quarta-feira, 29 de abril de 2015

Ação e Reação - Capítulo 3 - A intervenção na memória
(...)
De inesperado, outro colaborador veio até nós e pediu:
- Instrutor, rogo-lhe providências na solução do caso Jonas. Recolhemos agora um recado de nossos irmãos, cientificando-nos de que a reencarnação dele talvez seja frustrada em definitivo.
Pela primeira vez, notei que o dirigente da Mansão mostrou intensa preocupação no olhar. Patenteando enorme surpresa, indagou do emissário:
- Em que consiste o obstáculo?
- Cecina, a futura mãezinha, sentindo-lhe os fluidos grosseiros, nega-se a recebê-lo.
Estamos presenciando a quarta tentativa de aborto, no terceiro mês de gestação, e vimos fazendo o que é possível por mantê-la na dignidade maternal.
Druso esboçou no semblante um sinal de serena firmeza e acentuou:
- É inútil. A jovem mãe aceitá-lo-á, segundo os compromissos dela própria. Além disso, precisamos da internação de Jonas, no corpo físico, pelo menos durante sete anos terrestres. Tragam Cecina até aqui, ainda hoje, logo se entregue ao sono natural, para que possamos auxiliá-la com a necessária intervenção magnética.
Outros elementos de serviço vinham chegando e, faminto de esclarecimentos, qual me achava, procurei um recanto próximo, em companhia do Assistente Silas, a quem crivei de indagações em tom discreto, de modo a não perturbar o recinto.
(...)
- E aquele caso de reencarnação pendente? - ousei perguntar, respeitoso.
- A casa podia opinar com segurança na solução de semelhante assunto?
O interpelado sorriu, benevolente, e respondeu:
- Para que me faça compreendido, convém esclarecer que, se existem reencarnações ligadas aos planos superiores, temos aquelas que se enraízam diretamente nos planos inferiores. Se a penitenciária vigora entre os homens, em função da criminalidade corrente no mundo, o inferno existe, na Espiritualidade, em função da culpa nas consciências. E assim como já podemos contar na esfera carnal com uma justiça sinceramente interessada em auxiliar os delinqüentes na recuperação, através do livramento condicional e das prisões-escolas, organizadas pelas próprias autoridades que dirigem os tribunais humanos em nome das leis, aqui também os representantes do Amor Divino podem mobilizar recursos de misericórdia, beneficiando
Espíritos devedores, desde que se mostrem dignos do socorro que lhes abrevie o resgate e a regeneração.
- Quer dizer - exclamei - que, em boa lógica terrena, e utilizando-me de uma linguagem de que usaria um homem na experiência física, há reencarnações em perfeita conexão com os planos infernais...
- Sim. Como não? Valem como preciosas oportunidades de libertação dos círculos tenebrosos. E como tais renascimentos na carne não possuem senão característicos de trabalho expiatório, em muitas ocasiões são empreendimentos planejados e executados daqui mesmo, por benfeitores credenciados para agir e ajudar em nome do Senhor.
(...)
- Instrutor, depois de amainada a tormenta, voltou o assalto dos raios desintegrantes...
O orientador esboçou um gesto de preocupação e recomendou:
- Liguem as baterias de exaustão. Observaremos a defensiva, instalados na Agulha de Vigilância.
Em seguida, convidou-nos a acompanhá-lo.
Silas, Hilário e eu seguimo-lo sem hesitar.
Atravessamos vastíssimos corredores e largos salões, em sentido ascendente, até que começamos a subir de maneira direta.
O local conhecido por Agulha de Vigilância era uma torre, provida de escadaria helicoidal, algumas dezenas de metros acima do grande e complicado edifício.
No topo, descansamos em pequeno gabinete, em cujo recinto interessantes aparelhos nos facultaram a contemplação da paisagem exterior.
Assemelhavam-se a telescópios diminutos, que funcionavam como lançadores de raios que eliminavam o nevoeiro, permitindo-nos exata noção do ambiente constrangedor que nos cercava, povoado de criaturas  agressivas e exóticas, que fugiam, espavoridas, ante vasto grupo de entidades que manobravam curiosas máquinas à guisa de canhonetes.
- Estaremos assediados por um exército atacante?
- perguntei, intrigado.
- Isso mesmo - confirmou Druso, calmamente -, esses ataques, porém, são comuns. Com semelhante invasão, pretendem nossos irmãos infelizes deslocar nossa casa e levar-nos à inércia, a fim de senhorearem a região.
- E aquelas equipagens? que vêm a ser? - enunciou meu companheiro, assombrado.
- Podemos defini-las como canhões de bombardeio eletrônico - informou o orientador. - As descargas sobre nós são cuidadosamente estudadas, a fim de que nos atinjam sem erro na velocidade de arremesso.
- E se nos alcançassem? - perguntou meu colega.
- Decerto provocariam aqui fenômenos de desintegração, suscetíveis de conduzir-nos à ruína total, sem nos referirmos às perturbações que estabeleceriam em nossos irmãos doentes, ainda incapazes de qualquer esforço para a emigração, porque os raios desfechados contra nós contêm princípios de flagelação, que provocam as piores crises de pavor e loucura.
Não longe de nós, ruído soturno vibrava na atmosfera.
Tínhamos a impressão de que milhares de projéteis invisíveis cortavam o ar, violentamente, sibilando a reduzida distância e acabando em estalidos secos, a nos infundirem pavorosa impressão.
Talvez porque Hilário e eu demonstrássemos insofreável espanto, Druso ponderou, paternal:
- Estejamos tranquilos. Nossas barreiras de exaustão funcionam com eficiência.
E designou-nos ao olhar assustadiço longa muralha, constituída por milhares de hastes metálicas, cercando a cidadela em toda a extensão, qual se fosse larga série de para-raios habilmente dispostos.
(...)
- Os conflitos aqui são incessantes - disse-nos o orientador com dignidade serena -; no entanto, temos aprendido nesta Mansão que a paz não é conquista da inércia, mas sim fruto do equilíbrio entre a fé no Poder Divino e a confiança em nós mesmos, no serviço pela vitória do bem.
Nesse instante, porém, um servidor da casa penetrou no recinto e disse:
- Instrutor Druso, conforme as recomendações havidas, o doente recolhido na noite passada foi instalado no gabinete de socorro magnético, aguardando-lhe a intervenção.
(...)
O mentor infatigável convidou-nos a segui-lo, explicando que a operação em perspectiva poderia oferecer importantes elementos de estudo ao trabalho que nos propúnhamos realizar.
(...)
Para referir-nos com franqueza à criatura sob nossos olhos, cabe-nos afirmar que o aspecto do infeliz chegava a ser repelente, apesar dos cuidados de que já fora objeto.
Parecia sofrer inqualificável hipertrofia, mostrando braços e pernas enormes. