Capítulo 7 - Conversação preciosa
Facilitando-nos a
tarefa, Druso apresentou-nos, mais intimamente, ao Ministro Sânzio, informando
que estudávamos, em alguns problemas da Mansão, as leis de causalidade.
Anelando penetrar mais amplas esferas de conhecimento, acerca do destino, indagávamos
sobre a dor...
O grande mensageiro
como que abdicou por momentos a elevada posição hierárquica que lhe quadrava à
personalidade distinta, e, tanto pelo olhar quanto pela inflexão da voz,
parecia agora mais particularmente associado a nós, mostrando-se mais à
vontade.
– A dor, sim, a
dor... – murmurou, compadecido, como se perscrutasse transcendente questão nos
escaninhos da própria alma.
E fitando-nos, a
Hilário e a mim, com inesperada ternura acentuou, quase doce:
– Estudo-a,
igualmente, filhos meus. Sou funcionário humilde dos abismos. Trago comigo a
penúria e a desolação de muitos. Conheço irmãos nossos, portadores do estigma
de padecimentos atrozes, que se encontram animalizados, há séculos, nos despenhadeiros
infernais; entretanto, cruzando as trevas densas, embora o enigma da dor me
dilacere o coração, nunca surpreendi criatura alguma esquecida pela Divina
Bondade.
Registrando-lhe a
palavra amorosa e sábia, inexprimível sentimento me invadiu a alma toda.
Até ali, não
obstante ligeiramente, convivera com numerosos Instrutores. De muitos deles
conseguira ensinamentos e observações magistrais, mas nenhum, até então, me
trouxera ao espírito aquele amálgama de enlevo e carinho, admiração e respeito
que me assomava ao sentimento.
Enquanto Sânzio
falava, generoso, cintilações roxo-prateadas nimbavam-lhe a cabeça, mas não era
a sua dignidade exterior que me fascinava. Era o caricioso magnetismo que ele
sabia exteriorizar.
Tinha a impressão de
achar-me à frente de meu pai ou de minha própria mãe, ao lado de quem me cabia
dobrar os joelhos.
Sem que me fosse
possível governar a comoção, lágrimas ardentes rolavam-me pela face.
Não pude saber se
Hilário estava preso ao mesmo estado dalma, porque, diante de mim, passei a ver
Sânzio somente, dominado por sua grandeza humilde.
De onde vinha,
Senhor – perguntava sem palavras nos refolhos do coração –, aquele vulto tão
ilustre, mas, apesar disso, tão simples d’alma? onde conhecera eu aqueles olhos
belos e límpidos? Em que lugar lhe recebera, um dia, o orvalho de amor divino, assim
como o verme na caverna sente a benção do calor do Sol?
O Ministro
percebeu-me a emotividade, como o professor assinala a perturbação do aprendiz,
e, qual se quisesse advertir-me sobre o aproveitamento das horas, avançou para
mim e observou carinhosamente:
– Pergunte, meu
filho, sobre questões não pessoais, e responderei quanto puder.
Percebi-lhe a nobre
intenção e busquei dominar-me.
– Grande benfeitor –
exclamei, comovido, buscando olvidar os meus próprios sentimentos –, poderemos
ouvi-lo, de algum modo, acerca do “carma”?
Sânzio retomou a
posição que lhe era habitual, junto ao espelho cristalino, e obtemperou:
– Sim, o “carma”,
expressão vulgarizada entre os hindus, que em sânscrito quer dizer “ação”, a
rigor, designa “causa e efeito”, de vez que toda ação ou movimento deriva de
causa ou impulsos anteriores. Para nós expressará a conta de cada um,
englobando os créditos e os débitos que, em particular, nos digam respeito. Por
isso mesmo, há conta dessa natureza, não apenas catalogando e definindo
individualidades, mas também povos e raças, estados e instituições.
