segunda-feira, 29 de setembro de 2014

AOS QUASE SUICIDAS

Emmanuel

Sim. É a dor fulminativa, a dor largamente suportada, aquela que se te acumulou no coração, qual represa de fogo e fel, e aquela outra que sempre temeste e que chegou, por fim, à maneira de tempestade, arrasando-te as forças. São elas, essas agonias indizíveis, para as quais os dicionários humanos não te fornecem palavras adequadas à necessária definição, que, muitas vezes, te fazem desejar a morte, antes do momento em que a morte aparece a cada criatura terrestre, à feição de anjo libertador.
Ainda assim, compreendendo-te os ápices de angústia, em nome de todos aqueles que te amam, aquém das fronteiras de cinza, dos quais te despediste na grande separação, rogamos-te paciência e coragem.
Ergue-te, acima dos escombros das próprias ilusões, e contempla os caminhos novos que a Infinita Bondade de Deus te reserva.
Se amarguras te azedaram os sonhos, espera pelo tempo cujos filtros não funcionam debalde; se desenganos te buscaram, observa que ensinamentos te trazem; se dificuldades repontaram da estrada, estuda com elas qual a melhor solução aos teus problemas de paz e segurança; se provações surgiram, atribulando-te as horas, enumera as lições de que se façam portadoras, em teu benefício; se prejuízos te dilapidaram a existência, recorda que o trabalho nunca nos cerra as portas; e se alguém te deixou a alma vazia de afeição, pensa no amor infinito que sustenta o Universo, na certeza de que outras almas te virão ao encontro, abençoando-te o dom de amar e de servir.
Nunca esmoreças, ante as dificuldades que te surjam no caminho para a vanguarda.
Quando estiveres a ponto de ceder à pior rendição de todas - aquela de recusar o dom da vida - detém-te a refletir em Deus que te criou para a Sabedoria e para o Amor. E Ele, cujo poder arranca a erva da semente sepultada no chão para o esplendor solar, te arrebatará igualmente a qualquer tribulação, a fim de que sobrepaires, além de todos os fracassos e de todas as crises, de modo a que brilhes e avances para a frente, aprendendo e trabalhando, servindo e amando, em plenitude de vida imperecível.

Do livro "Mais Perto”


Cap. V – Itens 18 e 19

Bem e mal sofrer

18. Quando o Cristo disse: "Bem-aventurados os aflitos, o reino dos céus lhes pertence", não se referia de modo geral aos que sofrem, visto que sofrem todos os que se encontram na Terra, quer ocupem tronos, quer jazam sobre a palha. Mas, ah! poucos sofrem bem; poucos compreendem que somente as provas bem suportadas podem conduzi-los ao reino de Deus. O desânimo é uma falta. Deus vos recusa consolações, desde que vos falte coragem. A prece é um apoio para a alma; contudo, não basta: é preciso tenha por base uma fé viva na bondade de Deus. Ele já muitas vezes vos disse que não coloca fardos pesados em ombros fracos. O fardo é proporcionado às forças, como a recompensa o será à resignação e à coragem. Mais opulenta será a recompensa, do que penosa a aflição. Cumpre, porém, merecê-la, e é para isso que a vida se apresenta cheia de tribulações.
O militar que não é mandado para as linhas de fogo fica descontente, porque o repouso no campo nenhuma ascensão de posto lhe faculta. Sede, pois, como o militar e não desejeis um repouso em que o vosso corpo se enervaria e se entorpeceria a vossa alma. Alegrai-vos, quando Deus vos enviar para a luta. Não consiste esta no fogo da batalha, mas nos amargores da vida, onde, às vezes, de mais coragem se há mister do que num combate sangrento, porquanto não é raro que aquele que se mantém firme em presença do inimigo fraqueje nas tenazes de uma pena moral. Nenhuma recompensa obtém o homem por essa espécie de coragem; mas, Deus lhe reserva palmas de vitória e uma situação gloriosa. Quando vos advenha uma causa de sofrimento ou de contrariedade, sobreponde-vos a ela, e, quando houverdes conseguido dominar os ímpetos da impaciência, da cólera, ou do desespero, dizei, de vós para convosco, cheio de justa satisfação: "Fui o mais forte."
Bem-aventurados os aflitos pode então traduzir-se assim: Bem-aventurados os que têm ocasião de provar sua fé, sua firmeza, sua perseverança e sua submissão à vontade de Deus, porque terão centuplicada a alegria que lhes falta na Terra, porque depois do labor virá o repouso. - Lacordaire. (Havre, 1863.)

