segunda-feira, 27 de outubro de 2014

NONA PARTE

A FELICIDADE

Prazer e gozo

O sentido, o significado da vida centra-se na busca e no encontro da felicidade. Constitui o mais frequente desafio existencial responsável pelas contínuas realizações humanas. A felicidade, por isso, torna-se difícil de ser lograda e, não raro, muito complexa, diferindo de conteúdo entre as pessoas em si mesmas e os grupos sociais. Confundida com o prazer, descaracteriza-se, fazendo-se frustrante e atormentadora.
A visão da felicidade é sempre distorcida, levando o indivíduo a considerar que, quando não se encontra feliz, algo não está bem, o que é uma conclusão incorreta.
O sonho humano da felicidade é róseo, assinalado pelo conforto, o ócio e o poder, graças aos quais se desfrutaria de bem-estar e gozo, inadvertidamente considerados o seu logro.
Certamente as pessoas ricas dispõem, em quantidade, de horas assim vividas, sem que se hajam considerado felizes, mas antes se encontrado tediosas, e o tédio é, sem dúvida, um dos seus grandes opostos, em cujo bojo fermentam muitas desgraças.
A felicidade se expressa mediante vários requisitos, entre outros, os de natureza cultural, atavismo que lega ao indivíduo o meio social de onde se origina e no qual se encontra, de nível de consciência e de maturidade psicológica.
Esses fatores estabelecem as diferenças de qualidade do que é ser feliz, face às variações que impõem nos grupos e nos seres humanos, demonstrando que as aspirações de uns nem sempre correspondem às de outros.
O nível de consciência e o amadurecimento psicológico estabelecem os graus nos quais se expressa, as realizações plenificadoras, os estados de felicidade.
Perseguindo-se o gozo, o prazer, experimenta-se alegria toda vez que são alcançados, assinalando-se esses momentos como de felicidade que, no entanto, não correspondem ao sentido profundo, de magnitude que ela reveste.
A interpretação equivocada conduz a buscas irreais, que perdem o significado quando se alteram os fatores que a constituem. A sua visão, em determinada época da existência, muda completamente em outro período.
A imaturidade psicológica de uma fase, a juvenil, por exemplo, predispõe a uma aspiração de felicidade que, conseguida, logo desaparece, e observada mais tarde apresenta-se desagradável, perturbadora. Por essa razão, é necessário que se entenda que a felicidade tem a ver com o que o indivíduo é e com o que ele pensa ser. A diferença, entre o que supõe ser e a sua realidade, dimensiona o seu quadro de desejos, de prazeres e gozos que interpreta como a busca plenificadora da felicidade.
Assim, a felicidade tem a ver com a identificação do indivíduo com os seus sentidos e sensações, os seus sentimentos e emoções, ou as suas mais elevadas aspirações idealistas, culturais, artísticas, religiosas, com a verdade.
Na fase dos sentidos, o gozo se transforma depois de fruído em insatisfação, ansiedade ou depressão; no período dos sentimentos, o prazer derrapa em paixões possessivas, que dão margem a tragédias e angústias logo estejam saciados; no ciclo idealista, religioso, transcendental, a busca transpessoal fomenta a autodescoberta, a auto realização, a autodoação, em serviços desinteressados de libertação do ego e participação na vida, individual como coletiva, dos seres, da vida, da Terra.
Essa busca é diferente da ambição de ser virtuoso, na qual mascara o ego e apresenta-o, entregando-se a macerações que ocultam gozos patológicos ou a narcisismos, em mecanismos de evasão da realidade para planos egóicos, masoquistas-exibicionistas, com aparência de humildade e renúncia. Quando reais, essas expressões de virtude são ignoradas pelo próprio candidato em quem são naturais, sem os condimentos do prazer embutidos na fuga psicológica que as falseiam.
Para que a identificação do indivíduo com a sua busca de serviço seja legítima, há uma perfeita união com o self, de tal forma que não haverá diferença entre dar e receber, amar e ser amado, viver e morrer...
