Capítulo I - Não vim
destruir a lei
Itens 9 a 11
Aliança da Ciência e da Religião e a Nova Era
A Ciência e a Religião
são as duas alavancas da inteligência humana: uma revela as leis do mundo
material e a outra as do mundo moral. Tendo, no entanto, essas leis o mesmo
principio, que é Deus, não podem contradizer-se. A tendência é a Ciência e a Religião
se unirem no futuro, tendo em vista que, com o conhecimento das leis que regem
Universo, veremos que haverá sempre uma força maior, denominada Deus.
Aliança da Ciência com a Religião
8. A Ciência e a
Religião são as duas alavancas da inteligência humana; uma revela as leis do
mundo material e a outra, as leis do mundo moral. No entanto, tendo essas leis o
mesmo princípio, que é Deus, elas não se podem contradizer. Se fossem a negação
uma da outra, necessariamente uma estaria errada e a outra com a razão, visto
que Deus não pode querer destruir sua própria obra. A incompatibilidade que se
acredita ver entre essas duas ordens de ideias, deve-se a um erro de observação
e ao excesso de exclusivismo de uma e de outra parte; daí resultou um conflito
que deu origem à incredulidade e à intolerância.
São chegados os
tempos em que os ensinamentos do Cristo devem receber seu complemento; em que o
véu, lançado intencionalmente sobre algumas partes desses ensinos, deve ser
levantado; em que a Ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, deve
levar em conta o elemento espiritual, e a Religião deve reconhecer as leis
orgânicas e imutáveis da matéria. Essas duas forças, então, apoiando-se uma na outra,
e marchando juntas, se prestarão um mútuo apoio. A Religião, não sendo mais
desmentida pela Ciência, irá adquirir um poder indestrutível, porque estará de
acordo com a razão, e a irresistível lógica dos fatos não mais poderá se opor a
ela.
A Ciência e a
Religião até hoje não puderam se entender porque, cada uma encarando as coisas
do seu ponto de vista exclusivo, se repeliam mutuamente. Era preciso alguma
coisa para preencher o vazio que as separava, um traço de união que as
aproximasse; esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o
mundo espiritual e suas relações com o mundo corporal, leis também tão imutáveis
quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres. Essas relações,
uma vez comprovadas pela experiência, fizeram surgir uma nova luz: a fé se dirigiu
à razão; a razão nada encontrou de ilógico na fé, e o materialismo foi vencido.
Entretanto, nisso como em todas as coisas, há pessoas que ficam para trás, até
que sejam arrastadas pelo movimento geral que as esmagará, se quiserem resistir
em lugar de se entregarem a ele. É toda uma revolução moral que se opera neste
momento e aperfeiçoa os espíritos. Após ser elaborada durante mais de dezoito
séculos, ela chega ao seu final e vai marcar uma nova era na humanidade. As consequências dessa revolução são fáceis
de prever; ela deve produzir inevitáveis modificações nas relações sociais, às
quais ninguém poderá se opor porque estão nos desígnios de Deus e porque
resultam da lei do progresso, que é uma lei de Deus.
. INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .
A nova era
9. Deus é único, e
Moisés é o espírito que Deus enviou em missão para fazer com que Ele fosse
conhecido, não somente dos hebreus, mas também dos povos pagãos. O povo hebreu[1] foi o instrumento que Deus
utilizou para se revelar, por intermédio de Moisés e pelos profetas; e as vicissitudes
por que esse povo passou foram destinadas a impressionar e fazer cair o véu que
ocultava a divindade aos homens.
Os mandamentos de
Deus, dados por Moisés, contém o germe da mais ampla moral cristã; os
comentários da Bíblia restringiam-lhe o sentido, porque, posta em ação, com
toda a sua pureza, não seria então compreendida. Mas os Dez Mandamentos de Deus
nem por isso deixaram de ser como um frontispício[2] brilhante, como o farol
que devia iluminar a humanidade no caminho que ela teria que percorrer.
