos e
humildes, sejam dignos de ouvir a palavra divina que ele vos vem trazer; que ao
eleito somente se deparem em seu caminho as palmas que aí tenhais deposto,
volvendo ao bem, à caridade, à fraternidade. Então, o vosso mundo se tornará o
paraíso terrestre. Mas, se permanecerdes insensíveis à voz dos Espíritos enviados para
depurar e renovar a vossa sociedade civilizada, rica de ciências, mas, no
entanto, tão pobre de bons sentimentos, ah! então não nos restará senão chorar
e gemer pela vossa sorte. Mas, não, assim não será. Voltai para Deus, vosso
pai, e todos nós que houvermos contribuído para o cumprimento da sua vontade
entoaremos o cântico de ação de graças, agradecendo-lhe a inesgotável bondade e
glorificando-o por todos os séculos dos séculos. Assim seja. Lacordaire.
(Constantina, 1863.)
Questões para estudo:
1 - Como podemos
definir a humildade?
2 - Quais as consequências
do orgulho?
3 - Por que existe o
orgulho?
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