Cap. VII – Itens 1 a 6
O que se deve entender por pobres de espírito
1. Bem-aventurados os pobres de espírito, pois
que deles é o reino dos céus. (S. MATEUS, cap. V, v. 3.)
2. A incredulidade
zombou desta máxima: Bem-aventurados os pobres de espírito, como tem
zombado de muitas outras coisas que não compreende. Por pobres de espírito
Jesus não entende os baldos de inteligência, mas os humildes, tanto que diz ser
para estes o reino dos céus e não para os orgulhosos.
Os homens de saber e
de espírito, no entender do mundo, formam geralmente tão alto conceito de si
próprios e da sua superioridade, que consideram as coisas divinas como indignas
de lhes merecer a atenção. Concentrando sobre si mesmos os seus olhares, eles
não os podem elevar até Deus. Essa tendência, de se acreditarem superiores a
tudo, muito amiúde os leva a negar aquilo que, estando-lhes acima, os
depreciaria, a negar até mesmo a Divindade. Ou, se condescendem em admiti-la,
contestam-lhe um dos mais belos atributos: a ação providencial sobre as coisas
deste mundo, persuadidos de que eles são suficientes para bem governá-lo.
Tomando a inteligência que possuem para medida da inteligência universal, e
julgando-se aptos a tudo compreender, não podem crer na possibilidade do que
não compreendem. Consideram sem apelação as sentenças que proferem.
Se se recusam a
admitir o mundo invisível e uma potência extra-humana, não é que isso lhes
esteja fora do alcance; é que o orgulho se lhes revolta à ideia de uma coisa
acima da qual não possam colocar-se e que os faria descer do pedestal onde se
contemplam. Dai o só terem sorrisos de mofa para tudo o que não pertence ao
mundo visível e tangível. Eles se atribuem espírito e saber em tão grande
cópia, que não podem crer em coisas, segundo pensam, boas apenas para
gente simples, tendo por pobres de espírito os que as tomam a
sério.
Entretanto, digam o
que disserem, forçoso lhes será entrar, como os outros, nesse mundo invisível
de que escarnecem. E lá que os olhos se lhes abrirão e eles reconhecerão o erro
em que caíram. Deus, porém, que é justo, não pode receber da mesma forma aquele
que lhe desconheceu a majestade e outro que humildemente se lhe submeteu às
leis, nem os aquinhoar em partes iguais.
Dizendo que o reino
dos céus é dos simples, quis Jesus significar que a ninguém é concedida entrada
nesse reino, sem a simplicidade de coração e humildade de
espírito; que o ignorante possuidor dessas qualidades será preferido ao
sábio que mais crê em si do que em Deus. Em todas as circunstâncias, Jesus põe
a humildade na categoria das virtudes que aproximam de Deus e o orgulho entre
os vícios que dele afastam a criatura, e isso por uma razão multo natural: a de
ser a humildade um ato de submissão a Deus, ao passo que o orgulho é a revolta
contra ele. Mais vale, pois, que o homem, para felicidade do seu futuro,
seja pobre em espírito, conforme o entende o mundo, e rico em
qualidades morais.
3. Por essa
ocasião, os discípulos se aproximaram de Jesus e lhe perguntaram: "Quem é
o maior no reino dos céus?" - Jesus, chamando a si um menino, o colocou no
meio deles e respondeu: "Digo-vos, em verdade, que, se não vos
converterdes e tornardes quais crianças, não entrareis no reino dos céus.
- Aquele, portanto, que se humilhar e se tornar pequeno como esta criança
será o maior no reino dos céus - e aquele que recebe em meu nome a uma
criança, tal como acabo de dizer, é a mim mesmo que recebe." (S. MATEUS,
cap. XVIII, vv. 1 a 5.)
4. Então, a mãe
dos filhos de Zebedeu se aproximou dele com seus dois filhos e o adorou, dando
a entender que lhe queria pedir alguma coisa. - Disse-lhe ele: "Que
queres?" "Manda, disse ela, que estes meus dois filhos tenham assento
no teu reino, um à sua direita e o outro à sua esquerda." - Mas, Jesus
respondeu, "Não sabes o que pedes; podeis vós ambos beber o cálice que eu
vou beber?" Eles responderam: "Podemos." -Jesus lhes replicou:
"É certo que bebereis o cálice que eu beber; mas, pelo que respeita a vos
sentardes à minha direita ou à minha esquerda, não me cabe a mim vo-lo
conceder; isso será para aqueles a quem meu Pai o tem preparado." - Ouvindo
isso, os dez outros apóstolos se encheram de indignação contra os dois irmãos.