O Ministro fez uma
pausa, como quem dava a perceber que o assunto era complexo, e continuou;
– Para melhor
entender o “carma” ou “conta do destino criada por nós mesmos”, convém lembrar
que o Governo da Vida possui igualmente o seu sistema de contabilidade, a se
lhe expressar no mecanismo de justiça inalienável. Se no círculo das atividades
terrenas qualquer organização precisa estabelecer um regime de contas para
basear as tarefas que lhe falem à responsabilidade, a Casa de Deus, que é todo
o Universo, não viveria igualmente sem ordem. A Administração Divina, por isso
mesmo, dispõe de sábios departamentos para relacionar, conservar, comandar e
engrandecer a Vida Cósmica, tudo pautando sob a magnanimidade do mais amplo
amor e da mais criteriosa justiça. Nas sublimadas regiões celestes de cada orbe
entregue à inteligência e à razão, ao trabalho e ao progresso dos filhos de
Deus, fulguram os gênios angélicos, encarregados do rendimento e da beleza, do
aprimoramento e da ascensão da Obra Excelsa, com ministérios apropriados à
concessão de empréstimos e moratórias, créditos especiais e recursos
extraordinários a todos os Espíritos encarnados ou desencarnados, que os
mereçam, em função dos serviços referentes ao Bem Eterno; e, nas regiões
atormentadas como esta, varridas por ciclones de dor regenerativa, temos os
poderes competentes para promover a cobrança e a fiscalização, o reajustamento
e a recuperação de quantos se fazem devedores complicados ante a Divina
Justiça, poderes que têm a função de purificar os caminhos evolutivos e
circunscrever as manifestações do mal. As religiões na Terra, por esse motivo,
procederam acertadamente, localizando o Céu nas esferas superiores e situando o
Inferno nas zonas inferiores, porquanto, nas primeiras, encontramos a crescente
glorificação do Universo e, nas segundas, a purgação e a regeneração indispensáveis
à vida, para que a vida se acrisole e se eleve ao fulgor dos cimos.
Ante o intervalo
espontâneo e reparando que o Ministro se propunha a manter contacto conosco,
através da conversação, aduzi, com interesse:
– Comove saber que
sendo a Providência Divina a Magnanimidade Perfeita, sem limites gerando tesouros
de amor para distribuí-los com abundância, em favor de todas as criaturas, é
também a Equidade Vigilante, na direção e na aplicação dos bens universais.
– Efetivamente, não
poderia ser de outro modo – ajuntou Sânzio, bondoso. – Em assuntos da lei de
causa e efeito, é imperioso não olvidar que todos os valores da vida, desde as
mais remotas constelações à mais mínima partícula subatômica, pertencem a Deus,
cujos inabordáveis desígnios podem alterar e renovar, anular ou reconstruir
tudo o que está feito. Assim, pois, somos simples usufrutuários da Natureza que
consubstancia os tesouros do Senhor, com responsabilidade em todos os nossos
atos, desde que já possuamos algum discernimento, o Espírito, seja onde for, encarnado
ou desencarnado, na Terra ou noutros mundos, gasta, em verdade, o que lhe não
pertence, recebendo por empréstimos do Eterno Pai os recursos de que se vale
para efetuar a própria sublimação no conhecimento e na virtude. Patrimônios
materiais e riquezas da inteligência, processos e veículos de manifestação, tempo
e forma, afeições e rótulos honoríficos de qualquer procedência são de
propriedade do Todo-Misericordioso, que no-los concede a título precário, a fim
de que venhamos a utilizá-los no aprimoramento de nós mesmos, marchando nas
largas linhas da experiência, de modo a entrarmos na posse definitiva dos
valores eternos, sintetizados no Amor e na Sabedoria com que, em futuro remoto,
Lhe retrataremos a Glória Soberana. Desde o elétron aos gigantes astronômicos
da Tela Cósmica, tudo constitui reservas das energias de Deus, que usamos, em
nosso proveito, por permissão dEle, de sorte a promovermos, com firmeza, nossa
própria elevação a Sua Majestade Sublime. Dessa maneira, é fácil perceber que,
após conquistarmos a coroa da razão, de tudo se nos pedirá contas no momento
oportuno, mesmo porque não há progresso sem justiça na aferição de valores.
Lembrei-me
instintivamente da nossa errada conceituação de vida na Terra, quando nos
achamos sempre dispostos a senhorear indebitamente os recursos do estágio
humano, em terras e casas, títulos e favores, prerrogativas e afetos,
arrastando, por toda a parte, as algemas do mais gritante egoísmo...