Apressadamente, há quem afirme que a felicidade tem a ver com o princípio freudiano do prazer, e que através desse comportamento se poderiam satisfazer as necessidades e evitar a dor. Não obstante, a dor não pode ser evitada. Considerá-la como um fenômeno natural do processo de evolução, encarando-a como instrumento de promoção do ser em relação à vida, eis uma forma eficaz de lograr a alegria, superando os seus mecanismos desgastantes e as ocorrências degenerativas, que não compreendidos e aceitos com equilíbrio conduzem à infelicidade.
Da mesma maneira, a felicidade não se radica na satisfação de qualquer desejo do ego, porquanto, após satisfazê-lo, manifesta-se com veemência, gerando ansiedade e desconforto.
Surge então a compreensão transpessoal da existência, e o desejo egóico cede lugar à aspiração espiritual, a uma busca mais profunda, desidentificada com os condicionamentos passados com pessoas e coisas. Provavelmente, nessa busca surgirão o sofrimento, o desconforto, que irão cedendo lugar à harmonia e ao bem-estar, a medida que se alcancem as bases objetivadas da realização plenificadora. Lentamente desaparece a frustração da vida cotidiana, alargando-se o campo do idealismo e da identificação com a deidade, mediante afirmação religiosa ou, com o eu profundo, em manifestação psicológica. A princípio, o caminho da busca se afigura escuro qual um túnel, cuja claridade está distante, mas que se torna maior quanto mais se lhe acerca da saída. Essa busca, qual ocorre com qualquer outra, é realizada com a mente, que deve solucionar as dificuldades, à proporção que se apresentem, eliminando o sofrimento perturbador, tratando-se de um contínuo e lúcido trabalho interno.
Na busca da felicidade são inevitáveis os estágios de sofrimento e de prazer, por constituírem fenômenos da experiência humana, da realização do self desidentificando-se do ego. O lamentável, nessa ocorrência, tem lugar com o surgimento e instalação do tormentoso sentimento de culpa, que nega inconscientemente ao indivíduo o direito de fruir a felicidade, ou mesmo o prazer, sem o estigma do sofrimento. Para fugir-lhe à imposição, busca-se o oceano do gozo, afogando ali os ideais mais altos na denominada opção realista, que entretanto consome os sentimentos e perturba as emoções, saturando-os ou desbordando-os, rebaixando-os ao nível das sensações.
Há um mecanismo castrador impeditivo da experiência do prazer, que podemos considerar como sendo inibição. Além dele, a consciência de culpa conspira contra a realização da felicidade.
Tão arraigada se encontra no ser humano, que toda vez que as circunstâncias propiciam a presença do prazer a pessoa crê não merecer desfrutá-lo ou da felicidade o indivíduo receia vivê-la, não se permitindo experienciá-la surge o temor de que algo mau sucederá.
Para desarticular esse mecanismo conflitador, torna-se necessária uma tomada de consciência de si mesmo, procurando descobrir a fonte geradora da inibição, para a psicoterapia libertadora conveniente, que pode ter origem na conduta infantil educação coercitiva, meio social asfixiante, família dominadora ou proceder de reencarnações passadas uso incorreto do livre arbítrio, conduta irregular, exagero de paixões. Tal inibição, associada ao sentimento de culpa, castiga o ser, impedindo-o de fruir momentos de recreação, de ócio, levando-o a tormentos quando não se encontra produzindo algo concreto, o que se lhe torna uma necessidade compulsiva, portanto patológica.
Certamente não se deve viver para a ociosidade dourada, tampouco, exclusivamente, para a atividade estressante. Há todo um rico arsenal desportivo, um infinito painel de belezas naturais convidativas, um sem-número de estesias mediante a leitura, a arte, a conversação, um abençoado campo de idealismo através da prece, da meditação, do controle da mente, que se constituem tônicos revigorantes para as ações geradoras da felicidade e dos quais todos podem e devem dispor quanto aprouver. Esses interregnos nas atividades, enriquecidos de prazeres mais amplos, são estímulos para a criatividade, a libertação de cargas psicológicas compressivas, a auto realização.
Essa busca, do self profundo, deve superar e mesmo arrebentar as resistências inibidoras, o sentimento de culpa, cujas energias serão canalizadas para a conquista da felicidade.


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