A moral ensinada por
Moisés era apropriada ao estado de adiantamento em que se encontravam os povos
a quem ela estava destinada a regenerar. Esses povos, semisselvagens quanto ao
aperfeiçoamento da alma, não teriam compreendido que se pudesse adorar a Deus
sem a realização de holocaustos[3] nem que fosse preciso
perdoar a um inimigo. A inteligência deles, notável sob o ponto de vista da
matéria e mesmo sob o das artes e das ciências, era muito atrasada em
moralidade, e não seria convertida sob o domínio de uma religião inteiramente
espiritual. Era-lhes necessária uma representação semimaterial, como a que a religião
hebraica lhes oferecia. Os holocaustos falavam aos seus sentidos, enquanto a ideia
de Deus falava ao seu espírito.
O Cristo foi o
iniciador da moral mais pura, mais sublime; da moral evangélico-cristã que deve
renovar o mundo, aproximar os homens e torná-los irmãos; que deve fazer jorrar
de todos os corações humanos a caridade e o amor ao próximo, e criar, entre
todos os homens, uma solidariedade comum; enfim, de uma moral que há de
transformar a Terra, e dela fazer uma morada para espíritos superiores aos que
hoje a habitam. É a lei do progresso, à qual a Natureza está submetida, que se
cumpre, e o Espiritismo é a alavanca da qual Deus se utiliza para fazer a
humanidade avançar.
São chegados os
tempos em que as ideias morais devem se desenvolver para que se realizem os
progressos que estão nos desígnios de Deus; elas devem seguir o mesmo caminho
que as ideias de liberdade percorreram e que foram suas precursoras. Não se
creia, porém, que esse desenvolvimento se fará sem lutas, não, elas precisam,
para chegar à maturidade, de abalos e discussões, a fim de que chamem a atenção
das massas. Uma vez despertada essa atenção, a beleza e a santidade da moral
irão impressionar os espíritos, e eles se ligarão a uma ciência que lhes dará a
chave da vida futura e lhes abrirá as portas da felicidade eterna. Moisés abriu
o caminho, Jesus continuou a obra, o Espiritismo irá concluí-la. (Um Espírito
Israelita.[4] Mulhouse, 1861.)
10. Um dia, Deus, em
sua caridade inesgotável, permitiu ao homem ver a verdade atravessar as trevas;
esse foi o dia da vinda do Cristo. Depois da luz viva, as trevas voltaram. O
mundo, após alternativas de verdade e de obscuridade, perdia-se novamente.
Então, assim como os profetas do Antigo Testamento, os espíritos se puseram a
falar e a advertir: .O mundo está abalado em suas bases, o trovão reboará. Sede
firmes!.
O Espiritismo é de
ordem divina, pois tem suas bases assentadas nas próprias leis da Natureza, e
crede que tudo o que é de ordem divina tem um objetivo elevado e útil. O mundo
terrestre se perdia; a Ciência, desenvolvida à custa do que é de ordem moral,
vos conduzia unicamente ao bem-estar material, voltando-se em proveito do
espírito das trevas. Vós o sabeis, cristãos, o coração e o amor devem marchar unidos
à Ciência.
O reino de Cristo,
ai de nós, após dezoito séculos, e apesar do sangue de tantos mártires, ainda
não chegou. Cristãos, voltai ao Mestre que quer vos salvar. Tudo é fácil,
àquele que crê e que ama; o amor o preenche de uma alegria inexprimível. Sim,
meus filhos, o mundo está abalado; os bons espíritos o dizem sempre; curvai-vos
sob o vento que anuncia a tempestade, para que não sejais derrubados, quer
dizer, preparai-vos, e não vos assemelheis às virgens loucas[5] que foram apanhadas
desprevenidas à chegada do esposo.