Sânzio registrou-me
os pensamentos, porque acentuou com paternal sorriso, após ligeira pausa:
– Realmente, no
mundo o homem inteligente deve estar farto de saber que todo conceito de
propriedade exclusiva não passa de simples suposição. Por empréstimo, sim,
todos os valores da existência lhe são adjudicados pela Providência Divina, por
determinado tempo, de vez que a morte funciona como juiz inexorável, transferindo
os bens de certas mãos para outras e marcando com inequívoca exatidão o
proveito que cada Espírito extrai das vantagens e concessões que lhe foram
entregues pelos Agentes da Infinita Bondade. Aí, vemos os princípios de causa e
efeito, em toda a força de sua manifestação, porque, no uso ou no abuso das reservas
da vida que representam a eterna Propriedade de Deus, cada alma cria na própria
consciência os créditos e os débitos que lhe atrairão inelutavelmente as
alegrias e as dores, as facilidades e os obstáculos do caminho. Quanto mais
amplitude em nossos conhecimentos, mais responsabilidade em nossas ações.
Através de nossos pensamentos, palavras e atos, que nos fluem, invariáveis, do
coração, gastamos e transformamos constantemente as energias do Senhor, em
nossa viagem evolutiva, nos setores da experiência, e, do quilate de nossas
intenções e aplicações, nos sentimentos e práticas da marcha, a vida organiza,
em nós mesmos, a nossa conta agradável ou desagradável ante as Leis do Destino.
Nesse ponto do
valioso esclarecimento, Hilário inquiriu com humildade:
– Amado Instrutor, à
face da gravidade de que a lição se reveste para nós, que devemos entender como
sendo “bem” e “mal”?
Sânzio fez um gesto
de tolerância bondosa e replicou:
– Evitemos o
mergulho nos labirintos da Filosofia, não obstante o respeito que a Filosofia
nos merece, porquanto não nos achamos num cenáculo simplesmente destinado à
esgrima da palavra. Busquemos, antes de tudo, simplificar. É fácil conhecer o bem
quando o nosso coração se nutre de boa-vontade à frente da Lei. O bem, meu
amigo, é o progresso e a felicidade, a segurança e a justiça para todos os
nossos semelhantes e para todas as criaturas de nossa estrada, aos quais
devemos empenhar as conveniências de nosso exclusivismo, mas sem qualquer
constrangimento por parte de ordenações puramente humanas, que nos colocariam em
falsa posição no serviço, por atuarem de fora para dentro, gerando, muitas
vezes, em nosso cosmo interior, para nosso prejuízo, a indisciplina e a
revolta. O bem será, desse modo, nossa decidida cooperação com a Lei, a favor
de todos, ainda mesmo que isso nos custe a renunciação mais completa, visto não
ignorarmos que, auxiliando a Lei do Senhor e agindo de conformidade com ela,
seremos por ela ajudados e sustentados no campo dos valores imperecíveis. E o
mal será sempre representado por aquela triste vocação do bem unicamente para
nós mesmos, a expressar-se no egoísmo e na vaidade, na insensatez e no orgulho
que nos assinalam a permanência nas linhas inferiores do espírito.
Finda breve pausa, o
Ministro ajuntou:
– Possuímos em Nosso
Senhor Jesus-Cristo o paradigma do Eterno Bem sobre a Terra. Tendo dado tudo de
si, em benefício dos outros, não hesitou em aceitar o supremo sacrifício no
auxílio a todos, para que o bem de todos prevalecesse, ainda mesmo que a ele,
em particular, se reservassem a incompreensão e o sofrimento, a flagelação e a
morte.
Em vista da pausa
que se fizera espontânea, ousei ainda interrogar, faminto de luz:
– Generoso amigo,
poderíamos ouvi-lo, de alguma sorte, quanto aos sinais cármicos que trazemos em
nós mesmos?
Sânzio refletiu
alguns momentos e ponderou:
– É muito difícil
penetrar o sentido das Leis Divinas, com os recursos limitados da palavra
humana. Ainda assim, iniciemos o tentame, recorrendo a imagens tão simples
quanto seja possível. Apesar da impropriedade, comparemos a esfera humana ao reino
vegetal. Cada planta produz na época própria, segundo a espécie a que se
ajusta, e cada alma estabelece para si mesma as circunstâncias felizes ou
infelizes em que se encontra, conforme as ações que pratica, através de seus
sentimentos, ideias e decisões na peregrinação evolutiva. A planta, de começo,
jaz encerrada no embrião, e o destino, ao princípio de cada nova existência,
está guardado na mente. Com o tempo, a planta germina, desenvolve-se, floresce
e frutifica e, também com o tempo, a alma desabrocha ao sol da eternidade,
cresce em conhecimento e virtude, floresce em beleza e entendimento e frutifica
em amor e sabedoria. A planta, porém, é uma crisálida de consciência, que dorme
largos milênios, rigidamente presa aos princípios da genética vulgar que lhe
impõe os caracteres dos antepassados, e a alma humana é uma consciência
formada, retratando em si as leis que governam a vida e, por isso, já dispõe,
até certo ponto, de faculdades com que influir na genética, modificando-lhe a
estrutura, porque a consciência responsável herda sempre de si mesma, ajustada
às consciências que lhe são afins. Nossa mente guarda consigo, em germe, os
acontecimentos agradáveis ou desagradáveis que a surpreenderão amanhã, assim
como a pevide minúscula encerra potencialmente a planta produtiva em que se
transformará no futuro.
