PRIMEIRA PARTE
Noções
Preliminares
CAPÍTULO l
EXISTEM
ESPÍRITOS?
1. A causa
principal da dúvida sobre a existência dos Espíritos é a ignorância da sua verdadeira
natureza. Imaginam-se os Espíritos como seres à parte na Criação, sem nenhuma prova
da sua necessidade. Muitas pessoas só conhecem os Espíritos através das
estórias fantasiosas que ouviram em crianças, mais ou menos como as que
conhecem História pelos romances.
Não procuram
saber se essas estórias, desprovidas do pitoresco, podem revelar um fundo
verdadeiro, ao lado do absurdo que as choca. Não se dão ao trabalho de quebrar
a casca da noz para descobrir a amêndoa. Assim, rejeitam toda a estória, como
fazem os religiosos que, chocados por alguns abusos, afastam-se da religião.
Seja qual for
a ideia que se faça dos Espíritos, a crença na sua existência decorre necessariamente
do fato de haver um princípio inteligente no Universo, além da matéria. Essa crença
é incompatível com a negação absoluta do referido princípio. Partimos, pois, da
aceitação da existência, sobrevivência e individualidade da alma, de que o
Espiritualismo em geral nos oferece a demonstração teórica dogmática, e o
Espiritismo a demonstração experimental. Mas façamos, por um instante,
abstração das manifestações propriamente dita, e raciocinemos por indução.
Vejamos a que consequências chegaremos.
2. Admitindo a
existência da alma e da sua individualidade após a morte, é necessário admitir também:
1°.) Que a sua natureza é diferente da corpórea, pois ao separar-se do corpo
ela não conserva as propriedades materiais; 2°) Que ela possui consciência
própria, pois lhe atribuímos a capacidade de ser feliz ou sofredora, e que tem
de ser assim, pois do contrário ela seria um ser inerte e de nada nos valeria a
sua existência. Admitindo isso, é claro que a alma terá de ir para algum lugar.
Mas para onde vai, e que é feito dela? Segundo a crença comum, ela vai para o
Céu ou para o Inferno. Mas onde estão o Céu e o Inferno? Dizia-se antigamente
que o Céu estava no alto e o Inferno embaixo. Mas que é o alto e o baixo no
Universo, desde que sabemos que a Terra é redonda; que os astros giram, de
maneira que o alto e o baixo se revezam cada doze horas para nós; e conhecemos
o infinito do espaço, no qual podemos mergulhar a distâncias incomensuráveis?
É verdade que
podemos entender por lugares baixos as profundezas da Terra. Mas que são hoje
essas profundezas, depois das escavações geológicas? Que são, também, essas
esferas concêntricas chamadas céu de fogo, céu de estrelas, depois que
aprendemos não ser o nosso planeta o centro do Universo, e que o nosso próprio
Sol nada mais é do que um entre milhões de sóis que brilham no infinito, sendo
cada qual o centro de um turbilhão planetário? Que foi feito da antiga importância
da Terra, agora perdida nessa imensidade? E por que estranho motivo este
imperceptível grão-de-areia, que não se distingue pelo seu tamanho, nem pela
sua posição, nem por qualquer papel particular no cosmo, seria o único povoado
de seres racionais? A razão se recusa a admitir essa inutilidade do Infinito, e
tudo nos diz que esses mundos também são habitados. E se assim é eles também
fornecem, os seus contingentes para o mundo das almas. Então, voltamos à
pergunta: em que se tomam as almas, depois da morte do corpo, e para onde vão?
A Astronomia e a Geologia destruíram as suas antigas moradas, e a teoria
racional da pluralidade dos mundos habitados multiplicou-as ao infinito.
Não havendo
concordância entre a doutrina da localização das almas e os dados das ciências,
temos de aceitar uma doutrina mais lógica, que não lhes marca este ou aquele
lugar circunscrito, mas dá-lhes o espaço infinito: é todo um mundo invisível
que nos envolve e no meio do qual vivemos, rodeados por elas. Há nisso alguma
impossibilidade, qualquer coisa que repugne à razão? Nada, absolutamente. Tudo
nos diz, pelo contrário, que não pode ser de outra maneira.
Mas em que se
transformam as penas e recompensas futuras, se as almas não vão para
determinado lugar? Vê-se que a ideia dessas penas e recompensas é absurda, e
que dá motivo à incredulidade. Mas entendemos que as almas, em vez de penarem
ou gozarem em determinado lugar, carregam em seu íntimo, a felicidade ou a
desgraça, pois a sorte de cada uma depende de sua condição moral, e que a
reunião das almas boas e afins é um motivo de felicidade, e tudo se tornará mais
claro. Compreendamos que, segundo o seu grau de pureza, elas percebem e têm
visões inacessíveis, às mais grosseiras; que somente pelos esforços que fazem
para se melhorarem, e depois das provas necessárias, podem atingir os graus
mais elevados; que os anjos são as almas humanas que chegaram ao grau supremo e
que todos podem chegar até lá, através da boa vontade; que os anjos são os
mensageiros de Deus, incumbidos de zelar pela execução de seus desígnios em
todo o Universo, sendo felizes com essa missão gloriosa; e a felicidade de após
morte será uma condição útil e aceitável, mais atraente que a inutilidade
perpétua da contemplação eterna. E os demônios? Compreendamos que são almas das
criaturas más, ainda não depuradas, mas que podem chegar, como as outras, ao
estado de pureza, e a justiça e a bondade de Deus se tornarão racionais, ao
contrário do que nos apresenta a doutrina dos seres criados para o mal de
maneira irrevogável. Eis, afinal, o que a mais exigente razão, a lógica mais
rigorosa, o bom senso, numa palavra, podem admitir.
