terça-feira, 2 de setembro de 2014

Mecanismos de fuga do ego

Habituado ao não enfrentamento com o self, o ego camufla a sua resistência à aceitação da realidade profunda, elaborando mecanismos escapistas, de forma a preservar o seu domínio na pessoa.
Desse modo, podemos enumerar alguns desses instrumentos do ego, para ocultar-lhe a realidade, facultando-lhe a fuga do enfrentamento com o eu profundo, tais como: compensação, deslocamento, projeção, introjeção e racionalização.

Compensação

Foi o admirável pai da Psicanálise individual, Alfred Adler, quem, percebendo que um órgão deficitário é substituído pelo seu par — um pulmão enfermo ou um rim doente —, estabeleceu que ocorre uma compensação correspondente na área psicológica.
Grandes ases da cultura física tornaram-se atletas, porque buscaram compensar a fragilidade orgânica, ou algum limite, entregando-se a extenuantes exercícios que lhes facultaram alcançar as metas estabelecidas. O mesmo ocorre nas artes, na ciência com muitos dos seus paladinos.
Essa compensação se enraíza nos fulcros de algum conflito, nos leva a exagerar determinada tendência como fenômeno inconsciente que nos demonstra o contrário.
O excesso de devotamento a uma causa ou ideia é a compensação ao medo inconsciente de sustentá-lo.
O fanatismo resulta da insegurança interior, não consciente, pela legitimidade daquilo em que se pensa acreditar, desse modo compensando-se.
Há sempre um exagero, um superdesenvolvimento compensador, quando, de forma inconsciente se estabelece um conflito, por adoção de uma crença em algo sem convicção.
O excesso de pudor, a exigência de pureza, provavelmente são compensações por exorbitantes desejos sexuais reprimidos e anelos de gozos promíscuos, vigentes no ser profundo.
Sem dúvida, não se aplica à generalidade das pessoas corretas e pudicas, mas àquelas que se caracterizam pelo excesso, pela ênfase predominante que dão a essas manifestações naturais.
Na compensação ocorre a formação de reação, que responde pela necessidade de um efeito psicológico contrário.
Desse modo, as atitudes exageradas em qualquer área camuflam desejos inconscientes opostos.
Nessa compensação psicológica, o ego exacerbado está sempre correto e, sem piedade pela fragilidade humana, exprime-se dominador, superior aos demais, que não raro persegue com inclemência.
Na distorcida visão egóica, a sua é sempre a postura certa, por isso exagera para sentir-se aliviado da tensão decorrente da incoerência entre o ego presunçoso e o eu debilitado.
A compensação substituta — uma deficiência orgânica propele o indivíduo a destacar-se noutra área da saúde, sobrepondo a conquista de realce ao fator de limite — também transfere-se para o campo emocional, e o conflito de ordem psicológica cede lugar ao desenvolvimento de uma outra faculdade ou expressão que se pode destacar, anulando, ou melhor dizendo, escamoteando o ocasional fenômeno perturbador.
Graças a compensação substituta o ego se plenifica, embora tentando ignorar o desequilíbrio que fica sob compressão, reprimido. Todavia, todo conflito não liberado retorna e, se recalcado, termina por aflorar com força, gerando distúrbios mais graves.
A compensação egóíca é, sem dúvida, um engodo que deve ser elucidado e vencido.
Cada criatura é o que consegue e, como tal, cumpre apresentar-se, aceitar-se, ser aceito, trabalhando pelo crescimento interior mediante catarse, consciente dos conflitos degenerativos.
Todo esse mecanismo de evasão da realidade e mascaramento do ego torna a pessoa inautêntica, artificial, desagradável pelo irradiar de energias repelentes que causam mal-estar nas demais.

Deslocamento

A consciência exerce sobre a pessoa um critério de censura, face ao discernimento em torno do que conhece e experiência, sabendo como e quando se pode fazer algo, de maneira que evite culpa. Nesse discernimento lúcido, quando surge um impulso que a censura da consciência proíbe apresentar-se sem reservas, o ego produz um deslocamento.
Freud havia identificado essa capacidade de censura da consciência, que situou como superego.
Quando se experimenta um sentimento de revolta ou de animosidade contra alguém ou alguma coisa, mas que as circunstâncias não permitem expressar, o ego desloca-o para reações de violência contra objetos que são quebrados ou outras pessoas não envolvidas na problemática.
Na antiga arena romana ou nos atuais ringues de boxe se traduzem esses sentimentos recalcados, contra a vítima momentânea, deslocando a fúria oculta, que se mantém contra outrem, nesse ser desamparado.
Subconscientemente, a pessoa que apoia o dominador e pede-lhe para extinguir o contendor, mantém hostilidade que reprime, impossibilitada pelas convenções sociais ou circunstanciais de exteriorizá-la.
A hostilidade da criatura leva-a a reagir sempre através de motivos reais ou imaginários. Um olhar, uma palavra mal posta, uma expressão destituída de mais profundo significado, são suficientes para provocar um deslocamento, uma atitude agressiva.
Face a essa postura, há uma tendência para camuflar os significados perturbadores da vida.
Ao reprimi-los, adota-se um comportamento agradável para o ego. Esse mecanismo é de fácil identificação, pois que o ego procura uma vivência de qualquer acontecimento sem sentido, para ocultar um grave problema que não deseja enfrentar conscientemente.
Essa reação pode decorrer, também, de um ambiente hostil no lar, onde a pessoa se acostumou a deslocar os sentimentos que cultivou, na convivência doméstica, e não deseja reconhecer como de natureza agressiva.
Somente uma atitude de autorreflexão consegue despertar o indivíduo para a aceitação consciente do seu self, sem disfarce do ego, não deslocando reações para outrem e lutando contra as perturbações psicológicas.


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