A revolução que se
prepara é antes moral do que material; os grandes espíritos, mensageiros
divinos, inspiram a fé, para que todos vós, obreiros esclarecidos e ardentes, façais
ouvir vossa humilde voz; porque vós sois o grão de areia, mas sem grãos de
areia não haveria montanhas. Assim, pois, que estas palavras: .Nós somos
pequenos, . não tenham mais sentido para vós. A cada um a sua missão, a cada um
o seu trabalho. A formiga não constrói o seu formigueiro e animaizinhos
insignificantes não erguem continentes? A nova cruzada começou; apóstolos da
paz universal, e não de uma guerra, modernos São Bernardos, olhai e marchai
para frente. A lei dos mundos é a lei do progresso. (Fénelon.[6] Poitiers, 1861.)
11. Santo Agostinho
é um dos maiores divulgadores do Espiritismo. Manifesta-se quase por toda a
parte, e a razão de tal fato nós a encontramos na vida desse grande filósofo
cristão. Ele pertence a essa vigorosa falange dos Pais da Igreja aos quais a
cristandade deve suas mais sólidas bases. Como ocorreu a muitos, Agostinho foi
arrancado do paganismo,[7] melhor dizendo, da
incredulidade mais profunda, pelo clarão da verdade.
Quando, em meio aos
seus excessos, sentiu na própria alma a vibração estranha que o chamava para si
mesmo e o fez compreender que a felicidade estava longe dos prazeres enervantes
e fugidios; quando, enfim, no seu caminho de Damasco,[8] também ouviu a voz santa
lhe dizer: .Saulo, Saulo, por que me persegues?. ele exclamou: Meu Deus! Meu
Deus! Perdoa-me, eu creio, eu sou cristão!. E, desde então, tornou-se um dos
mais firmes sustentáculos do Evangelho. Pode-se ler, nas notáveis confissões
que nos deixou esse eminente espírito, as palavras características, e ao mesmo tempo
proféticas, que pronunciou ao ter perdido Santa Mônica: Estou convencido de que
minha mãe virá me visitar e dar os seus conselhos, revelando-me o que me espera
na vida futura... Que ensinamento nessas palavras, e que previsão brilhante da
futura doutrina! É por isso que atualmente, vendo chegada a hora para a
divulgação da verdade, que outrora havia pressentido, ele se faz seu ardente
propagador, e se multiplica, por assim dizer, para responder a todos aqueles
que o chamam. (Erasto,[9] discípulo de São Paulo.
Paris, 1863.)
Observação. Santo
Agostinho vem então derrubar o que construiu? Não, seguramente; mas como tantos
outros, ele vê com os olhos do espírito o que não via como homem. Sua alma,
liberta, entrevê novas claridades e compreende o que antes não compreendia.
Novas ideias lhe revelaram o verdadeiro sentido de certas palavras; na Terra ele
julgava as coisas segundo os conhecimentos que possuía, mas, quando uma nova
luz se fez para ele, pôde julgá-las com maior clareza. É assim que ele deve
rever sua crença referente aos espíritos íncubus e súcubus[10] e sobre o anátema[11] que havia lançado contra
a teoria dos antípodas[12]. Agora, que o
Cristianismo lhe aparece em toda a sua pureza, ele pode, sobre certos pontos,
pensar de maneira diferente de quando estava vivo, sem deixar de ser apóstolo
cristão. Pode, sem renegar sua fé, fazer-se o propagador do Espiritismo, porque
nele vê o cumprimento das predições. Proclamando-o, hoje, nada mais fez que nos
conduzir a uma interpretação mais sã e mais lógica dos textos. Assim acontece
também com outros espíritos que se acham em uma posição semelhante.
Questão para estudo
1 - Por que a Ciência
e Religião, até o momento, não puderam se entender?
