quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Medida salvadora a um alcoólatra



Não lhe valeram as melhoras da quinzena passada? — indagou fraternalmente o orientador.
— Aproveitou-as para mais presto volver à irreflexão — esclareceu o interlocutor com inflexão magoada.
— É de notar, porém, que se achava quase de todo louco.
— Sim, mas conseguiu fruir, outra vez, estado orgânico invejável, mercê de sua intervenção última; logo, porém, que se viu fortalecido, tornou desbragadamente aos alcoólicos. A sede escaldante, provocada pela própria displicência e pela instigação dos vampiros que, vorazes, se lhe enxameiam à roda, e verteu-lhe o sistema nervoso. A organização perispirítica, semiliberta do corpo denso pelos perniciosos processos da embriaguez, povoa-lhe a mente de atroz pesadelos, agravados pela atuação das entidades perversas que o seguem passo a passo.
... O  instrutor estudou o caso em silêncio, durante alguns instantes, e considerou:
— Poderemos providenciar; contudo, se da outra vez consistiu o socorro em restituí-lo ao equilíbrio orgânico possível, no momento há que agir em contrário. Convém ministrar-lhe provisória e mais acentuada desarmonia ao corpo. Neste, como em outros processos difíceis, a enfermidade retifica sempre.
... Em derredor, quatro entidades embrutecidas submetiam-no aos seus desejos.  Empolgavam-lhe a organização fisiológica, alternadamente, uma a uma, revezando-se para experimentar a absorção das emanações alcoólicas, no que sentiam singular prazer.  Apossavam-se particularmente da «estrada gástrica», inalando a bebida a volatilizar-se da cárdia ao piloro.
A cena infundia angústia e assombro.
Estaríamos diante de um homem embriagado ou de uma taça viva, cujo conteúdo sorviam gênios satânicos do vício?
... Retirando-se em minha companhia, Calderaro, o orientador, acrescentou, tristonho:
— O infortunado amigo será portador de uma nevrose cardíaca por dois a três meses, aproximadamente. Debalde usará a valeriana e outras substâncias medicamentosas, em vão apelará para anestésicos e desintoxicantes. No curso de algumas semanas conhecerá intraduzível mal-estar, de modo a restabelecer a harmonia do cosmo psíquico.    Experimentará indizível angústia, submeter-se-á a medicações e regimes, que lhe diminuirão a tendência de esquecer as obrigações sagradas da hora e lhe acordarão os sentimentos, devagarinho, para a nobreza do ato de viver.
As mesmas Forças Divinas que concedem ao homem a brisa cariciosa, infligem-lhe a tempestade devastadora... Uma e outra, porém, são elementos indispensáveis à glória da vida.
Do livro "NO MUNDO MAIOR" – Cap. 14 – André Luiz


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