Nessa altura,
Hilário perguntou, inquieto:
– Não teremos, nesse
postulado, a consagração do determinismo de ordem absoluta? Se trazemos hoje,
no campo mental, tudo aquilo que nos sucederá amanhã...
Sânzio, contudo,
esclareceu, complacente:
– Sim, nas esferas
primárias da evolução, o determinismo pode ser considerado irresistível. E o
mineral obedecendo a leis invariáveis de coesão e o vegetal respondendo, fiel,
aos princípios organogênicos, mas, na consciência humana, a razão e a vontade, o
conhecimento e o discernimento entram em função nas forças do destino,
conferindo ao Espírito as responsabilidades naturais que deve possuir sobre si
mesmo. Por isso, embora nos reconheçamos subordinados aos efeitos de nossas
próprias ações, não podemos ignorar que o comportamento de cada um de nós,
dentro desse determinismo relativo, decorrente de nossa própria conduta, pode
significar liberação abreviada ou cativeiro maior, agravo ou melhoria em nossa
condição de almas endividadas perante a Lei.
– Mas, ainda mesmo
nas piores posições expiatórias – inquiri
–, goza a
consciência dos direitos inerentes ao livre arbítrio?
– Como não? – falou
o Ministro, generoso – imaginemos um delinquente monstruoso, segregado na
penitenciária. Acusado de vários crimes, permanece privado de toda e qualquer
liberdade na enxovia comum. Ainda assim, na hipótese de aproveitar o tempo no
cárcere, para servir espontaneamente à ordem e ao bem-estar das autoridades e
dos companheiros, acatando com humildade e respeito as disposições da lei que o
corrige, atitude essa que resulta de seu livre arbítrio para ajudar ou
desajudar a si mesmo, a breve tempo esse prisioneiro começa por atrair a
simpatia daqueles que o cercam, avançando com segurança para a recuperação de si
mesmo.
O raciocínio era
claro, mas, não desejando perder o fio da lição simples e preciosa, indaguei:
– Venerável
benfeitor, para nossa edificação, poderemos recolher mais amplas anotações
sobre a melhor maneira de colaborar com a Lei Divina em nosso próprio favor?
Dispomos de algum meio para escapar à justiça?
Sânzio sorriu e
observou:
– Da justiça ninguém
fugirá, mesmo porque a nossa consciência, em acordando para a santidade da
vida, aspira a resgatar dignamente todos os débitos de que se onerou perante a
Bondade de Deus; entretanto, o Amor Infinito do Pai Celeste brilha em todos os
processos de reajuste. Assim é que, se claudicamos nessa ou naquela experiência
indispensável à conquista da luz que o Supremo Senhor nos reserva, é necessário
nos adaptemos à justa recapitulação das experiências frustradas, utilizando os
patrimônios do tempo. Figuremos um homem acovardado diante da luta, perpetrando
o suicídio aos quarenta anos de idade no corpo físico. Esse homem penetra no
mundo espiritual sofrendo as consequências imediatas do gesto infeliz, gastando
tempo mais ou menos longo, segundo as atenuantes e agravantes de sua deserção,
para recompor as células do veículo perispirítico, e, logo que oportuno, quando
torna a merecer o prêmio de um corpo carnal na Esfera Humana, dentre as provas
que repetirá, naturalmente se inclui a extrema tentação ao suicídio na idade
precisa em que abandonou a posição de trabalho que lhe cabia, porque as imagens
destrutivas, que arquivou em sua mente, se desdobrarão, diante dele, através do
fenômeno a que podemos chamar “circunstâncias reflexas”, dando azo a recônditos
desequilíbrios emocionais que o colocarão, logicamente, em contato com as
forças desequilibradas que se lhe ajustam ao temporário modo de ser. Se esse
homem não houver amealhado recursos educativos e renovadores em si mesmo, pela
prática da fraternidade e do estudo, de modo a superar a crise inevitável,
muito dificilmente escapará ao suicídio, de novo, porque as tentações, não
obstante reforçadas por fora de nós, começam em nós e alimentam-se de nós
mesmos.
