segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Introdução - Item II
Autoridade da Doutrina Espirita

Controle universal do ensinamento dos espíritos

Se a Doutrina Espírita fosse uma concepção puramente humana, só teria por garantia os conhecimentos daquele que a tivesse concebido. Ora, aqui na Terra, ninguém poderia ter a justificada pretensão de possuir, só para ele, a verdade absoluta. Se os espíritos que revelaram o Espiritismo se tivessem manifestado a um único homem, nada asseguraria a origem da Doutrina, porquanto seria preciso acreditar que ele havia recebido os ensinamentos desses espíritos sem outra garantia que a sua palavra. Admitindo-se da sua parte uma perfeita sinceridade, ele poderia, no máximo, convencer as pessoas do seu círculo de amizades e conquistar adeptos, mas jamais alcançaria reunir todo o mundo.
Deus quis que a nova revelação chegasse aos homens por um caminho mais rápido e mais autêntico; eis por que Ele encarregou os espíritos de levá-la de um polo ao outro da Terra, manifestando-se em todos os lugares, sem dar a pessoa alguma o privilégio exclusivo de ouvir sua palavra. Um homem pode ser enganado, enganar a si mesmo, mas não pode ser assim quando milhões de pessoas veem e ouvem a mesma coisa: isso é uma garantia para cada um e para todos. Aliás, pode-se fazer desaparecer um homem, mas não se faz desaparecer multidões; podem-se queimar livros, mas não se podem queimar os espíritos; ora, mesmo queimando-se todos os livros, a fonte da Doutrina não deixaria de ser inesgotável porque ela não está sobre a Terra, surge de todos os lugares, e cada um de nós pode beber nessa fonte. Na falta de homens para difundi-la, sempre haverá os espíritos, que alcançam todo o mundo e aos quais pessoa alguma pode atingir.
Portanto, na realidade, são os próprios espíritos que fazem a propaganda, com a ajuda de inumeráveis médiuns que aparecem de todos os lados. Se houvesse apenas um único intérprete, por mais favorecido que fosse, o Espiritismo mal seria conhecido; esse mesmo intérprete, de qualquer classe a que pertencesse, teria sido objeto de prevenções por parte de muitas pessoas; nem todas as nações o teriam aceitado, enquanto que os espíritos, comunicando-se em todos os lugares, com todos os povos, com todas as seitas[1] e todos os grupos, são aceitos por todos. O Espiritismo não tem nacionalidade, está fora de todos os cultos particulares; não é imposto por nenhuma classe da sociedade, pois cada um pode receber instruções de seus parentes e de seus amigos de além-túmulo. Era necessário que assim fosse para que ele pudesse chamar todos os homens para a fraternidade; se ele não fosse colocado em um terreno neutro, teria mantido as desavenças em lugar de apaziguá-las.
Esta universalidade no ensino dos espíritos fez a força do Espiritismo, e nela também está a causa da sua rápida propagação; enquanto a voz de um único homem, mesmo com a ajuda da imprensa, levaria séculos antes de chegar aos ouvidos de todos. Eis que milhares de vozes se fazem ouvir, simultaneamente, sobre todos os pontos da Terra para proclamar os mesmos princípios, e transmiti-los aos mais ignorantes como aos mais sábios, a fim de que ninguém seja excluído. É uma vantagem da qual nenhuma das doutrinas, que apareceram até hoje, tem desfrutado. Portanto, se o Espiritismo é uma verdade, ele não teme o malquerer dos homens, nem as revoluções morais, nem as perturbações físicas do globo, porque nenhuma dessas coisas pode atingir os espíritos. Essa, porém, não é a única vantagem que resulta dessa posição excepcional; nela o Espiritismo encontra uma garantia poderosa contra as divisões que poderiam surgir, seja pela ambição de alguns, seja pelas contradições de certos espíritos. Essas contradições, seguramente, são um obstáculo, mas trazem em si o remédio ao lado do mal.
Sabe-se que os espíritos, em consequência da diferença que existe entre seus conhecimentos, estão longe de possuir toda a verdade; que não é dado a todos penetrar certos mistérios; que o seu saber é proporcional à sua depuração; que os espíritos comuns não sabem mais que os homens, podem até saber menos que certos homens. Que há entre eles, assim como entre os homens, os presunçosos e os falsos sábios, que creem saber o que na realidade não sabem; os sistemáticos, que tomam suas ideias como sendo a verdade, e, enfim, os espíritos de ordem mais elevada, aqueles completamente desmaterializados e que são os únicos despojados das ideias e dos preconceitos terrenos. Porém, sabe-se, também, que os espíritos enganadores não têm escrúpulos de se utilizarem de nomes que não são os seus, para fazerem aceitar suas ideias fantasiosas, quiméricas. Daí resulta que, para tudo aquilo que está fora do ensino exclusivamente moral, as revelações que cada um pode obter têm um caráter individual, sem autenticidade; que essas revelações devem ser consideradas como opiniões pessoais deste ou daquele espírito, e que seria uma imprudência aceitá-las e promulgá-las levianamente como verdades absolutas.