Disponível em http://www.cvdee.org.br/est_eesetexto.asp?id=006
[1]
Povo Hebreu: povo
semita da Antiguidade, do qual descendem os atuais judeus. (semita: família
etnográfica e linguística, originária da Ásia ocidental, e que compreende os
hebreus, os assírios, os aramaicos, os fenícios e os árabes.) (N.T.)
[2]
Frontispício: fachada
principal. (N.T.)
[3]
Holocausto: entre
os antigos hebreus, sacrifício em que se queimavam inteiramente as vítimas;
imolação. (N.T.)
[4] Trata-se do senhor
Edouard Pereyre, parente do médium Rodolphe de Mulhouse. (N.T. conforme a
Revista Espírita de setembro de 1861, p. 296.)
[5] O Espírito Fénelon
refere-se à passagem que Mateus narra no capítulo XXV, versículos 1 a 13 do seu
Evangelho. (N.T.)
[6]
Fénelon:
François de Salignac de Mothe-Fénelon, escritor e prelado francês. Nasceu em
1651 e desencarnou em 1715. Foi arcebispo da cidade de Cambrai, pregador e
depois missionário. Possuía caráter e tendências muito aristocráticas e se
opunha ao absolutismo do rei Luís XIV. Em 1699, caiu em desagrado, após a
publicação do seu livro, Telêmaco, cheio de alusões e indiretas ao governo. Tendo
recebido a condenação papal, passou a viver como um simples pastor, em sua
própria diocese. (N.T.)
[7]
Paganismo: nome
dado pelos primeiros cristãos ao politeísmo (crença em muitos deuses). Pagãos
eram todos povos politeístas assim como tudo relativo a eles e aos seus deuses.
Diz-se pagão de toda religião que não é a cristã ou a judaica e, também,
daquele que não segue o Catolicismo. (N.T.)
[8]
Ao citar a
expressão “caminho de Damasco”, o Espírito Erasto faz uma referência ao fato
ocorrido com Saulo de Tarso e que deu origem à sua conversão ao Cristianismo.
Quando se dirigia à cidade de Damasco, situada a 200 quilômetros de Jerusalém,
para agir, como doutor da lei, contra os hebreus convertidos à doutrina do
Cristo, Saulo, quando já se encontrava bem próximo da cidade, foi subitamente
cercado por forte luz, vinda do alto. Sentindo-se ofuscado, caiu ao chão, ao
mesmo tempo em que ouvia uma voz que lhe dizia: .Saulo, Saulo, por que me
persegues?. Ele, atônito, pergunta: .Quem és tu, Senhor?. E a voz lhe responde:
Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Levanta-te e entra em Damasco, lá ficarás
sabendo o que deves fazer... Saulo, que ficara cego sob a ação daquela luz, fez
o que a voz lhe ordenava, iniciando-se, assim, a partir daquele momento, a sua
conversão, e toda uma vida de apostolado cristão, sob o nome que posteriormente
adotou: Paulo de Tarso. (N.T.)
[9] Erasto: era o
tesoureiro da cidade de Corinto. Tornou-se discípulo de Paulo de Tarso e o
acompanhou em sua viagem a Éfeso. No Novo Testamento encontramos breves
citações a Erasto em Atos, XIX: 22, na Epístola de Paulo aos Romanos, XVI: 23 e
na segunda Epístola de Paulo a Timóteo, IV: 20. (N.T.)
[10] Íncubu: segundo
tradições populares, é um .demônio. masculino que vem ligar-se sexualmente a
uma mulher; súcubu é um demônio feminino que, nas mesmas condições, vem
ligar-se a um homem. Esses .demônios. nada mais são que espíritos inferiores
que, mesmo desencarnados, ainda têm desejo sexual e estabelecem, mediante
afinidade com o médium, esse tipo de relação. (N.T.)
[11] Anátema: maldição,
reprovação enérgica, excomunhão. (N.T.)
[12] Antípoda: habitante
que, em relação a outro habitante da Terra, encontra-se em lugar diametralmente
oposto, do .outro lado do mundo... (N.T.)
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