Como vemos, as
almas que povoam o espaço são precisamente o que chamamos de Espíritos. Assim,
os Espíritos são apenas as almas humanas, despojadas do seu invólucro corporal.
Se os Espíritos fossem seres à parte na Criação, sua existência seria mais
hipotética. Admitindo a existência das almas, temos de admitir a dos Espíritos,
que nada mais são do que as almas. E se admitimos que as almas estão por toda
parte, é necessário admitir que os Espíritos também estão. Não se pode, pois,
negar a existência dos Espíritos sem negar a das almas.
3. Tudo isto
não passa de uma teoria mais racional do que a outra. Mas já não é bastante ser
uma teoria que a razão e a ciência não contradizem? Além disso, ela é
corroborada pelos fatos e tem a sanção da lógica e da experiência. Encontramos
os fatos nos fenômenos de manifestações espíritas, que nos dão a prova positiva
da existência e da sobrevivência da alma. Há muita gente, porém, que nega a
possibilidade dessas comunicações com os Espíritos. São pessoas que acreditam
na existência da alma, e consequentemente na dos Espíritos, mas sustentam a
teoria de que os seres imateriais não podem agir sobre a matéria. Trata-se de
uma dúvida originada pela ignorância da verdadeira natureza dos Espíritos, da
qual geralmente se faz uma ideia falsa, considerando-os seres abstratos, vagos
e indefinidos, que não é verdade.
Consideremos o
Espírito, antes de tudo, na sua união com o corpo. O Espírito é o elemento principal
dessa união, pois é o ser pensante e que sobrevive à morte. O corpo não é mais que
um acessório do Espírito, um invólucro, uma roupagem que ele abandona depois de
usar. Além desse envoltório material o Espírito possui outro, semimaterial, que
o liga ao primeiro. Na morte, o Espírito abandona o corpo, mas não o segundo
envoltório, a que chamamos de perispírito. Este envoltório semimaterial que tem
a mesma forma humana do corpo, é uma espécie de corpo fluídico, vaporoso,
invisível para nós no seu estado normal, mas possuindo ainda algumas
propriedades da matéria. Não podemos, pois, considerar o Espírito como uma
simples abstração, mas como um ser limitado e circunscrito, a que só falta ser
visível e palpável para assemelhar-se às criaturas humanas. Por que não poderia
ele agir sobre a matéria? Pelo fato de ser fluídico o seu corpo? Mas não é
entre os fluidos mais rarefeitos, como a eletricidade, por exemplo, e os que se
consideram mais imponderáveis, que encontramos as mais poderosas forças
motoras? A luz imponderável não exerce ação química sobre a matéria ponderável?
Não conhecemos ainda a natureza íntima do períspirito, mas podemos supor o
constituído de substância elétrica, ou de outra espécie de matéria tão sutil
como essa. Por que, separado, não poderia agir da mesma maneira, dirigido pela
vontade?
4. A
existência de Deus e da alma, consequência uma da outra, constitui a base de
todo o edifício do Espiritismo. Antes de aceitarmos qualquer discussão
espírita, temos de assegurar-nos se o interlocutor admite essa base. Se ele
responder negativamente às perguntas:
"Crê em
Deus?
Crê na
existência da alma?
Crê na
sobrevivência da alma após a morte?"
ou se responder simplesmente: "Não sei; desejava
que fosse assim, mas não estou certo" que geralmente equivale a uma
negação delicada, disfarçada para não chocar bruscamente o que ele considera
preconceitos respeitáveis, seria inútil prosseguir. Seria como querer demonstrar
as propriedades da luz a um cego que não admitisse a existência da luz. As manifestações
espíritas são os efeitos das propriedades da alma. Assim, com semelhante interlocutor,
se não quisermos perder tempo, só nos resta seguir outra ordem de ideias.
Admitidos os
princípios básicos, não apenas como probabilidade, mas como coisa averiguada,
incontestável, a existência dos Espíritos será uma decorrência natural.
QUESTÕES PARA
ESTUDO
1.Em que se
funda a crença nos espíritos?
2. Onde
habitam os Espíritos? Explique!
3. O que é o
Espírito?
4. Como você
explicaria a um descrente a existência e a comunicabilidade dos espíritos?