Capítulo
19 - Dominação telepática
Dispúnhamo-nos à despedida, quando simpática senhora
desencarnada abeirou-se de nós, cumprimentando o Assistente com respeitosa
afetividade.
Áulus incumbiu-se da apresentação.
- É a irmã Teonília, uma de nossas diligentes
companheiras no trabalho assistencial.
A nova amiga correspondeu-nos às saudações com
gentileza e explicou ao nosso orientador o objetivo que a trazia.
Contou, então, que Anésia, devotada companheira da
instituição em que nos achávamos, sorvia o fel de dura prova.
Além das preocupações naturais com a educação das três
filhinhas e com a assistência imprescindível à mãezinha doente, em vésperas de
desencarnação, sofria tremenda luta íntima, de vez que Jovino, o esposo, vivia
agora sob a estranha fascinação de outra mulher. Esquecera-se, invigilante, das
obrigações no santuário doméstico. Parecia, de todo, desinteressado da companheira
e das filhas. Como que voltara às estroinices da primeira juventude, qual se
nunca houvesse abraçado a missão de pai.
Dia e noite, deixava-se dominar pelos pensamentos da
nova mulher que o enlaçara na armadilha de mentirosos encantos.
Em casa, nas atividades da profissão ou na via
pública, era ela, sempre ela a senhorear-lhe a mente desprevenida.
Transformara-se o mísero num obsidiado autêntico, sob
constante atuação da criatura que lhe anestesiava o senso de responsabilidade
para consigo mesmo.
Não poderia Áulus interferir?
Não seria justo afastar semelhante influência, como se
extirpa uma chaga com o socorro operatório?
O Assistente ouviu-a com calma e falou, conciso:
- Conheço Anésia e nela estimo admirável irmã. Há
meses, não disponho de oportunidade para visitá-la como venho desejando.
Decerto, não me negarei ao concurso fraterno, entretanto, não será conveniente
estabelecer medidas drásticas sem uma auscultação do caso em si. Sabemos que a
obsessão entre desencarnados ou encarnados, sob qualquer prisma em que se
mostre, é uma enfermidade mental, reclamando por vezes tratamento de longo
curso. Quem sabe se o pobre Jovino não estará na condição de um pássaro
hipnotizado, não obstante o corpanzil que lhe confere aparências de robustez no
plano físico?
- Do que posso perceber - anotou a interlocutora -,
vejo tão-somente um homem comprometido em trabalho digno, ameaçado por perversa
mulher...
- Oh! Não! - atalhou o nosso instrutor condescendente
-, não a classifique com semelhante adjetivação. Acima de tudo, é imperioso
aceita-la por infeliz irmã.
- Sim, sim... concordo - exclamou Teonília,
reajustando-se. - De qualquer modo, rogo-lhe a caridosa intercessão. Anésia tem
sido uma colaboradora providencial em nossa tarefa. Não me sentiria satisfeita,
cruzando os braços...
- Faremos quanto se nos afigure viável no círculo de
nossas possibilidades, contudo, é imprescindível analisar o passado para
concluir sobre as raízes da ligação indébita a que nos reportamos.
E, imprimindo grave tonalidade à voz, o Assistente
enunciou:
- Estará descendo Jovino a impressões do pretérito?
Não será uma provação que o nosso amigo terá traçado à própria consciência, com
finalidade redentora, e à qual não sabe agora como resistir?
Teonília esboçou um gesto de humildade silenciosa,
enquanto Áulus rematava, afagando-lhe os ombros:
- Guardemos otimismo e confiança. Amanhã, à noitinha,
conte conosco no lar de Anésia. Sondaremos, de perto, quanto nos caiba fazer.
Nossa amiga, expressou reconhecimento e despediu-se
sorrindo.
A sós conosco, durante o regresso ao nosso templo de
trabalho e de estudo, áulus salientou a nossa oportunidade de prosseguir
observando. O assunto prendia-se naturalmente a problema de influênciação e
teríamos ensejo de examinar fenômenos mediúnicos importantes, na esfera vulgar
da experiência de muitos.