O mal e o remédio

19. Será a Terra um lugar de gozo, um paraíso de delícias? Já não ressoa mais aos vossos ouvidos a voz do profeta? Não proclamou ele que haveria prantos e ranger de dentes para os que nascessem nesse vale de dores? Esperai, pois, todos vós que aí viveis, causticantes lágrimas e amargo sofrer e, por mais agudas e profundas sejam as vossas dores, volvei o olhar para o Céu e bendizei do Senhor por ter querido experimentar-vos... Ó homens! dar-se-á não reconheçais o poder do vosso Senhor, senão quando ele vos haja curado as chagas do corpo e coroado de beatitude e ventura os vossos dias? Dar-se-á não reconheçais o seu amor, senão quando vos tenha adornado o corpo de todas as glórias e lhe haja restituído o brilho e a brancura? Imitai aquele que vos foi dado p ara exemplo. Tendo chegado ao último grau da abjeção e da miséria, deitado sobre uma estrumeira, disse ele a Deus: "Senhor, conheci todos os deleites da opulência e me reduzistes à mais absoluta miséria; obrigado, obrigado, meu Deus, por haverdes querido experimentar o vosso servo!" Até quando os vossos olhares se deterão nos horizontes que a morte limita? Quando, afinal, vossa alma se decidirá a lançar-se para além dos limites de um túmulo? Houvésseis de chorar e sofrer a vida inteira, que seria isso, a par da eterna glória reservada ao que tenha sofrido a prova com fé, amor e resignação? Buscai consolações para os vossos males no porvir que Deus vos prepara e procurai-lhe a causa no passado. E vós, que mais sofreis, considerai-vos os afortunados da Terra.
Como desencarnados, quando pairáveis no Espaço, escolhestes as vossas provas, julgando-vos bastante fortes para as suportar. Por que agora murmurar? Vós, que pedistes a riqueza e a glória, queríeis sustentar luta com a tentação e vencê-la. Vós, que pedistes para lutar de corpo e espírito contra o mal moral e físico, sabíeis que quanto mais forte fosse a prova, tanto mais gloriosa a vitória e que, se triunfásseis, embora devesse o vosso corpo parar numa estrumeira, dele, ao morrer, se desprenderia uma alma de rutilante alvura e purificada pelo batismo da expiação e do sofrimento.
Que remédio, então, prescrever aos atacados de obsessões cruéis e de cruciantes males? Só um é infalível: a fé, o apelo ao Céu. Se, na maior acerbidade dos vossos sofrimentos, entoardes hinos ao Senhor, o anjo, à vossa cabeceira, com a mão vos apontará o sinal da salvação e o lugar que um dia ocupareis... A fé é o remédio seguro do sofrimento; mostra sempre os horizontes do infinito diante dos quais se esvaem os poucos dias brumosos do presente. Não nos pergunteis, portanto, qual o remédio para curar tal úlcera ou tal chaga, para tal tentação ou tal prova. Lembrai-vos de que aquele que crê é forte pelo remédio da fé e que aquele que duvida um instante da sua eficácia é imediatamente punido, porque logo sente as pungitivas angústias da aflição.
O Senhor apôs o seu selo em todos os que nele creem. O Cristo vos disse que com a fé se transportam montanhas e eu vos digo que aquele que sofre e tem a fé por amparo ficara sob a sua égide e não mais sofrerá. Os momentos das mais fortes dores lhe serão as primeiras notas alegres da eternidade. Sua alma se desprenderá de tal maneira do corpo, que, enquanto se estorcer em convulsões, ela planará nas regiões celestes, entoando, com os anjos, hinos de reconhecimento e de glória ao Senhor.
Ditosos os que sofrem e choram! Alegres estejam suas almas, porque Deus as cumulará de bem-aventuranças. - Santo Agostinho. (Paris, 1863.)

Questões para estudo

1 – Qual é o significado de bem sofrer?

2 – Qual o melhor remédio a se prescrever aos que passam por grandes desafios?


