sábado, 5 de novembro de 2016

Capítulo I -  Não vim destruir a lei
Itens 9 a 11
Aliança da Ciência e da Religião e a Nova Era

A Ciência e a Religião são as duas alavancas da inteligência humana: uma revela as leis do mundo material e a outra as do mundo moral. Tendo, no entanto, essas leis o mesmo principio, que é Deus, não podem contradizer-se. A tendência é a Ciência e a Religião se unirem no futuro, tendo em vista que, com o conhecimento das leis que regem Universo, veremos que haverá sempre uma força maior, denominada Deus.

Aliança da Ciência com a Religião
8. A Ciência e a Religião são as duas alavancas da inteligência humana; uma revela as leis do mundo material e a outra, as leis do mundo moral. No entanto, tendo essas leis o mesmo princípio, que é Deus, elas não se podem contradizer. Se fossem a negação uma da outra, necessariamente uma estaria errada e a outra com a razão, visto que Deus não pode querer destruir sua própria obra. A incompatibilidade que se acredita ver entre essas duas ordens de ideias, deve-se a um erro de observação e ao excesso de exclusivismo de uma e de outra parte; daí resultou um conflito que deu origem à incredulidade e à intolerância.
São chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo devem receber seu complemento; em que o véu, lançado intencionalmente sobre algumas partes desses ensinos, deve ser levantado; em que a Ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, deve levar em conta o elemento espiritual, e a Religião deve reconhecer as leis orgânicas e imutáveis da matéria. Essas duas forças, então, apoiando-se uma na outra, e marchando juntas, se prestarão um mútuo apoio. A Religião, não sendo mais desmentida pela Ciência, irá adquirir um poder indestrutível, porque estará de acordo com a razão, e a irresistível lógica dos fatos não mais poderá se opor a ela.
A Ciência e a Religião até hoje não puderam se entender porque, cada uma encarando as coisas do seu ponto de vista exclusivo, se repeliam mutuamente. Era preciso alguma coisa para preencher o vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse; esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o mundo espiritual e suas relações com o mundo corporal, leis também tão imutáveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres. Essas relações, uma vez comprovadas pela experiência, fizeram surgir uma nova luz: a fé se dirigiu à razão; a razão nada encontrou de ilógico na fé, e o materialismo foi vencido. Entretanto, nisso como em todas as coisas, há pessoas que ficam para trás, até que sejam arrastadas pelo movimento geral que as esmagará, se quiserem resistir em lugar de se entregarem a ele. É toda uma revolução moral que se opera neste momento e aperfeiçoa os espíritos. Após ser elaborada durante mais de dezoito séculos, ela chega ao seu final e vai marcar uma nova era na humanidade.  As consequências dessa revolução são fáceis de prever; ela deve produzir inevitáveis modificações nas relações sociais, às quais ninguém poderá se opor porque estão nos desígnios de Deus e porque resultam da lei do progresso, que é uma lei de Deus.
. INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .
A nova era
9. Deus é único, e Moisés é o espírito que Deus enviou em missão para fazer com que Ele fosse conhecido, não somente dos hebreus, mas também dos povos pagãos. O povo hebreu[1] foi o instrumento que Deus utilizou para se revelar, por intermédio de Moisés e pelos profetas; e as vicissitudes por que esse povo passou foram destinadas a impressionar e fazer cair o véu que ocultava a divindade aos homens.
Os mandamentos de Deus, dados por Moisés, contém o germe da mais ampla moral cristã; os comentários da Bíblia restringiam-lhe o sentido, porque, posta em ação, com toda a sua pureza, não seria então compreendida. Mas os Dez Mandamentos de Deus nem por isso deixaram de ser como um frontispício[2] brilhante, como o farol que devia iluminar a humanidade no caminho que ela teria que percorrer.
A moral ensinada por Moisés era apropriada ao estado de adiantamento em que se encontravam os povos a quem ela estava destinada a regenerar. Esses povos, semisselvagens quanto ao aperfeiçoamento da alma, não teriam compreendido que se pudesse adorar a Deus sem a realização de holocaustos[3] nem que fosse preciso perdoar a um inimigo. A inteligência deles, notável sob o ponto de vista da matéria e mesmo sob o das artes e das ciências, era muito atrasada em moralidade, e não seria convertida sob o domínio de uma religião inteiramente espiritual. Era-lhes necessária uma representação semimaterial, como a que a religião hebraica lhes oferecia. Os holocaustos falavam aos seus sentidos, enquanto a ideia de Deus falava ao seu espírito.
O Cristo foi o iniciador da moral mais pura, mais sublime; da moral evangélico-cristã que deve renovar o mundo, aproximar os homens e torná-los irmãos; que deve fazer jorrar de todos os corações humanos a caridade e o amor ao próximo, e criar, entre todos os homens, uma solidariedade comum; enfim, de uma moral que há de transformar a Terra, e dela fazer uma morada para espíritos superiores aos que hoje a habitam. É a lei do progresso, à qual a Natureza está submetida, que se cumpre, e o Espiritismo é a alavanca da qual Deus se utiliza para fazer a humanidade avançar.
São chegados os tempos em que as ideias morais devem se desenvolver para que se realizem os progressos que estão nos desígnios de Deus; elas devem seguir o mesmo caminho que as ideias de liberdade percorreram e que foram suas precursoras. Não se creia, porém, que esse desenvolvimento se fará sem lutas, não, elas precisam, para chegar à maturidade, de abalos e discussões, a fim de que chamem a atenção das massas. Uma vez despertada essa atenção, a beleza e a santidade da moral irão impressionar os espíritos, e eles se ligarão a uma ciência que lhes dará a chave da vida futura e lhes abrirá as portas da felicidade eterna. Moisés abriu o caminho, Jesus continuou a obra, o Espiritismo irá concluí-la. (Um Espírito Israelita.[4] Mulhouse, 1861.)