O esclarecimento era
valioso e, por essa razão, interroguei com a curiosidade respeitosa do aluno
interessado em aprender:
– E como pode a
criatura habilitar-se devidamente para resgatar o preço da sua libertação?
Sânzio não se deu
por surpreendido e replicou, de pronto:
– Como qualquer
devedor que, de fato, se empenhe na solução dos seus compromissos. Decerto que
o homem, sumamente endividado, precisa aceitar restrições no seu conforto para
sanar seus débitos com as suas próprias economias. Em razão disso, não pode
viver à farta, mas sim com abstinência e suor, de modo a liberar-se tão
depressa quanto possível.
O grande orientador
fez uma pausa de momento, como para refletir, e continuou:
– Voltemos ao
símbolo da planta. Imaginemos que uma semente de laranjeira caiu em terreno
pobre e seco. Segundo as leis que regem as atividades agrícolas, germinará ela
sob constringentes obstáculos, transformando-se num arbusto mirrado, com
lamentável produção no tempo devido. Mas, se o lavrador lhe acode às
necessidades e exigências, desde o início da luta, oferecendo lhe adubo, água e
defesa, tanto quanto ajudando-a com a poda salutar no momento oportuno, a
laranjeira atenderá, brilhantemente, ao próprio destino... Semelhantes
cuidados, no entanto, devem ser postos em ação, na hora justa, isto é, quando
na Terra a alma, e tanto quanto possível deve começar essa restauração nos
melhores tempos da jornada física...
Hilário, que
acompanhava a exposição, fascinado quanto eu mesmo pela lógica daquelas
palavras sábias e simples, interrogou:
– E quando a
criatura não pode contar, na infância ou na mocidade, com preceptores
afeiçoados ao bem, capazes de funcionar como lavradores diligentes, junto
daqueles que recomeçam a luta humana?
– Sem dúvida –
ponderou o Ministro –, a meninice e a juventude são as épocas mais adequadas à
construção da fortaleza moral com que a alma encarnada deve tecer
gradativamente a coroa da vitória que lhe cabe atingir. Entretanto, é imperioso
entender que, no Espírito consciente, a vontade simboliza o lavrador a que nos
reportamos, e o adubo, a irrigação e a poda constituem o serviço incessante a
que deve consagrar-se nossa vontade, na recomposição de nossos próprios
destinos. Em vista disso, todo minuto da vida é importante para renovar e
redimir, aprimorar e purificar. Compreendamos que a tempestade, como símbolo de
crise, surgirá para todos, em determinado momento, contudo, quem puder dispor
de abrigo certo, superar-lhe-á os perigos com desassombro e valor.
A explicação
alcançava-nos a mente, qual réstia de Sol penetrando um cubículo escuro. Meu
colega, no entanto, voltou a considerar:
– Ação por ação,
temos igualmente muito trabalho, depois da morte do corpo denso. Assim como
perpetramos faltas na carne para sofrer-lhes, muitas vezes, as consequências
aqui, é natural que por nossas ações deploráveis, aqui, venhamos a padecer na carne?