Com efeito, em momento preestabelecido, reunimo-nos no
dia seguinte para a excursão programada.
Atingimos a estação de destino ao anoitecer.
Teonília aguardava-nos no pórtico de domicílio
confortável, sem ser luxuoso.
Pequeno roseiral à entrada dizia sem palavras dos
belos sentimentos dos moradores.
Guiados por nossa amiga, alcançamos o interior
doméstico.
A família entregava-se à refeição.
Uma senhora jovem servia atenciosamente a um
cavalheiro maduro e bem-posto, ladeado por três meninas, das quais a mais moça
revelava a graça primaveril dos catorze a quinze anos.
Claro que o entendimento da véspera dispensava novas
informações. Áulus, no entanto, esclareceu, minucioso:
- Anésia e Jovino acham-se aqui com as filhinhas
Marcina, Marta e Márcia.
A palestra familiar desdobrava-se afetuosa, mas o dono
da casa parecia contrafeito. Doces apontamentos das meninas não lhe arrancavam
o mais leve sorriso. Contudo, enquanto o genitor timbrava em mostrar-se
aborrecido, a mãezinha se fazia mais terna e mais contente, incentivando a
conversação das duas filhas mais velhas que comentavam episódios humorísticos
dos bazar de quinquilharias em que trabalhavam juntas.
Findo o jantar, a senhora dirigiu-se à mais moça e
recomendou com carinho:
- Márcia, minha filha, volte à vovó e espere por mim.
Nossa doente não deve estar a sós.
A pequena obedeceu de bom grado e, transcorridos
alguns instantes, Marcina e Marta demandaram sala próxima, em palestra mais
íntima.
Dona Anésia reajustou a copa e a cozinha, operando em
silêncio, enquanto o marido se esparramava numa poltrona, devorando os jornais
vespertinos.
Reparando, todavia, que o esposo se levantara para
sair, endereçou-lhe olhar inquieto e indagou, delicadamente:
- Poderemos, acaso, esperar hoje por você?
- Hoje? Hoje?... - redargüiu o interlocutor sem
fixa-la.
E o diálogo prosseguiu, animadamente.
- Sim, um pouco mais tarde; faremos nossas preces em
conjunto...
- Preces? Para que isso?
- Sinceramente, Jovino, creio no poder da oração e
suponho que nunca precisamos tanto como agora de usá-la em favor de nossa tranquilidade
doméstica.
- Não disponho de tempo para lidar com os seus tabus.
Tenho compromissos inadiáveis. Estudarei, junto de amigos, excelente negócio.
Nesse instante, contudo, surpreendente imagem de
mulher surgiu-lhe à frente dos olhos, qual se fora projetada sobre ele a
distância, aparecendo e desaparecendo com intermitências.
Jovino fez-se mais distraído, mais enfadado.
Fitava agora a esposa com indiferença irônica,
demonstrando inexcedível dureza espiritual.
Intrigados com o fenômeno sob nossa vista, ouvimos
Anésia que, enlaçada por Teonília, dizia quase suplicante:
- Jovino, você não concorda que temos estado mais
ausente um do outro, quando precisamos estar mais juntos?
- Ora, ora! Deixe de pieguices! Sua preocupação seria
própria, há vinte anos, quando não éramos senão tolos colegiais!
- Não, não é bem isso... Inquietam-me nosso lar e
nossas filhas...
- De minha parte, não vejo como torturar-me. Creio que
a casa está bem provida e não estou dormindo sobre nossos interesses
familiares. Meus negócios estão em
movimento. Preciso de dinheiro e, por essa razão, não posso perder tempo com
beatices e petitórios, endereçados a um Deus que, sem dúvida, deve estar muito
satisfeito em morar no Céu, sem lembrar-se deste mundo...
Anésia dispunha-se a revidar, no entanto, a atitude do
marido era tão flagrantemente escarnecedora que, decerto, julgou mais oportuno
silenciar.
