Cap. V
– Itens 11 a 13
Esquecimento do passado
Esquecimento do passado
11. Em vão se objeta que o esquecimento constitui
obstáculo a que se possa aproveitar da experiência de vidas anteriores. Havendo
Deus entendido de lançar um véu sobre o passado, é que há nisso vantagem. Com
efeito, a lembrança traria gravíssimos inconvenientes. Poderia, em certos
casos, humilhar-nos singularmente, ou, então, exaltar-nos o orgulho e, assim,
entravar o nosso livre-arbítrio. Em todas as circunstâncias, acarretaria
inevitável perturbação nas relações sociais.
Frequentemente, o Espírito renasce no mesmo meio em
que já viveu, estabelecendo de novo relações com as mesmas pessoas, a fim de
reparar o mal que lhes haja feito. Se reconhecesse nelas as a quem odiara,
quiçá o ódio se lhe despertaria outra vez no íntimo. De todo modo, ele se
sentiria humilhado em presença daquelas a quem houvesse ofendido.
Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente,
o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências
instintivas. Priva-nos do que nos seria prejudicial.
Ao nascer, traz o homem consigo o que adquiriu, nasce
qual se fez; em cada existência, tem um novo ponto de partida. Pouco lhe
importa saber o que foi antes: se se vê punido, é que praticou o mal. Suas
atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si próprio e é nisso
que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se haja
corrigido completamente, nenhum traço mais conservará. As boas resoluções que
tomou são a voz da consciência, advertindo-o do que é bem e do que é mal e
dando-lhe forças para resistir às tentações.
Aliás, o esquecimento ocorre apenas durante a vida
corpórea. Volvendo à vida espiritual, readquire o Espírito a lembrança do
passado; nada mais há, portanto, do que uma interrupção temporária, semelhante
à que se dá na vida terrestre durante o sono, a qual não obsta a que, no dia
seguinte, nos recordemos do que tenhamos feito na véspera e nos dias
precedentes.
E não é somente após a morte que o Espírito recobra a
lembrança dó passado. Pode dizer-se que jamais a perde, pois que, como a
experiência o demonstra, mesmo encarnado, adormecido o corpo, ocasião em que
goza de certa liberdade, o Espírito tem consciência de seus atos anteriores;
sabe por que sofre e que sofre com justiça. A lembrança unicamente se apaga no
curso da vida exterior, da vida de relação. Mas, na falta de uma recordação
exata, que lhe poderia ser penosa e prejudicá-lo nas suas relações sociais,
forças novas haure ele nesses instantes de emancipação da alma, se os sabe
aproveitar.
12. Por estas palavras: Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados, Jesus aponta a compensação que hão de ter os que
sofrem e a resignação que leva o padecente a bendizer do sofrimento, como
prelúdio da cura.
Também podem essas palavras ser traduzidas assim: Deveis
considerar-vos felizes por sofrerdes, visto que as dores deste mundo são o
pagamento da dívida que as vossas passadas faltas vos fizeram contrair;
suportadas pacientemente na Terra, essas dores vos poupam séculos de
sofrimentos na vida futura. Deveis, pois, sentir-vos felizes por reduzir Deus a
vossa dívida, permitindo que a saldeis agora, o que vos garantirá a tranquilidade
no porvir.
O homem que sofre assemelha-se a um devedor de
avultada soma, a quem o credor diz: "Se me pagares hoje mesmo a centésima
parte do teu débito, quitar-te-ei do restante e ficarás livre; se o não
fizeres, atormentar-te-ei, até que pagues a última parcela." Não se
sentiria feliz o devedor por suportar toda espécie de privações para se
libertar, pagando apenas a centésima parte do que deve? Em vez de se queixar do
seu credor, não lhe ficará agradecido?
Tal o sentido das palavras: "Bem-aventurados os
aflitos, pois que serão consolados." São ditosos, porque se quitam e
porque, depois de se haverem quitado, estarão livres. Se, porém, o homem, ao
quitar-se de um lado, endivida-se de outro, jamais poderá alcançar a sua
libertação. Ora, cada nova falta aumenta a dívida, porquanto nenhuma há,
qualquer que ela seja, que não acarrete forçosa e inevitavelmente uma punição.
Se não for hoje, será amanhã; se não for na vida atual, será noutra. Entre
essas faltas, cumpre se coloque na primeira fiada a carência de submissão à
vontade de Deus. Logo, se murmurarmos nas aflições, se não as aceitarmos com
resignação e como algo que devemos ter merecido, se acusarmos a Deus de ser
injusto, nova dívida contraímos, que nos faz perder o fruto que devíamos colher
do sofrimento. E por isso que teremos de recomeçar, absolutamente como se, a um
credor que nos atormente, pagássemos uma cota e a tomássemos de novo por
empréstimo.
Ao entrar no mundo dos Espíritos, o homem ainda está
como o operário que comparece no dia do pagamento. A uns dirá o Senhor:
"Aqui tens a paga dos teus dias de trabalho"; a outros, aos
venturosos da Terra, aos que hajam vivido na ociosidade, que tiverem feito
consistir a sua felicidade nas satisfações do amor-próprio e nos gozos
mundanos: "Nada vos toca, pois que recebestes na Terra o vosso salário.
Ide e recomeçai a tarefa."
13. O homem pode suavizar ou aumentar o amargor de
suas provas, conforme o modo por que encare a vida terrena. Tanto mais sofre
ele, quanto mais longa se lhe afigura a duração do sofrimento. Ora, aquele que
a encara pelo prisma da vida espiritual apanha, num golpe de vista, a vida
corpórea. Ele a vê como um ponto no infinito, compreende-lhe a curteza e
reconhece que esse penoso momento terá presto passado. A certeza de um próximo
futuro mais ditoso o sustenta e anima e, longe de se queixar, agradece ao Céu
as dores que o fazem avançar. Contrariamente, para aquele que apenas vê a vida
corpórea, interminável lhe parece esta, e a dor o oprime com todo o seu peso.
Daquela maneira de considerar a vida, resulta ser diminuída a importância das
coisas deste mundo, e sentir-se compelido o homem a moderar seus desejos, a contentar-se
com a sua posição, sem invejar a dos outros, a receber atenuada a impressão dos
reveses e das decepções que experimente. Dai tira ele uma calma e uma
resignação tão úteis à saúde do corpo quanto à da alma, ao passo que, com a
inveja, o ciúme e a ambição, voluntariamente se condena à tortura e aumenta as
misérias e as angústias da sua curta existência..
Questões para estudo
1 – Cite
inconvenientes da lembrança de experiências de vidas anteriores.
2 – Como pode
o homem suavizar o amargor de suas provas?
3 – Extraia do
texto acima a frase ou parágrafo que mais gostou e justifique.
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