3 – Extraia do texto acima a frase ou parágrafo que mais gostou e justifique.
OITAVA PARTE

SILÊNCIO INTERIOR

Silêncio Interior
A grande problemática-desafio da criatura humana é a aquisição da paz.
Empenhando-se na sua conquista, raramente busca e segue os caminhos ideais, capazes de conduzir à sua meta.
Vivendo uma época de conturbação nas diversas áreas, tumultua-se com facilidade, mesmo quando pensa encontrar-se no rumo certo.
Atavicamente amante do ego, apega-se aos valores externos, e esse comportamento se torna responsável pelos seus contínuos insucessos.
Desequipada dos instrumentos interiores que a harmonizariam em relação ao próximo e ao Cosmo, exaspera-se com frequência e desanima diante dos primeiros impedimentos que considera intransponíveis.
Adaptada às conquistas exteriores de fácil logro, abandona os propósitos iniciais de encontrar a paz, deixando a postura de não violência para unir-se aos beligerantes, embora disfarçando a agressividade. A Terra tem vivido sempre em guerra, e as Nações apenas repousam no interregno dos conflitos, saindo de um para outro, sem encontrar o caminho para a preservação da tranquilidade geral.
A essas guerras violentas sucedem os armistícios — que são pequenos períodos de repouso, nos quais os litigantes recuperam as forças para novas lutas —sempre eclodindo focos de destruição decorrentes de motivos injustificáveis e de razões nenhumas, como se os houvesse legítimos para a hediondez das batalhas sangrentas.
Tal sucede, porque os indivíduos não têm paz íntima.
Desde que não são capazes de se tolerarem reciprocamente em pequenos grupos, não se encontram em condições de respeitar os tratados, por eles mesmos firmados, os quais apenas escondem-lhes a brutalidade que passa a ter característica de civilização e cultura.
Como decorrência, a paz mundial ainda é uma utopia, em razão da falta de inteireza moral e pacificadora da própria criatura.
Esse fenômeno resulta dos seus apegos egóicos, das suas fantasias douradas, das suas paixões e da sua volúpia pela dominação dos outros.
Apegos morais, emocionais, culturais, pessoais, a objetos, a raças, a grupos sociais, são as fugas do ego arbitrário, ambicioso e louco, responsável pelas disputas lamentáveis que, deterioradas, são os germes das guerras.
Esse estado psicológico, de transferência e projeção da sombra da personalidade imatura, é fruto da balbúrdia, dos interesses mesquinhos e múltiplos aos quais se aferra, desajustando-se diante da ordem, da natureza e da vida.
É indispensável uma revisão do comportamento humano, de um estudo profundo a respeito do silêncio íntimo, assim como da harmonia interior.
A única maneira de lográ-lo, é viajar para dentro de si, domando a mente irrequieta — que os orientais chamam o “macaco louco que salta de galho em galho” — e induzi-la à reflexão, ao autodescobrimento.
Há quem tema a quietude, porquanto, ao dar-se esta, ocorre a libertação do ego e o ser se ilumina.
Todos somos escravos da mente.
O universo existe em razão daquele que o observa, da mente que o analisa, da percepção com que o abarca.
Aquele cuja mente não dispõe de tirocínio e lucidez, não se dá conta da realidade, que para ele tem outros conteúdos e significados.
Face a tal conduta, fala e produz ruído. É nobre e útil quando se comunica e, no entanto, torna-se grandioso se consegue viver em silêncio mental.
Os conteúdos psíquicos em relação ao ego, quando captados por este, constituem a consciência lúcida, e o silêncio torna-se de grande importância para essa conquista.
O silêncio interior é feito de paz e completude, quando o ser compreende o significado da sua vida e a gravidade da sua conduta em relação aos demais membros que formam o Cosmo.
A Ciência hoje une-se à Religião — trata-se de uma perfeita identificação do ego e do eu, do Logos e de Eros — vinculando-se uma à outra, passando a contribuir para a felicidade humana sem enfrentamentos, qual ocorreu outrora através dos antagonismos absurdos.
Até aqui a Ciência vinha trabalhando apenas pelo conhecimento, enquanto a Religião buscava somente religar a criatura ao Criador, marchando separadas e em oposição.
A Psicologia Transpessoal, estudando os estados alterados de consciência, indo além da consciência em si mesma, facultou a união das técnicas místicas do oriente com a razão do ocidente, favorecendo o entrosamento de Eros e Logos a benefício da individuação plena do ser.
Marcham, vinculadas, agora, fé e razão, contribuindo para o surgimento do ser feliz. O silêncio interior constitui o grande intermediário da paz, que dessa união advém, por desenvolver na criatura o sentimento de amor — por Deus, por si mesmo, pelo próximo —tornando-se este amor o produto alquímico que dilui o ódio, que vence as barreiras impeditivas da fraternidade e inunda-a com os recursos e conteúdos psíquicos libertários.