O chefe da família, depois de apurar o nó da gravata
vivamente colorida, bateu a porta estrepitosamente sobre os próprios passos e
retirou-se.
A companheira humilhada caiu em pranto silencioso
sobre velha poltrona e começou a pensar, articulando frases sem palavras:
- "Negócios, negócios... Quanta mentira sobre
mentira! Uma nova mulher, isso sim!... Mulher sem coração que não nos vê os
problemas... Dívidas, trabalhos, canseiras! Nossa casa hipotecada, nossa
velhinha a morrer!...
Nossas filhas cedo arremessadas à luta pela própria
subsistência!"
Enquanto as reflexões dela se faziam audíveis para
nós, irradiando-se na sala estreita, vimos de novo a mesma figura de mulher que
surgira à frente de Jovino, aparecendo e reaparecendo ao redor da esposa
triste, como que a fustigar-lhe o coração com invisíveis estiletes de angústia,
porque Anésia acusava agora indefinível mal-estar.
Não via com os olhos a estranha e indesejável visita,
no entanto, assinalava-lhe a presença em forma de incoercível tribulação
mental. De inesperado, passou da meditação pacífica a tempestuosos pensamentos.
- "Lembro-me dela, sim - refletia agora em franco
desespero - conheço-a! É uma boneca de perversidade... Há muito tempo vem sendo
um veículo de perturbação para a nossa casa. Jovino está modificado...
Abandona-nos, pouco a pouco. Parece detestar até mesmo a oração... Ah! Que
horrível criatura uma adversária qual essa, que se imiscui em nossa existência
à maneira da víbora traiçoeira! Se eu pudesse haveria de esmaga-la com os meus
pés, mas hoje guardo uma fé religiosa, que me forra o coração contra a
violência..."
À medida, porém, que Anésia monologava intimamente em
termos de revide, a imagem projetada de longe abeirava-se dela com maior
intensidade, como que a corporificar-se no ambiente para infundir-lhe mais
amplo mal-estar.
A mulher que empolgava o espírito de Jovino ali surgia
agora visivelmente materializada aos nossos olhos.
E as duas, assumindo a posição de francas inimigas,
passaram à contenda mental.
Lembranças amargas, palavras duras, recíprocas
acusações.
A esposa atormentada passou a sentir desagradáveis
sensações orgânicas.
O sangue afluía-lhe com abundância à cabeça,
impondo-lhe aflitiva tensão cerebral.
Quanto mais se lhe dilatavam os pensamentos de revolta
e amargura, mais se lhe avultava o desequilíbrio físico.
Teonília afagou-a, carinhosa, e informou ao nosso
orientador:
- Há muitas semanas diariamente se repete o conflito.
Temo pela saúde de nossa companheira.
Áulus deu-se pressa em aplicar-lhe recursos magnéticos
de alívio e, desde então, as manifestações estranhas diminuíram até completa
cessação.
Efetivado o reajustamento relativo de Anésia e
percebendo-nos a curiosidade, o Assistente esclareceu:
- Jovino permanece atualmente sob imperiosa dominação
telepática, a que se rendeu facilmente, e, considerando-se que marido e mulher
respiram em regime de influência mútua, a atuação que o nosso amigo vem
sofrendo envolve Anésia, atingindo-a de modo lastimável, porquanto a pobrezinha
não tem sabido imunizar-se, com os benefícios do perdão incondicional.
Hilário, intrigado, perguntou:
- Examinamos, porém, um fenômeno comum?
- Intensamente generalizado. É a influenciação de
almas encarnadas entre si que, às vezes alcança o clima de perigosa obsessão.
Milhões de lares podem ser comparados a trincheiras de luta, em que pensamentos
guerreiam pensamentos, assumindo as mais diversas formas de angústias e
repulsão.
- E poderíamos enquadrar o assunto nos domínios da
mediunidade?