10. Um dia, Deus, em sua caridade inesgotável, permitiu ao homem ver a verdade atravessar as trevas; esse foi o dia da vinda do Cristo. Depois da luz viva, as trevas voltaram. O mundo, após alternativas de verdade e de obscuridade, perdia-se novamente. Então, assim como os profetas do Antigo Testamento, os espíritos se puseram a falar e a advertir: .O mundo está abalado em suas bases, o trovão reboará. Sede firmes!.
O Espiritismo é de ordem divina, pois tem suas bases assentadas nas próprias leis da Natureza, e crede que tudo o que é de ordem divina tem um objetivo elevado e útil. O mundo terrestre se perdia; a Ciência, desenvolvida à custa do que é de ordem moral, vos conduzia unicamente ao bem-estar material, voltando-se em proveito do espírito das trevas. Vós o sabeis, cristãos, o coração e o amor devem marchar unidos à Ciência.
O reino de Cristo, ai de nós, após dezoito séculos, e apesar do sangue de tantos mártires, ainda não chegou. Cristãos, voltai ao Mestre que quer vos salvar. Tudo é fácil, àquele que crê e que ama; o amor o preenche de uma alegria inexprimível. Sim, meus filhos, o mundo está abalado; os bons espíritos o dizem sempre; curvai-vos sob o vento que anuncia a tempestade, para que não sejais derrubados, quer dizer, preparai-vos, e não vos assemelheis às virgens loucas[5] que foram apanhadas desprevenidas à chegada do esposo.
A revolução que se prepara é antes moral do que material; os grandes espíritos, mensageiros divinos, inspiram a fé, para que todos vós, obreiros esclarecidos e ardentes, façais ouvir vossa humilde voz; porque vós sois o grão de areia, mas sem grãos de areia não haveria montanhas. Assim, pois, que estas palavras: .Nós somos pequenos, . não tenham mais sentido para vós. A cada um a sua missão, a cada um o seu trabalho. A formiga não constrói o seu formigueiro e animaizinhos insignificantes não erguem continentes? A nova cruzada começou; apóstolos da paz universal, e não de uma guerra, modernos São Bernardos, olhai e marchai para frente. A lei dos mundos é a lei do progresso. (Fénelon.[6] Poitiers, 1861.)

11. Santo Agostinho é um dos maiores divulgadores do Espiritismo. Manifesta-se quase por toda a parte, e a razão de tal fato nós a encontramos na vida desse grande filósofo cristão. Ele pertence a essa vigorosa falange dos Pais da Igreja aos quais a cristandade deve suas mais sólidas bases. Como ocorreu a muitos, Agostinho foi arrancado do paganismo,[7] melhor dizendo, da incredulidade mais profunda, pelo clarão da verdade.
Quando, em meio aos seus excessos, sentiu na própria alma a vibração estranha que o chamava para si mesmo e o fez compreender que a felicidade estava longe dos prazeres enervantes e fugidios; quando, enfim, no seu caminho de Damasco,[8] também ouviu a voz santa lhe dizer: .Saulo, Saulo, por que me persegues?. ele exclamou: Meu Deus! Meu Deus! Perdoa-me, eu creio, eu sou cristão!. E, desde então, tornou-se um dos mais firmes sustentáculos do Evangelho. Pode-se ler, nas notáveis confissões que nos deixou esse eminente espírito, as palavras características, e ao mesmo tempo proféticas, que pronunciou ao ter perdido Santa Mônica: Estou convencido de que minha mãe virá me visitar e dar os seus conselhos, revelando-me o que me espera na vida futura... Que ensinamento nessas palavras, e que previsão brilhante da futura doutrina! É por isso que atualmente, vendo chegada a hora para a divulgação da verdade, que outrora havia pressentido, ele se faz seu ardente propagador, e se multiplica, por assim dizer, para responder a todos aqueles que o chamam. (Erasto,[9] discípulo de São Paulo. Paris, 1863.)
Observação. Santo Agostinho vem então derrubar o que construiu? Não, seguramente; mas como tantos outros, ele vê com os olhos do espírito o que não via como homem. Sua alma, liberta, entrevê novas claridades e compreende o que antes não compreendia. Novas ideias lhe revelaram o verdadeiro sentido de certas palavras; na Terra ele julgava as coisas segundo os conhecimentos que possuía, mas, quando uma nova luz se fez para ele, pôde julgá-las com maior clareza. É assim que ele deve rever sua crença referente aos espíritos íncubus e súcubus[10] e sobre o anátema[11] que havia lançado contra a teoria dos antípodas[12]. Agora, que o Cristianismo lhe aparece em toda a sua pureza, ele pode, sobre certos pontos, pensar de maneira diferente de quando estava vivo, sem deixar de ser apóstolo cristão. Pode, sem renegar sua fé, fazer-se o propagador do Espiritismo, porque nele vê o cumprimento das predições. Proclamando-o, hoje, nada mais fez que nos conduzir a uma interpretação mais sã e mais lógica dos textos. Assim acontece também com outros espíritos que se acham em uma posição semelhante.