O apego egoísta, superado, cede lugar à generosidade, à doação, e o indivíduo, livre de algemas, em silêncio íntimo, empreende a grande experiência de viver o self em harmonia com as Leis da Vida. Isto porque, o nível mais elevado da consciência, pelo menos na graduação humana, é o cósmico, que resulta da identificação entre o si e o Universo, mergulhando o pensamento em Deus e realizando-se totalmente.
Referenciais para a identificação do si

Inevitavelmente, as pessoas necessitam de experienciar algumas dessas escamoteações do ego, seus jogos, por falta de estrutura psicológica para suportar a realidade, a verdade.
O mecanismo de fuga pode constituir uma necessidade de reprimir algo para cuja manifestação o ser não se sente preparado.
É sempre um risco intentar-se, de inopino, empurrar o indivíduo para o encontro claro e imediato com o si, face à sua ausência de valores íntimos para reconhecer-se frágil — sem deprimir-se, necessitado — sem insegurança em relação ao futuro, aturdido — sem esperança...
O ser psicológico é, estruturalmente, a soma das suas emoções e conquistas, que caracterizam a individualidade pessoal no processo de evolução.
A libertação, portanto, dos complexos artifícios de fuga, dar-se-á mediante terapias adequadas, que facultarão o amadurecimento psicológico para a autoestima e o enfrentamento da realidade suportável.
Qualquer tentativa de esgrimir a verdade — afinal, a verdade de cada qual — pode resultar em conflito mais grave. A queda da máscara desnuda o indivíduo e nem sempre ele deseja ser visto como é — mesmo porque se ignora —, podendo sofrer um choque com o descobrimento prematuro ou alienar-se, por saber-se identificado de forma inadequada, desagradável.
A verdade é absorvida, a pouco e pouco, através da identificação dos valores reais em detrimento dos aparentes, do descobrimento do significado da existência e da sua finalidade.
Os convites existenciais que propelem para o exterior, para a aparência, modelam a personalidade impondo inúmeros mecanismos de sobrevivência do ego, aos quais o indivíduo se aferra, permanecendo ignorante quanto à sua realidade e aos relevantes objetivos da vida.
As ilusões, desse modo, são comensais da criatura, que se apresenta conforme gostaria de ser e não de acordo com o si, o eu profundo, o que é.
Extirpá-las é condenar o outro ao desamparo, retirar-lhe as bengalas psicológicas de apoio.
Isto não significa apoio aos comportamentos falsos, às personalidades esteriotipadas, antes é respeito ao direito de cada um viver como pode, e não consoante gostaria de ser.
Imprescindível que se seja leal, honesto para consigo mesmo, desvelando-se e trabalhando-se interiormente.
A experiência de identificação do si é um passo avançado no processo de autodescobrimento, de auto amadurecimento.
Essa busca interior expressa-se como uma forma de insatisfação em relação ao já conseguido — os valores possuídos não preenchem mais os espaços interiores, deixando vazios emocionais; uma necessidade de aprimoramento psicológico, superando os formalismos, os modismos, o estatuído circunstancial, nos quais a forma é mais importante do que o conteúdo, o exterior é mais relevante que o interior; uma consciência lúcida, que desperta para os patamares superiores da existência física; uma incontida aspiração pelas conquistas metafísicas, face à vigência permanente do fenômeno da morte em ameaça contínua, pois que a transitoriedade da experiência física se apresenta de exíguo tempo, facultando frustração; uma imperiosa busca de paz desvestida de adornos e de condicionais, e um amplo anseio de plenitude.
Com estes referenciais há uma inevitável auto penetração psicológica,  uma busca do si, do autodescobrimento, a fim de bem discernir o que se anseia e para que, o que se possui e qual a sua aplicação, a análise do futuro e como se apresentará.
A emersão do si, predominando no indivíduo, e característica de cristificação, de libertação do deus interno, de plenitude.
Quando começa, uma transformação psicológica se opera automaticamente, a escala de valores se altera e o comportamento muda de expressão.
A saúde emocional e mental se estabelece, ensejando uma visão correta em torno dos acidentes orgânicos, que não mais desequilibram, e o fenômeno morte se torna perfeitamente natural, sem fantasmas apavorantes ou anelos de antecipação.
Ocorre uma plena harmonia entre o viver — existência física — e a Vida — realidade total.
O self, em razão do processo reencarnatório, fica imerso na névoa carnal, adormecido pelos tóxicos e vapores da indumentária física sob a pressão das experiências humanas, dos relacionamentos sociais, nos quais a astúcia e não a sabedoria, a simulação e não a honestidade, a falácia e não o silêncio promovem o indivíduo, granjeiam lugar de destaque na comunidade. Essa conduta irregular, tal critério, são impeditivos para a liberação do si.
Campeiam as psicopatologias como efeito da atitude do ego em relação ao eu, estando a exigir maior conhecimento das necessidades legítimas.
A conquista do self é processo que se deve começar imediatamente, recorrendo-se às terapias próprias e, simultaneamente, aos recursos da oração, da meditação, das ações edificantes.
Cada logro enseja a ambição de alcançar novo patamar, que se torna um desafio atraente, estimulador.