– Perfeitamente –
confirmou Sânzio, bondoso –; nossas manifestações contrárias à Lei Divina, que
é, invariavelmente, o Bem de Todos, são corrigidas em qualquer parte. Há, por
isso, expiações no Céu e na Terra. Muitos desencarnados que se enleiam em desregramentos
passionais até às raias do crime, mormente nos processos de obsessão, não
obstante advertidos pela própria consciência e pelos avisos respeitáveis de
instrutores benevolentes, criam para si mesmos pesadas e aflitivas contas com a
vida, cujo resgate lhes reclama luta e sacrifício em tempo longo. Aliás, com alusão
ao assunto, é justo lembrar que o nosso esforço de auto reajustamento na vida
espiritual, antes da reencarnação, na maioria das circunstâncias ameniza-nos a
posição, garantindo-nos uma infância e uma juventude repletas de esperança e tranquilidade,
para as recapitulações a se efetuarem na madureza, exceção feita, naturalmente,
aos problemas de dura e imediata expiação, nos quais a alma é compelida a
tolerar rijos padecimentos, muitas vezes desde o ventre materno, tanto quanto
os desenganos e os achaques, as humilhações e as dores da velhice ou da longa
enfermidade, antes do túmulo. Essas dores, angústias e sofrimentos vários nos
suavizam a ficha de Espíritos devedores, permitindo-nos abençoada trégua nos
primeiros tempos da esfera espiritual, logo após a peregrinação pelo campo
físico. A maioria das pessoas encarnadas no mundo, ao atingirem a idade
provecta, habitualmente se confiam, nas últimas fases da existência, à
ponderação e à meditação, à serenidade e à doçura. As mentes infantis, ainda mesmo
na senectude das forças genuinamente materiais, continuam levianas e
irresponsáveis, mas os corações amadurecidos no conhecimento se valem, por
intuição natural, da velhice ou da dor para raciocinar com mais segurança, seja
consagrando-se à fé nos templos religiosos, com o que asseguram a si próprios
mais amplo equilíbrio íntimo, seja devotando-se à caridade, com o que esbatem na
memória as recordações menos desejáveis, preparando, assim, com louvável acerto
e admirável sabedoria, a irrevogável passagem para a Vida Maior.
Conclui, pelo olhar
de Druso, que a nossa entrevista estava prestes a encerrar-se. E, por isso,
aventurei ainda uma indagação:
– Ministro amigo,
compreendendo que há dívidas que, por sua natureza e extensão, exigem de nós
várias existências ou romagens na carne terrestre para o respectivo resgate,
como apreciá-las do ponto de vista da memória? Sinto, por exemplo, que tenho na
retaguarda imensos débitos para ressarcir, dos quais não me lembro agora...
– Sim, sim... –
explicou ele – a questão é de tempo. A medida que nos demoramos aqui na
organização perispirítica, no fiel cumprimento de nossas obrigações para com a
Lei, mais se nos dilata o poder mnemônico. Avançando em lucidez, abarcamos mais
amplos domínios da memória. Assim é que, depois de largos anos em serviço nas
zonas espirituais da Terra, entramos espontaneamente na faixa de recordações
menos felizes, identificando novas extensões de nosso “carma” ou de nossa
“conta” e, embora sejamos reconhecidos à benevolência dos Instrutores e Amigos que
nos perdoam o passado menos digno, jamais condescendemos com as nossas próprias
fraquezas e, por isso, vemo-nos impelidos a solicitar das autoridades
superiores novas reencarnações difíceis e proveitosas, que nos reeduquem ou nos
aproximem da redenção necessária. Compreenderam?
Sim, havíamos
entendido.
Sânzio fitou o diretor
da casa, como a dizer-lhe que o horário se esgotara, e Druso lembrou, com
gentileza, que não devíamos reter o Instrutor atencioso e complacente.
Agradecemos com humildade as lições recebidas, enquanto o Ministro voltava à câmara
brilhante, onde a neblina móvel passou, de novo, a adensar-se, apagando-lhe a
figura venerável aos nossos olhos. Em breves minutos, o ambiente retomou os
característicos que lhe eram habituais e a palavra comovedora de Druso, em
prece, encerrou a inolvidável reunião.
QUESTÕES PROPOSTAS PARA ESTUDO
1) O que entende-se por "carma", segundo o Instrutor
Sânzio ?
2) Porque o Mentor afirma que "as religiões da Terra estão
certas localizando o Céu nas esferas superiores e situando o Inferno nas zonas
inferiores" ?
3) Em vista dos esclarecimentos do Instrutor Sânzio, qual q relação
entre conhecimento e responsabilidade ?
4) Comente a resposta do Mentor sobre "que devemos entender
como sendo "bem" e "mal".
5) Como podemos entender a resposta do Mentor sobre a questão dos
"sinais cármicos que trazemos em nós mesmos"?
6) Comente e explique a seguinte assertiva: ..."a alma humana
é uma consciência formada, retratando em si as leis que governam a vida e, por
isso, já dispõe, até certo ponto, de faculdades com que influir na genética,
modificando-lhe a estrutura, porque a consciência responsável herda sempre de
si mesma, ajustada às consciências que lhe são afins."
Pode o espírito influir na genética ?
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