Sem a menor dúvida, o primeiro exame ao qual é preciso submeter, sem exceção, tudo o que vem dos espíritos é o da razão. Toda teoria que se apresente em contradição evidente com o bom senso, com uma lógica rigorosa e com os dados positivos que se possui, deve ser rejeitada, ainda que seja assinada por um nome respeitável. Esse controle, porém, em muitos casos é incompleto, por causa da insuficiência de conhecimentos de certas pessoas, e da tendência de muitos em considerar, como único juiz da verdade, o seu próprio julgamento. Em semelhantes casos, o que fazem os homens que não têm uma confiança absoluta em si mesmos? Eles aceitam a opinião do maior número de pessoas, a opinião da maioria é o seu guia. Assim também deve ser no que diz respeito ao ensino dos espíritos, porquanto eles mesmos nos fornecem os meios.
A concordância nos ensinamentos dos espíritos é, portanto, o melhor controle, mas ainda é preciso que ela seja feita dentro de certas condições. A menos segura de todas é quando um médium interroga, ele mesmo, vários espíritos sobre um ponto duvidoso; é claro que, se ele estiver sob o domínio de uma obsessão,[2] ou em relação com um espírito enganador, este espírito pode-lhe dizer a mesma coisa sob nomes diferentes. Também não há uma garantia absoluta na concordância que se pode obter pelos médiuns de um mesmo Centro, pois todos podem estar sofrendo a mesma influência.
A única garantia séria do ensinamento dos espíritos está na concordância que existe entre as revelações feitas espontaneamente, por intermédio de um grande número de médiuns estranhos uns aos outros, e em diversos lugares.
Entende-se perfeitamente que aqui não se trata de comunicações referentes a interesses secundários, mas das que dizem respeito aos próprios princípios da Doutrina. A experiência prova que, quando um princípio novo deve ser divulgado, ele é ensinado espontaneamente, em diferentes pontos ao mesmo tempo, e de uma maneira idêntica, caso não seja pela forma, pelo menos o será pelo conteúdo. Portanto, se agradar a um espírito formular um sistema excêntrico, baseado unicamente em suas ideias e fora da verdade, pode-se ficar certo de que esse sistema permanecerá circunscrito, e cairá diante da unanimidade das instruções dadas de todas as partes, conforme os inúmeros exemplos têm demonstrado. É esta unanimidade que fez cair todas as teorias parciais que apareceram na origem do Espiritismo, quando cada um explicava os fenômenos à sua maneira, e antes que se conhecessem as leis que regem as relações entre o mundo visível e o invisível.
Esta é a base em que nos apoiamos, quando formulamos um princípio da Doutrina. Não é porque ele está de acordo com as nossas ideias que nós o consideramos como verdadeiro. Não nos colocamos, em absoluto, como juiz supremo da verdade e nem dizemos a pessoa alguma: “Acreditem em tal coisa, pois estamos lhes dizendo.” A nossa opinião, aos nossos próprios olhos, é simplesmente uma opinião pessoal, que pode ser falsa ou verdadeira, porque nós não somos mais infalíveis que ninguém. Não é porque um princípio nos é ensinado que devemos considerá-lo como verdadeiro, mas porque ele recebeu aprovação unânime.
Na nossa posição, recebendo comunicações de quase mil Centros Espíritas sérios, disseminados pelos diversos pontos do globo, temos condições de ver os princípios sobre os quais essa concordância se estabelece; essa observação é que nos guia até hoje, e igualmente nos guiará nos novos campos que o Espiritismo será chamado a explorar. Foi assim que, estudando atentamente as comunicações vindas de diversos lugares, tanto da França quanto do estrangeiro, nós reconhecemos, na natureza toda especial das revelações, que há tendência a entrar em uma nova estrada, e que é chegado o momento de dar um passo adiante.
Essas revelações, às vezes feitas com meios-termos, frequentemente passaram despercebidas por muitos daqueles que as têm obtido; muitos outros acreditaram ser os únicos a obtê-las. Tomadas isoladamente, elas seriam sem valor para nós, somente a coincidência lhes dá a seriedade. Depois, quando chegar o momento de levá-las à luz da publicidade, cada um então se lembrará de haver recebido instruções com o mesmo conteúdo. É este movimento geral que nós observamos, que estudamos, com a assistência dos nossos guias espirituais, e que nos ajuda a julgar a oportunidade que existe, para nós, de fazermos ou não uma coisa.
Esse controle universal é uma garantia para a unidade vindoura do Espiritismo, e ele anulará todas as teorias contraditórias. É assim que, no futuro, se encontrará o critério da verdade. O que fez o sucesso da doutrina formulada no O Livro dos Espíritos e no O Livro dos Médiuns é que em toda a parte cada um pôde receber diretamente dos espíritos a confirmação do que eles contêm. Se, de todos os lados, os espíritos viessem contradizê-los, depois de algum tempo esses livros teriam sofrido o mesmo destino de todas as concepções fantásticas; nem o apoio da imprensa poderia salvá-los do naufrágio, enquanto que, mesmo privados desse apoio, eles abriram os seus caminhos e avançaram rapidamente, porquanto tiveram o amparo dos espíritos, dos quais a boa vontade muito compensou o malquerer dos homens. Assim acontecerá com todas as ideias que, emanando dos espíritos ou dos homens não puderem suportar a prova desse controle cujo poder nenhuma pessoa pode contestar.
Vamos supor que agrade a certos espíritos ditar, sob um título qualquer, um livro em sentido contrário; suponhamos mesmo que, com uma intenção hostil, objetivando desacreditar a Doutrina, a malevolência fizesse surgir comunicações apócrifas, isto é, falsas. Que influência poderiam ter esses escritos, se eles são desmentidos de todos os lados pelos espíritos? É a adesão dos espíritos que precisaria ser assegurada antes de lançar um sistema em nome deles. Do sistema de um só ao de todos, há a distância que vai da unidade ao infinito. O que podem, até mesmo, todos os argumentos dos detratores sobre a opinião das multidões, quando milhões de vozes amigas, provenientes do espaço, vêm de todas as partes do Universo, e no meio de cada família, para contradizê-los? A experiência, em relação a esse assunto, já não confirmou a teoria? Em que são transformadas todas essas publicações que deveriam, supostamente, destruir o Espiritismo? Qual foi aquele que conseguiu diminuir a sua marcha? Até o presente não se havia examinado a questão sob esse ponto de vista, um dos mais graves, sem dúvida alguma; cada um contou consigo mesmo, sem contar com os espíritos.
O princípio da concordância é ainda uma garantia contra as alterações que o Espiritismo poderia sofrer pelas seitas que quisessem apoderar-se dele e acomodá-lo à sua vontade. Quem quer que tentasse desviá-lo do seu objetivo providencial, fracassaria, pela simples razão de que os espíritos, pela universalidade dos seus ensinamentos, farão tombar qualquer modificação que se afaste da verdade.
De tudo isso ressalta uma verdade capital, a de que aquele que quisesse colocar-se contra a corrente de ideias, estabelecida e sancionada, bem poderia causar uma pequena perturbação local e momentânea, mas jamais dominar o conjunto, mesmo no presente, e ainda menos no futuro.
Disso ainda resulta que as instruções dadas pelos espíritos sobre pontos da Doutrina ainda não elucidados, não se tornaram lei, tanto é que elas ficaram isoladas; e que, por conseguinte, só devem ser aceitas sob todas as reservas e a título de esclarecimento.
Daí a necessidade de usar da maior prudência na sua publicação; e, no caso em que se acredita que se deve publicá-las, é importante apresentá-las como opiniões individuais, mais ou menos prováveis, havendo, porém, em todos os casos, necessidade de confirmação. É essa confirmação que se deve aguardar, antes de apresentar um princípio como verdade absoluta, se não se deseja ser acusado de leviandade ou de credulidade irrefletida.
Os espíritos superiores procedem com uma extrema sabedoria nas suas revelações; eles só abordam gradualmente as grandes questões da Doutrina, à medida que a inteligência está apta a compreender as verdades de uma ordem mais elevada, e que as circunstâncias são propícias para a emissão de uma nova ideia. Eis por que, eles não disseram tudo desde o início, e ainda hoje não o fizeram, não cedendo jamais à impaciência de pessoas muito apressadas que querem colher os frutos antes de estarem maduros.