Ninguém, pois, pode deter-se nos níveis inferiores de consciência, relegando a plano secundário o si, a realidade ambicionada.
Medo e morte

Os mecanismos de evasão do ego mascaram a realidade do self, normalmente receoso de emergir e predominar, o que é a sua fatalidade.
Fatores ponderáveis, porém, respondem pelos estados fóbicos do ser, desde os distúrbios gerados pelo quimismo cerebral, responsáveis por desarmonias variadas, até os fenômenos de natureza psicológica, decorrentes dos conflitos vivenciados pela mãe gestante, reacionária à concepção, tensa ante a responsabilidade, amargurada pelas incertezas, e os insucessos de parto, predominando os choques pós-natais quando o ser é retirado do aconchego intrauterino, onde se sente seguro, e colocado num meio hostil no qual tudo parece ameaçar-lhe a frágil existência.
Podem-se assinalar ainda outros fatores, quais os de natureza psicogênica, como de caráter preponderante na formação patológica dos comportamentos fóbicos.
A educação no lar, a mãe dominadora e o pai negligente ou reciprocamente, não raro esmagam a personalidade do educando durante o trânsito infantil.
São inumeráveis os fatores preponderantes como predisponentes nas psicopatologias do medo, responsáveis por estados lamentáveis na criatura humana.
Insinua-se o medo de forma sutil, aparentemente lógica, tomando conta das paisagens da psique, como insegurança tormentosa povoada de pesadelos hórridos, que levam a alucinações e impulsos incontroláveis de fuga até mediante o concurso da morte.
Com o tempo, alternam-se as condutas no paciente: apatia mórbida ou pavor contínuo, ambas de gravidade indiscutível.
Na psicogênese, porém, dos estados fóbicos em geral, não se pode descartar a anterioridade existencial do ser, em Espírito, peregrino que é de inumeráveis reencarnações, cuja história traz escrita nas tecelagens intrincadas da própria estrutura espiritual.
Comportamentos irregulares, atividades lesadoras, ações perversas ocultas que não foram desveladas, inscrevem-se na consciência profunda como necessidade de reparação, que ressurgem desde a nova concepção, quando ocorrem os fatores que os despertam, permitindo-lhes a imersão do inconsciente, e passam a trabalhar o ser real, levando-o da insegurança inicial ao medo perturbador.
A reencarnação é método para o Espírito aprender, agir, educar-se, recuperando-se quando erra, reparando quando se compromete negativamente.
Inevitável a sua ocorrência, ela funciona por automatismo da Vida, impondo as cargas de uma experiência na seguinte, em mecanismo natural de evolução.
Inscritos os códigos de justiça na consciência individual, representando a Consciência Cósmica, ninguém se lhe exime aos imperativos, por ser fenômeno automático e imediato.
A cada ação resulta uma reação semelhante, portadora da mesma intensidade vibratória.
Quando recalcado o efeito, ele assoma, predominante, propiciando os estados de libertação ou sofrimento, conforme seja constituído o seu campo de energia.
O autodescobrimento é a terapia salutar para que sejam identificadas as causas geradoras e, ao mesmo tempo, a conscientização de quais recursos se podem utilizar para a liberação.
