Capítulo XII - Itens 1 a 4
Retribuir o mal com o bem
Aprendestes que foi dito:
"Amareis o vosso próximo e odiareis
os vossos inimigos." Eu, porém, vos digo: "Amai os vossos inimigos;
fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam, a fim
de serdes filhos do vosso Pai que está nos céus e que faz se levante o Sol para
os bons e para os maus e que chova sobre os justos e os injustos. - Porque, se
só amardes os que vos amam, qual será a vossa recompensa? Não procedem assim
também os publicanos? Se apenas os vossos irmãos saudardes, que é o que com
isso fazeis mais do que os outros? Não fazem outro tanto os pagãos?"
(S. MATEUS, cap. V, vv. 43 a 47.)
- "Digo-vos que, se a vossa justiça não for
mais abundante que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no reino dos
céus."(S. MATEUS, cap. V, v. 20.)
"Se somente amardes os que vos amam, que mérito se vos reconhecerá, uma
vez que as pessoas de má vida também amam os que os amam? - Se o bem somente o
fizerdes aos que vo-lo fazem, que mérito se vos reconhecerá, dado que o mesmo
faz a gente de má vida? - Se só emprestardes àqueles de quem possais esperar o
mesmo favor, que mérito se vos reconhecerá, quando as pessoas de má vida se
entreajudam dessa maneira, para auferir a mesma vantagem? Pelo que vos toca,
amai os vossos inimigos, fazei bem a todos e auxiliai sem esperar coisa alguma.
Então, muito grande será a vossa recompensa e
sereis filhos do Altíssimo, que é bom para os ingratos e até para os maus. -
Sede, pois, cheios de misericórdia, como cheio de misericórdia é o vosso Deus." (S. LUCAS, cap. VI,
vv. 32 a 36.)
Se o amor do próximo
constitui o princípio da caridade, amar os inimigos é a mais sublime aplicação
desse princípio, porquanto a posse de tal virtude representa uma das maiores
vitórias alcançadas contra o egoísmo e o orgulho. Entretanto, há geralmente
equívoco no tocante ao sentido da palavra amar, neste passo. Não pretendeu
Jesus, assim falando, que cada um de nós tenha para com o seu inimigo a ternura
que dispensa a um irmão ou amigo. A ternura pressupõe confiança; ora, ninguém
pode depositar confiança numa pessoa, sabendo que esta lhe quer mal; ninguém
pode ter para com ela expansões de amizade, sabendo-a capaz de abusar dessa
atitude. Entre pessoas que desconfiam umas das outras, não pode haver essas
manifestações de simpatia que existem entre as que comungam nas mesmas ideias.
Enfim, ninguém pode sentir, em estar com um inimigo, prazer igual ao que sente
na companhia de um amigo.
A diversidade na maneira de
sentir, nessas duas circunstâncias diferentes, resulta mesmo de uma lei física:
a da assimilação e da repulsão dos fluidos. O pensamento malévolo determina uma
corrente fluídica que impressiona penosamente. O pensamento benévolo nos
envolve num agradável eflúvio. Daí a diferença das sensações que se experimenta
à aproximação de um amigo ou de um inimigo. Amar os inimigos não pode, pois,
significar que não se deva estabelecer diferença alguma entre eles e os amigos.
Se este preceito parece de difícil prática, impossível mesmo, é apenas por
entender-se falsamente que ele manda se dê no coração, assim ao amigo, como ao
inimigo, o mesmo lugar. Uma vez que a pobreza da linguagem humana obriga a que
nos sirvamos do mesmo termo para exprimir matizes diversos de um sentimento, à
razão cabe estabelecer as diferenças, conforme aos casos.
Amar os inimigos não é,
portanto, ter-lhes uma afeição que não está na natureza, visto que o contato de
um inimigo nos faz bater o coração de modo muito diverso do seu bater, ao contato
de um amigo. Amar os inimigos é não lhes guardar ódio, nem rancor, nem desejos
de vingança; é perdoar-lhes, sem pensamento oculto e sem condições, o mal que
nos causem; é não opor nenhum obstáculo a reconciliação com eles; é
desejar-lhes o bem e não o mal; é experimentar júbilo, em vez de pesar, com o
bem que lhes advenha; é socorrê-los, em se apresentando ocasião; é abster-se,
quer por palavras, quer por atos, de tudo o que os possa prejudicar; é,
finalmente, retribuir-lhes sempre o mal com o bem, sem a intenção de os
humilhar. Quem assim procede preenche as condições do mandamento: Amai os
vossos inimigos.
Amar os inimigos é, para o
incrédulo, um contrassenso. Aquele para quem a vida presente é tudo, vê no seu
inimigo um ser nocivo, que lhe perturba o repouso e do qual unicamente a morte,
pensa ele, o pode livrar. Daí, o desejo de vingar-se. Nenhum interesse tem em
perdoar, senão para satisfazer o seu orgulho perante o mundo. Em certos casos,
perdoar-lhe parece mesmo uma fraqueza indigna de si. Se não se vingar, nem por
isso deixará de conservar rancor e secreto desejo de mal para o outro.
Para o crente e, sobretudo,
para o espírita, muito diversa é a maneira de ver, porque suas vistas se lançam
sobre o passado e sobre o futuro, entre os quais a vida atual não passa de um
simples ponto. Sabe ele que, pela mesma destinação da Terra, deve esperar topar
aí com homens maus e perversos; que as maldades com que se defronta fazem parte
das provas que lhe cumpre suportar e o elevado ponto de vista em que se coloca
lhe torna menos amargas às vicissitudes, quer advenham dos homens, quer das
coisas. Se não se queixa das provas, tampouco deve queixar-se dos que lhe
servem de instrumento. Se, em vez de se queixar, agradece a Deus o
experimentá-lo, deve também agradecer a mão que lhe dá ensejo de demonstrar a
sua paciência e a sua resignação. Esta ideia o dispõe naturalmente ao perdão.
Sente, além disso, que quanto mais generoso for, tanto mais se engrandece aos
seus próprios olhos e se põe fora do alcance dos dardos do seu inimigo.
O homem que no mundo ocupa
elevada posição não se julga ofendido com os insultos daquele a quem considera
seu inferior. O mesmo se dá com o que, no mundo moral, se eleva acima da
humanidade material. Este compreende que o ódio e o rancor o aviltariam e
rebaixariam. Ora, para ser superior ao seu adversário, preciso é que tenha a
alma maior, mais nobre, mais generosa do que a desse último.
Questões para estudo
1 - Por que não há mérito
em só amarmos os que nos amam?
2 - Qual deve ser, então o
nosso comportamento no relacionamento diário com as pessoas que nos rodeiam?
3 - De que forma podemos
amar os nossos inimigos?
4 – Por que amar os inimigos é a mais sublime
aplicação do princípio da caridade?
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