Cap. V
– Itens 18 e 19
Bem e
mal sofrer
18. Quando o Cristo disse: "Bem-aventurados os
aflitos, o reino dos céus lhes pertence", não se referia de modo geral aos
que sofrem, visto que sofrem todos os que se encontram na Terra, quer ocupem
tronos, quer jazam sobre a palha. Mas, ah! poucos sofrem bem; poucos
compreendem que somente as provas bem suportadas podem conduzi-los ao reino de
Deus. O desânimo é uma falta. Deus vos recusa consolações, desde que vos falte
coragem. A prece é um apoio para a alma; contudo, não basta: é preciso tenha
por base uma fé viva na bondade de Deus. Ele já muitas vezes vos disse que não
coloca fardos pesados em ombros fracos. O fardo é proporcionado às forças, como
a recompensa o será à resignação e à coragem. Mais opulenta será a recompensa,
do que penosa a aflição. Cumpre, porém, merecê-la, e é para isso que a vida se
apresenta cheia de tribulações.
O militar que não é mandado para as linhas de fogo
fica descontente, porque o repouso no campo nenhuma ascensão de posto lhe
faculta. Sede, pois, como o militar e não desejeis um repouso em que o vosso
corpo se enervaria e se entorpeceria a vossa alma. Alegrai-vos, quando Deus vos
enviar para a luta. Não consiste esta no fogo da batalha, mas nos amargores da
vida, onde, às vezes, de mais coragem se há mister do que num combate
sangrento, porquanto não é raro que aquele que se mantém firme em presença do
inimigo fraqueje nas tenazes de uma pena moral. Nenhuma recompensa obtém o
homem por essa espécie de coragem; mas, Deus lhe reserva palmas de vitória e
uma situação gloriosa. Quando vos advenha uma causa de sofrimento ou de
contrariedade, sobreponde-vos a ela, e, quando houverdes conseguido dominar os
ímpetos da impaciência, da cólera, ou do desespero, dizei, de vós para
convosco, cheio de justa satisfação: "Fui o mais forte."
Bem-aventurados os aflitos pode então traduzir-se assim:
Bem-aventurados os que têm ocasião de provar sua fé, sua firmeza, sua
perseverança e sua submissão à vontade de Deus, porque terão centuplicada a
alegria que lhes falta na Terra, porque depois do labor virá o repouso. - Lacordaire. (Havre, 1863.)
19. Será a Terra um lugar de gozo, um paraíso de
delícias? Já não ressoa mais aos vossos ouvidos a voz do profeta? Não proclamou
ele que haveria prantos e ranger de dentes para os que nascessem nesse vale de
dores? Esperai, pois, todos vós que aí viveis, causticantes lágrimas e amargo
sofrer e, por mais agudas e profundas sejam as vossas dores, volvei o olhar
para o Céu e bendizei do Senhor por ter querido experimentar-vos... Ó homens!
dar-se-á não reconheçais o poder do vosso Senhor, senão quando ele vos haja
curado as chagas do corpo e coroado de beatitude e ventura os vossos dias?
Dar-se-á não reconheçais o seu amor, senão quando vos tenha adornado o corpo de
todas as glórias e lhe haja restituído o brilho e a brancura? Imitai aquele que
vos foi dado p ara exemplo. Tendo chegado ao último grau da abjeção e da
miséria, deitado sobre uma estrumeira, disse ele a Deus: "Senhor, conheci
todos os deleites da opulência e me reduzistes à mais absoluta miséria;
obrigado, obrigado, meu Deus, por haverdes querido experimentar o vosso
servo!" Até quando os vossos olhares se deterão nos horizontes que a morte
limita? Quando, afinal, vossa alma se decidirá a lançar-se para além dos
limites de um túmulo? Houvésseis de chorar e sofrer a vida inteira, que seria
isso, a par da eterna glória reservada ao que tenha sofrido a prova com fé,
amor e resignação? Buscai consolações para os vossos males no porvir que Deus
vos prepara e procurai-lhe a causa no passado. E vós, que mais sofreis,
considerai-vos os afortunados da Terra.
Como desencarnados, quando pairáveis no Espaço,
escolhestes as vossas provas, julgando-vos bastante fortes para as suportar.
Por que agora murmurar? Vós, que pedistes a riqueza e a glória, queríeis
sustentar luta com a tentação e vencê-la. Vós, que pedistes para lutar de corpo
e espírito contra o mal moral e físico, sabíeis que quanto mais forte fosse a
prova, tanto mais gloriosa a vitória e que, se triunfásseis, embora devesse o
vosso corpo parar numa estrumeira, dele, ao morrer, se desprenderia uma alma de
rutilante alvura e purificada pelo batismo da expiação e do sofrimento.
Que remédio, então, prescrever aos atacados de
obsessões cruéis e de cruciantes males? Só um é infalível: a fé, o apelo ao
Céu. Se, na maior acerbidade dos vossos sofrimentos, entoardes hinos ao Senhor,
o anjo, à vossa cabeceira, com a mão vos apontará o sinal da salvação e o lugar
que um dia ocupareis... A fé é o remédio seguro do sofrimento; mostra sempre os
horizontes do infinito diante dos quais se esvaem os poucos dias brumosos do presente.
Não nos pergunteis, portanto, qual o remédio para curar tal úlcera ou tal
chaga, para tal tentação ou tal prova. Lembrai-vos de que aquele que crê é
forte pelo remédio da fé e que aquele que duvida um instante da sua eficácia é
imediatamente punido, porque logo sente as pungitivas angústias da aflição.
O Senhor apôs o seu selo em todos os que nele creem. O
Cristo vos disse que com a fé se transportam montanhas e eu vos digo que aquele
que sofre e tem a fé por amparo ficara sob a sua égide e não mais sofrerá. Os
momentos das mais fortes dores lhe serão as primeiras notas alegres da
eternidade. Sua alma se desprenderá de tal maneira do corpo, que, enquanto se
estorcer em convulsões, ela planará nas regiões celestes, entoando, com os
anjos, hinos de reconhecimento e de glória ao Senhor.
Ditosos os que sofrem e choram! Alegres estejam suas
almas, porque Deus as cumulará de bem-aventuranças. - Santo Agostinho. (Paris, 1863.)
Questões
para estudo
1 – Qual é o significado de bem sofrer?
2 – Qual o melhor remédio a se prescrever aos que
passam por grandes desafios?
3 – Extraia do texto acima a frase ou parágrafo
que mais gostou e justifique.
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