Conhecendo o fator responsável pelo medo, antepor-se-lhe-á a confiança nas causas positivas, que resultarão em futuros equilíbrios de fácil aquisição.
Ao lado das terapias acadêmicas, conforme a etiopatogenia do medo em cada criatura, a renovação pessoal pelo otimismo, a autoestima, o hábito das ideações elevadas, da oração, da meditação, constituem eficientes recursos curativos para o auto encontro, a paz interior.
O medo é inimigo mórbido, que deve ser enfrentado com naturalidade através do exercício da razão e da lógica.
Entre as várias expressões de medo ressalta o da morte, herança atávica dos arquétipos ancestrais, das religiões castradoras e temerárias, dos cultos bárbaros, das conjunturas do desconhecido, das imagens mitológicas que desenharam no tecido social as impressões do temor, das punições eternas para as consciências culpadas, dos horrores inomináveis que o ser humano não tem condições de digerir...
O pavor da morte, às vezes patológico, afigura-se tão grave, que a criatura se mata a fim de não aguardar a morte...
Compreensivelmente, desde o momento da concepção manifesta-se o fenômeno da transformação celular ou morte biológica. Nesse processo de transformações incessantes, chega o momento da parada final dos equipamentos biológicos, e tal ocorrência é perfeitamente natural, não podendo responder pelos medos e pavores que têm sido cultivados.
Não é a primeira vez que ocorre a morte do corpo, na vilegiatura da evolução dos seres. O esquecimento do fenômeno, de maneira alguma, pode ser considerado como desconhecido pelo Espírito, que já o vivenciou antes.
Um aprofundamento mental demonstra que a morte não dói, não apavora, mas o estado psicológico de cada um, em relação à mesma, transfere as impressões íntimas para o exterior, dando curso às manifestações aparvalhantes.
A Psicologia transpessoal, lidando com o ser psíquico, o ser espiritual, sabe-o em processo de evolução, entrando no corpo reencarnação e dele saindo desencarnação da mesma forma que o corpo se utiliza de roupas, que lhe são necessárias e dispensáveis, conforme as ocasiões.
O simples hábito de dormir, quando se mergulha na inconsciência relativa, é uma experiência de morte que deve servir de padrão comparativo para o fim do processo biológico.
Conforme o eu profundo considere a morte, povoando-a de incertezas, gênios do mal, regiões punitivas ou aniquilamento, dessa forma a enfrentará. O oposto igualmente se dá. Vestindo a morte de esperança de reencontros felizes, de aspirações enobrecidas, de agradável despertar, ocorrerá o milagre da vida.
O medo da morte decorre da ignorância da realidade espiritual e do apego ao transitório físico.
Freud afirmava que o instinto da morte é superior ao de conservação da vida, o que é perfeitamente natural, tendo-se em vista que o corpo é fenômeno, e este passa, permanecendo a causa, que é a energia, a vida em si mesma.
A psicoterapia preventiva, como curadora para o medo da morte, propõe uma conduta harmônica com os níveis superiores de consciência desperta, lúcida, avançando para a transcendência do eu, até culminar na identificação com a Cósmica.
Pensar e agir bem.
Amar e amar-se.
Servir, como forma de ser feliz.
Vincular-se à Fonte da Vida Perene, Causal e Terminal.

