Medida salvadora a um alcoólatra
Não lhe valeram as melhoras da quinzena passada? —
indagou fraternalmente o orientador.
— Aproveitou-as para mais presto volver à irreflexão —
esclareceu o interlocutor com inflexão magoada.
— É de notar, porém, que se achava quase de todo
louco.
— Sim, mas conseguiu fruir, outra vez, estado orgânico
invejável, mercê de sua intervenção última; logo, porém, que se viu
fortalecido, tornou desbragadamente aos alcoólicos. A sede escaldante,
provocada pela própria displicência e pela instigação dos vampiros que,
vorazes, se lhe enxameiam à roda, e verteu-lhe o sistema nervoso. A organização perispirítica, semiliberta do corpo denso pelos perniciosos processos da
embriaguez, povoa-lhe a mente de atroz pesadelos, agravados pela atuação das
entidades perversas que o seguem passo a passo.
... O instrutor estudou o caso em silêncio,
durante alguns instantes, e considerou:
— Poderemos providenciar; contudo, se da outra vez
consistiu o socorro em restituí-lo ao equilíbrio orgânico possível, no momento
há que agir em contrário. Convém ministrar-lhe provisória e mais acentuada
desarmonia ao corpo. Neste, como em outros processos difíceis, a enfermidade
retifica sempre.
... Em derredor, quatro entidades embrutecidas
submetiam-no aos seus desejos. Empolgavam-lhe a organização fisiológica,
alternadamente, uma a uma, revezando-se para experimentar a absorção das
emanações alcoólicas, no que sentiam singular prazer. Apossavam-se
particularmente da «estrada gástrica», inalando a bebida a volatilizar-se da
cárdia ao piloro.
A cena infundia angústia e assombro.
Estaríamos diante de um homem embriagado ou de uma
taça viva, cujo conteúdo sorviam gênios satânicos do vício?
... Retirando-se em minha companhia, Calderaro, o
orientador, acrescentou, tristonho:
— O infortunado amigo será portador de uma nevrose
cardíaca por dois a três meses, aproximadamente. Debalde usará a valeriana e
outras substâncias medicamentosas, em vão apelará para anestésicos e
desintoxicantes. No curso de algumas semanas conhecerá intraduzível mal-estar,
de modo a restabelecer a harmonia do cosmo psíquico.
Experimentará indizível angústia, submeter-se-á a medicações e regimes, que lhe
diminuirão a tendência de esquecer as obrigações sagradas da hora e lhe
acordarão os sentimentos, devagarinho, para a nobreza do ato de viver.
As mesmas Forças Divinas que concedem ao homem a brisa
cariciosa, infligem-lhe a tempestade devastadora... Uma e outra, porém, são
elementos indispensáveis à glória da vida.
Do livro "NO MUNDO MAIOR" – Cap. 14 – André Luiz
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