- Perfeitamente, cabendo-nos acrescentar ainda que o
fenômeno pertence à sintonia. Muitos processos de alienação mental guardam nele
as origens.
Muitas vezes, dentro do mesmo lar, da mesma família ou
da mesma instituição, adversários ferrenhos do passado se reencontram. Chamados
pela Esfera Superior ao reajuste, raramente conseguem superar a aversão de que
se veem possuídos, uns à frente dos outros, e alimentam com paixão, no imo de
si mesmos, os raios tóxicos da antipatia que, concentrados, se transformam em venenos
magnéticos, suscetíveis de provocar a enfermidade e a morte. Para isso, não
será necessário que a perseguição recíproca se expresse em contendas visíveis.
Bastam as vibrações silenciosas de crueldade e despeito, ódio e ciúme,
violência e desespero, as quais, alimentadas, de parte a parte, constituem
corrosivos destruidores.
Finda ligeira pausa, o Assistente continuou:
- O pensamento exterioriza-se e projeta-se, formando
imagens e sugestões que arremessa sobre os objetivos que se propõe atingir. Quando
benigno e edificante, ajusta-se às Leis que nos regem, criando harmonia e
felicidade, todavia, quando desequilibrado e deprimente, estabelece aflição e
ruína. A química mental vive na base de todas as transformações, porque
realmente evoluímos em profunda comunhão telepática com todos aqueles
encarnados ou desencarnados que se afinam conosco.
- E como solucionar o problema da antipatia contra
nós? - indagou meu companheiro com interesse.
Áulus sorriu e respondeu:
- A melhor maneira de extinguir o foco é recusar-lhe
combustível. A fraternidade operante será sempre o remédio eficaz, ante as
perturbações dessa natureza. Por isso mesmo, o Cristo aconselhava-nos o amor
aos adversários, o auxílio aos que nos perseguem e a oração pelos que nos caluniam,
como atitude indispensável à garantia de nossa paz e de nossa vitória.
Nesse instante, porém, Anésia consultara o relógio e
reerguera-se.
Vinte horas.
Era o momento preciso de suas preces junto da mãezinha
doente, e acompanhamo-la, atenciosos, a fim de igualmente orarmos.
Questões
para reflexão
(1) Nós já tivemos visto e considerado a realidade da
temática obsessiva em nossas vidas. Lembramos quais as causas que as geram?
(2) Invariavelmente temos a predisposição de fazer
rogativas a nossos guias espirituais para que nos favoreçam as disposições
naqueles momentos. Contudo, que poderão eles fazer?
(3) Muitas vezes, as dificuldades que enfrentamos têm
suas raízes em nosso ontem. Como reconheceremos essas probabilidades?
(4) Quais os elementos que delatam a manifestação da
influenciação espiritual perturbadora?
(5) Quando somos visitados por situações tão molestas,
pode a prece ser feita com bons resultados?
(6) Estabelecida a conexão mental entre os seres
afins, ela poderá manifestar-se de variadas formas. Neste caso o livro nos
assinala uma. Não pudendo ela ser perceptível com clareza porque ela toca
elementos peculiares de nós, como desvencilhar-se de sua influência?
(7) Pode a influência obsessiva estender-se ao Grupo
Familiar?
a - Como
empregar o conhecimento espírita em estes casos?
b - O
investimento pode alcançar ainda a parte física dos involucrados?
c - Por que a
influenciação se estende a os outros?
(8) Podemos esperar ser tocados por semelhante
fenômeno?
(9) Por que se faz necessário tomar em conta estas
situações?
(10) Qual o remédio mais eficaz para dissolver uma má
influencia?
(11) Analisemos a oração:
"Jovino
permanece atualmente sob imperiosa dominação telepática, a que se rendeu
facilmente, e, considerando-se que marido e mulher respiram em regime de
influência mútua, a atuação que o nosso amigo vem sofrendo envolve Anésia,
atingindo-a de modo lastimável, porquanto a pobrezinha não tem sabido
imunizar-se, com os benefícios do perdão
incondicional."
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