Questão para estudo
1 - Por que a Ciência e Religião, até o momento, não puderam se entender?

Disponível em http://www.cvdee.org.br/est_eesetexto.asp?id=006



[1] Povo Hebreu: povo semita da Antiguidade, do qual descendem os atuais judeus. (semita: família etnográfica e linguística, originária da Ásia ocidental, e que compreende os hebreus, os assírios, os aramaicos, os fenícios e os árabes.) (N.T.)
[2] Frontispício: fachada principal. (N.T.)
[3] Holocausto: entre os antigos hebreus, sacrifício em que se queimavam inteiramente as vítimas; imolação. (N.T.)

[4] Trata-se do senhor Edouard Pereyre, parente do médium Rodolphe de Mulhouse. (N.T. conforme a Revista Espírita de setembro de 1861, p. 296.)
[5] O Espírito Fénelon refere-se à passagem que Mateus narra no capítulo XXV, versículos 1 a 13 do seu Evangelho. (N.T.)
[6] Fénelon: François de Salignac de Mothe-Fénelon, escritor e prelado francês. Nasceu em 1651 e desencarnou em 1715. Foi arcebispo da cidade de Cambrai, pregador e depois missionário. Possuía caráter e tendências muito aristocráticas e se opunha ao absolutismo do rei Luís XIV. Em 1699, caiu em desagrado, após a publicação do seu livro, Telêmaco, cheio de alusões e indiretas ao governo. Tendo recebido a condenação papal, passou a viver como um simples pastor, em sua própria diocese. (N.T.)
[7] Paganismo: nome dado pelos primeiros cristãos ao politeísmo (crença em muitos deuses). Pagãos eram todos povos politeístas assim como tudo relativo a eles e aos seus deuses. Diz-se pagão de toda religião que não é a cristã ou a judaica e, também, daquele que não segue o Catolicismo. (N.T.)
[8] Ao citar a expressão “caminho de Damasco”, o Espírito Erasto faz uma referência ao fato ocorrido com Saulo de Tarso e que deu origem à sua conversão ao Cristianismo. Quando se dirigia à cidade de Damasco, situada a 200 quilômetros de Jerusalém, para agir, como doutor da lei, contra os hebreus convertidos à doutrina do Cristo, Saulo, quando já se encontrava bem próximo da cidade, foi subitamente cercado por forte luz, vinda do alto. Sentindo-se ofuscado, caiu ao chão, ao mesmo tempo em que ouvia uma voz que lhe dizia: .Saulo, Saulo, por que me persegues?. Ele, atônito, pergunta: .Quem és tu, Senhor?. E a voz lhe responde: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Levanta-te e entra em Damasco, lá ficarás sabendo o que deves fazer... Saulo, que ficara cego sob a ação daquela luz, fez o que a voz lhe ordenava, iniciando-se, assim, a partir daquele momento, a sua conversão, e toda uma vida de apostolado cristão, sob o nome que posteriormente adotou: Paulo de Tarso. (N.T.)
[9] Erasto: era o tesoureiro da cidade de Corinto. Tornou-se discípulo de Paulo de Tarso e o acompanhou em sua viagem a Éfeso. No Novo Testamento encontramos breves citações a Erasto em Atos, XIX: 22, na Epístola de Paulo aos Romanos, XVI: 23 e na segunda Epístola de Paulo a Timóteo, IV: 20. (N.T.)
[10] Íncubu: segundo tradições populares, é um .demônio. masculino que vem ligar-se sexualmente a uma mulher; súcubu é um demônio feminino que, nas mesmas condições, vem ligar-se a um homem. Esses .demônios. nada mais são que espíritos inferiores que, mesmo desencarnados, ainda têm desejo sexual e estabelecem, mediante afinidade com o médium, esse tipo de relação. (N.T.)
[11] Anátema: maldição, reprovação enérgica, excomunhão. (N.T.)
[12] Antípoda: habitante que, em relação a outro habitante da Terra, encontra-se em lugar diametralmente oposto, do .outro lado do mundo... (N.T.)

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