Portanto, seria supérfluo querer antecipar o tempo determinado para cada coisa pela Providência, porque, então, os espíritos verdadeiramente sérios recusariam sua ajuda; no entanto, os espíritos levianos, pouco se preocupando com a verdade, respondem a tudo; é por essa razão que, sobre todas as questões prematuras, sempre há respostas contraditórias.
Os princípios acima não são as resultantes de uma teoria pessoal, mas a consequência das condições nas quais os espíritos se manifestam. É evidente que, se um espírito diz uma coisa de um lado, enquanto milhões de espíritos dizem o contrário de outros lugares, a presunção da verdade não pode estar com aquele que é o único ou quase único com tal opinião. Ora, pretender ter razão sozinho, contra todos, seria tão ilógico da parte de um espírito quanto da parte dos homens. Os espíritos verdadeiramente sábios, se não se sentem suficientemente esclarecidos sobre uma questão, nunca a resolvem de uma maneira absoluta; declaram que a tratam apenas do seu ponto de vista e eles mesmos aconselham esperar a confirmação.
Por mais que uma ideia seja grande, bela e justa, é impossível que ela, desde o início, concentre todas as opiniões. Os conflitos dela resultantes são a consequência inevitável do movimento que se desenvolve; eles são mesmo necessários para melhor fazer ressaltar a verdade, e é útil que aconteçam logo no início do movimento para que as ideias falsas sejam logo afastadas. Os espíritas que a esse respeito possuem algum temor devem, portanto, ficar tranquilos. Todas as pretensões isoladas cairão, pela força das coisas, diante do grande e poderoso critério da concordância universal.
Não é pela opinião de um homem que os outros se congraçarão, mas pela voz unânime dos espíritos. Não será um homem, muito menos nós ou qualquer outro, que fundará a ortodoxia[3] espírita; também não será um espírito, vindo se impor a quem quer que seja: será a universalidade dos espíritos comunicando-se em toda a Terra por ordem de Deus; aí está o caráter essencial da Doutrina Espírita, a sua força, a sua autoridade. Deus quis que a sua lei fosse assentada sobre uma base inabalável, foi por isso que Ele não a colocou sobre a cabeça frágil de uma única pessoa. É diante desse poderoso areópago,[4] que não conhece nem as sociedades secretas, nem as rivalidades invejosas, nem as seitas, nem as nações, que virão se quebrar todas as oposições, todas as ambições, todas as pretensões à supremacia individual; é diante dele que nós mesmos nos quebraríamos se quiséssemos substituir, pelas nossas próprias ideias, os seus decretos soberanos. Só ele decidirá todas as questões litigiosas, fará calar os dissidentes e dará, ou não, razão a quem de direito. Diante desse grandioso acordo de todas as vozes do céu, o que pode a opinião de um homem ou de um espírito? Menos que a gota d’água que se perde no oceano, menos que a voz de uma criança abafada pela tempestade.
A opinião universal, eis, portanto, o juiz supremo, aquele que fala em última instância. Ela se forma de todas as opiniões individuais; se uma delas é verdadeira, só tem um peso relativo na balança, se é falsa, não pode levar vantagem sobre todas as outras. Nesse imenso concurso, as individualidades se apagam, o que é um novo revés para o orgulho humano.
Esse conjunto harmonioso já se delineia. Ora, este século não passará sem que ele resplandeça em todo o seu esplendor, de maneira a anular todas as incertezas; porque daqui para a frente vozes poderosas terão recebido a missão de se fazerem ouvir, para reunir os homens sob a mesma bandeira, desde que o campo esteja suficientemente preparado. Enquanto espera, aquele que hesita entre dois sistemas opostos pode observar em que sentido se forma a opinião geral, este é o indício certo do sentido em que se pronuncia a maioria dos espíritos, nos diversos pontos em que se comunicam; é um sinal também certo de qual dos dois sistemas irá prevalecer.

Questão para estudo:

1 - Cite fatores que corroboram com a autenticidade da Doutrina Espirita.




[1] Seita: denomina-se seita ao conjunto de pessoas que professam a mesma doutrina. (N.T.)
[2] Estar sob o domínio de uma obsessão.: estar sob a ação dominante que certos espíritos inferiores podem exercer sobre os encarnados. (N.T.)
[3] Ortodoxia: absoluta conformidade de uma opinião com uma doutrina; fiel e exato cumprimento dessa doutrina. (N.T.)
[4] Areópago: assim se denominava o tribunal supremo de Atenas; assembleia de juízes, sábios, literatos, etc. (N.T.)

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