Meditar, beneficiando-se com o autodescobrimento e tornando-se um agente de esperança e de paz, eis como viver sem morrer e morrer para perpetuar a vida.
Projeção
A repressão inconsciente dos conflitos da personalidade leva o ego a projetá-los nos outros indivíduos, nas circunstâncias e lugares, evadindo-se à aceitação dos erros e da responsabilidade por eles.
Se tropeça em uma pedra na rua, a culpa é da administração pública municipal; se choca com outrem, a culpa é dele...
A projeção alcança reações surpreendentes.
Um jovem esbarrou noutro na rua e reagiu, interrogando: “Você é cego?”, ao que o interlocutor respondeu: “Sim, sou cego.”
Atropelara o invidente e se permitia o luxo de fazer-se vítima.
Há uma natural e mórbida tendência no ser humano de ignorar certas deficiências pessoais para projetá-las nos outros.
Toda vez que alguém combate com exagerada veemência determinados traços do caráter de alguém, projeta-se nele, transferindo do eu, que o ego não deseja reconhecer como deficiente, a qualidade negativa que lhe é peculiar. Torna a sua vítima o espelho no qual se reflete inconscientemente.
Há uma necessidade de combater nos outros o que é desagradável em si.
Pessoas existem que se dizem perturbadas pelas demais, perseguidas onde se encontram, desgostadas em toda parte, revelando caráter e comportamento paranóicos, assim projetando a animosidade que mantêm por si próprias nos outros indivíduos, sob a alegação de que não os estimam, e tentam interditar-lhes o passo, o avanço.
A projeção é facilmente identificável e pode ser combatida mediante honesta aceitação de si mesmo, de como se é, trabalhando-se para tornar-se melhor.

Introjeção
Outro mecanismo de disfarce do ego é a introjeção, que se caracteriza como a conscientização de que as qualidades das pessoas lhe pertencem. Os valores relevantes que são observados noutrem, são traços do próprio caráter, constituindo uma armadilha —defesa do ego.
A pessoa introjeta-se na vida dos heróis aos quais ama e com quem se identifica, aceitando ser parecida com eles. Assume-lhes a forma, os hábitos, os traquejos e trejeitos, o modo de falar e de comportar-se...
Pode acontecer também que se adote o comportamento infeliz de personagens dos dramas do cotidiano, das películas cinematográficas, das telenovelas, das tragédias narradas pelos periódicos.
Na atualidade, ao lado dos inúmeros vícios sociais e dependências dos alcoólicos, tabaco e drogas outras, há, também, a dependência das telenovelas, mediante as quais as personagens, especialmente as infelizes, são introjetadas nos telespectadores angustiados.
Essa morbidez deve ser liberada e o indivíduo tem a necessidade, que lhe cumpre atender, de assumir a realidade interior, identificando-se numa harmoniosa combinação entre o self e o ego, mantendo o equilíbrio emocional através do exercício de autodescobrimento, eliminando as ilusões, os romances imaginários, pois que tais mecanismos de fuga, não obstante o momentâneo prazer que dispensam, terminam por alienar o ser.

Racionalização
A racionalização é o mecanismo de fuga de maior gravidade do ego, por buscar justificar o erro mediante aparentes motivos justos, que degeneram o senso crítico, de integridade moral, assumindo posturas equivocadas e perniciosas. Sempre há uma razão para creditar-se favoravelmente os atos, mesmo os mais irrefletidos e graves, através das razões apresentadas, que não são legítimas. Essa dicotomia — o que se justifica e o que se é — torna-se um mecanismo perturbador, por negar-se o real a favor do que se imagina.
As razões legítimas dos hábitos e condutas são mascaradas por alegações falsas. Por não admitir o que se prefere fazer ou ser, e se tem em conta de que é errado, assume-se a máscara egóica da racionalização.
Essa falta de honestidade, como expressão falsa do eu, torna-se um desequilíbrio psicológico, que termina em perda de sentido existencial.
Ninguém pode mudar um mal em bem, apenas porque se recusa a aceitar conscientemente esse mal, que lhe cumpre trabalhar para melhor, ao invés de ignorá-lo ou justificá-lo com a racionalização.
A tendência humana da escolha é sempre direcionada para o bem. Assim, há uma repulsa natural pelo mal, de que a racionalização tenta alterar a contextura, a fim de apaziguar a consciência, gerando a perturbação psicológica.
Essa luta, que se trava entre o intelecto e a razão, busca justificativa para tornar o mal em um bem, que é irreal. Desse modo, quando a pessoa age erradamente e a razão lhe reprocha, o intelecto busca uma alegação justa para reprimir o bem e prossegui na ação.
A execução supera a razão e a mente justifica o mal, do qual surgirá um bem, para si ou para outrem, como racionaliza o ego em desequilíbrio.
Somente uma vontade severa e nobre, exercendo sua força sobre os mecanismos de evasão, para preservar o equilíbrio entre a razão e o intelecto com a emoção do bem e do justo, propondo o ajustamento psicológico do ser.

Fora disso, tais mecanismos de camuflagem da realidade conduzem à alienação, ao sofrimento.