Cap. V – Itens 26 e
27
Provas voluntárias. O verdadeiro cilício
26. Perguntais se é licito ao homem abrandar suas próprias provas.
Essa questão equivale a esta outra: É lícito, àquele que se afoga, cuidar de
salvar-se? Aquele em quem um espinho entrou, retirá-lo? Ao que está doente,
chamar o médico? As provas têm por fim exercitar a inteligência, tanto quanto a
paciência e a resignação. Pode dar-se que um homem nasça em posição penosa e
difícil, precisamente para se ver obrigado a procurar meios de vencer as
dificuldades. O mérito consiste em sofrer, sem murmurar, as consequências dos
males que lhe não seja possível evitar, em perseverar na luta, em se não
desesperar, se não é bem-sucedido; nunca, porém, numa negligência que seria
mais preguiça do que virtude.
Essa questão dá lugar naturalmente a outra. Pois, se Jesus disse:
"Bem-aventurados os aflitos", haverá mérito em procurar, alguém,
aflições que lhe agravem as provas, por meio de sofrimentos voluntários? A isso
responderei muito positivamente: sim, há grande mérito quando os sofrimentos e
as privações objetivam o bem do próximo, porquanto é a caridade pelo
sacrifício; não, quando os sofrimentos e as privações somente objetivam o bem
daquele que a si mesmo as inflige, porque aí só há egoísmo por fanatismo.
Grande distinção cumpre aqui se faça: pelo que vos respeita
pessoalmente, contentai-vos com as provas que Deus vos manda e não lhes
aumenteis o volume, já de si por vezes tão pesado; aceitá-las sem queixumes e
com fé, eis tudo o que de vós exige ele. Não enfraqueçais o vosso corpo com
privações inúteis e macerações sem objetivo, pois que necessitais de todas as
vossas forças para cumprirdes a vossa missão de trabalhar na Terra. Torturar e
martirizar voluntariamente o vosso corpo é contravir a lei de Deus, que vos dá
meios de o sustentar e fortalecer. Enfraquecê-lo sem necessidade é um
verdadeiro suicídio. Usai, mas não abuseis, tal a lei. O abuso das melhores
coisas tem a sua punição nas inevitáveis consequências que acarreta
Muito diverso é o quê ocorre, quando o homem impõe a si próprio
sofrimentos para o alívio do seu próximo. Se suportardes o frio e a fome para
aquecer e alimentar alguém que precise ser aquecido e alimentado e se o vosso
corpo disso se ressente, fazeis um sacrifício que Deus abençoa. Vós que deixais
os vossos aposentos perfumados para irdes à mansarda infecta levar a
consolação; vós que sujais as mãos delicadas pensando chagas; vós que vos
privais do sono para velar à cabeceira de um doente que apenas é vosso irmão em
Deus; vós, enfim, que despendeis a vossa saúde na prática das boas obras,
tendes em tudo isso o vosso cilício, verdadeiro e abençoado cilício, visto que
os gozos do mundo não vos secaram o coração, que não adormecestes no seio das
volúpias enervantes da riqueza, antes vos constituístes anjos consoladores dos
pobres deserdados.
Vós, porém, que vos retirais do mundo, para lhe evitar as seduções
e viver no insulamento, que utilidade tendes na Terra? Onde a vossa coragem nas
provações, uma vez que fugis à luta e desertais do combate? Se quereis um
cilício, aplicai-o às vossas almas e não aos vossos corpos; mortificai o vosso
Espírito e não a vossa carne; fustigai o vosso orgulho, recebei sem murmurar as
humilhações; flagiciai o vosso amor-próprio; enrijai-vos contra a dor da injúria
e da calúnia, mais pungente do que a dor física. Aí tendes o verdadeiro cilício
cujas feridas vos serão contadas, porque atestarão a vossa coragem e a vossa
submissão à vontade de Deus. Um
anjo guardião. (Paris, 1863.)
27. Deve alguém por
termo às provas do seu próximo quando o possa, ou deve, para respeitar os
desígnios de Deus, deixar que sigam seu curso?
Já vos temos dito e repetido muitíssimas vezes que estais nessa
Terra de expiação para concluirdes as vossas provas e que tudo que vos sucede é
conseqüência das vossas existências anteriores, são os juros da divida que
tendes de pagar. Esse pensamento, porém, provoca em certas pessoas reflexões
que devem ser combatidas, devido aos funestos efeitos que poderiam determinar.
Pensam alguns que, estando-se na Terra para expiar, cumpre que as
provas sigam seu curso. Outros há, mesmo, que vão até ao ponto de julgar que,
não só nada devem fazer para as atenuar, mas que, ao contrário, devem
contribuir para que elas sejam mais proveitosas, tornando-as mais vivas. Grande
erro. E certo que as vossas provas têm de seguir o curso que lhes traçou Deus;
dar-se-á, porém, conheçais esse curso? Sabeis até onde têm elas de ir e se o
vosso Pai misericordioso não terá dito ao sofrimento de tal ou tal dos vossos
irmãos: "Não irás mais longe?" Sabeis se a Providência não vos
escolheu, não como instrumento de suplício para agravar os sofrimentos do
culpado, mas como o bálsamo da consolação para fazer cicatrizar as chagas que a
sua justiça abrira? Não digais, pois, quando virdes atingido um dos vossos
irmãos: "E a justiça de Deus, importa que siga o seu curso. Dizei antes:
"Vejamos que meios o Pai misericordioso me pôs ao alcance para suavizar o
sofrimento do meu irmão. Vejamos se as minhas consolações morais, o meu amparo
material ou meus conselhos poderão ajudá-lo a vencer essa prova com mais
energia, paciência e resignação. Vejamos mesmo se Deus não me pôs nas mãos os
meios de fazer que cesse esse sofrimento; se não me deu a mim, também como
prova, como expiação talvez, deter o mal e substitui-lo pela paz."
Ajudai-vos, pois, sempre, mutuamente, nas vossas respectivas
provações e nunca vos considereis instrumentos de tortura. Contra essa idéia
deve revoltar-se todo homem de coração, principalmente todo espírita, porquanto
este, melhor do que qualquer outro, deve compreender a extensão infinita da
bondade de Deus. Deve o espírita estar compenetrado de que a sua vida toda tem
de ser um ato de amor e de devotamento; que, faça ele o que fizerpara se opor
às decisões do Senhor, estas se cumprirão. Pode, portanto, sem receio, empregar
todos os esforços por atenuar o amargor da expiação, certo, porém, de que só a
Deus cabe detê-la ou prolongá-la, conforme julgar conveniente.
Não haveria imenso orgulho, da parte do homem, em se considerar no
direito de, por assim dizer, revirar a arma dentro da ferida? De aumentar a
dose do veneno nas vísceras daquele que está sofrendo, sob o pretexto de que
tal é a sua expiação? Oh! considerai-vos sempre como instrumento para fá-la
cessar. Resumindo: todos estais na Terra para expiar; mas, todos, sem exceção,
deveis esforçar-vos por abrandar a expiação dos vossos semelhantes, de acordo
com a lei de amor e caridade. - Bernardino, Espírito protetor. (Bordéus, l863.)
Questões para estudo:
1 – Existe mérito para alguém que procura aflições que lhe agravam
as provas, por meio de sofrimentos voluntários? Justifique.
2 – Se possível, devemos por termo às provas do próximo?
Justifique.
3 – Extraia do texto acima a frase ou parágrafo que mais
gostou e justifique.
Nenhum comentário:
Postar um comentário