- Jesus, chamando-os para perto de si, lhes disse: "Sabeis que os
príncipes das nações as dominam e que os grandes os tratam com império. - Assim
não deve ser entre vós; ao contrário, aquele que quiser tornar-se o maior,
seja vosso servo; - e, aquele que quiser ser o primeiro entre vós seja vosso
escravo; - do mesmo modo que o Filho do Homem não veio para ser servido,
mas para servir e dar a vida pela redenção de muitos." (S. MATEUS,
capítulo XX, vv. 20 a 28.)
5. Jesus entrou
em dia de sábado na casa de um dos principais fariseus para aí fazer a sua
refeição. Os que lá estavam o observaram. - Então, notando que os convidados
escolhiam os primeiros lugares, propôs-lhes uma parábola, dizendo: "Quando
fordes convidados para bodas, não tomeis o primeiro lugar, para que não suceda
que, havendo entre os convidados uma pessoa mais considerada do que vós, aquele
que vos haja convidado venha a dizer-vos: dai o vosso lugar a este, e vos
vejais constrangidos a ocupar, cheios de vergonha, o último lugar. - Quando
fordes convidados, ide colocar-vos no último lugar, a fim de que, quando aquele
que vos convidou chegar, vos diga: meu amigo, venha mais para cima. Isso então
será para vós um motivo de glória, diante de todos os que estiverem convosco à
mesa; - porquanto todo aquele que se eleva será rebaixado e todo aquele que se
abaixa será elevado." (S. LUCAS, cap. XIV, vv. 1 e 7 a 11.)
6. Estas máximas
decorrem do princípio de humildade que Jesus não cessa de apresentar como
condição essencial da felicidade prometida aos eleitos do Senhor e que ele
formulou assim: "Bem-aventurados os pobres de espírito, pois que o reino
dos céus lhes pertence." Ele toma uma criança como tipo da simplicidade de
coração e diz: "Será o maior no reino dos céus aquele que se
humilhar e se fizer pequeno como uma criança, isto é, que nenhuma
pretensão alimentar à superioridade ou à infalibilidade.
A mesma ideia
fundamental se nos depara nesta outra máxima: Seja vosso servidor aquele
que quiser tornar-se o maior, e nesta outra: Aquele que se humilhar será
exalçado e aquele que se elevar será rebaixado.
O Espiritismo
sanciona pelo exemplo a teoria, mostrando-nos na posição de grandes no mundo
dos Espíritos os que eram pequenos na Terra; e bem pequenos, muitas vezes, os
que na Terra eram os maiores e os mais poderosos. E que os primeiros, ao
morrerem, levaram consigo aquilo que faz a verdadeira grandeza no céu e que não
se perde nunca: as virtudes, ao passo que os outros tiveram de deixar aqui o
que lhes constituía a grandeza terrena e que se não leva para a outra vida: a
riqueza, os títulos, a glória, a nobreza do nascimento. Nada mais possuindo
senão isso, chegam ao outro mundo privados de tudo, como náufragos que tudo perderam,
até as próprias roupas. Conservaram apenas o orgulho que mais humilhante lhes
torna a nova posição, porquanto vêem colocados acima de si e resplandecentes de
glória os que eles na Terra espezinharam.
O Espiritismo
aponta-nos outra aplicação do mesmo princípio nas encarnações sucessivas,
mediante as quais os que, numa existência, ocuparam as mais elevadas posições,
descem, em existência seguinte, às mais ínfimas condições, desde que os tenham
dominado o orgulho e a ambição. Não procureis, pois, na Terra, os primeiros
lugares, nem vos colocar acima dos outros, se não quiserdes ser obrigados a
descer. Buscai, ao contrário, o lugar mais humilde e mais modesto, porquanto
Deus saberá dar-vos um mais elevado no céu, se o merecerdes.
Questões para estudo:
1 – O que se deve
entender por pobres de espírito?
2 – Por que o
princípio de humildade é condição essencial da felicidade prometida aos eleitos
do Senhor?
3 – Extraia do texto
acima a frase ou parágrafo que mais gostou e justifique.
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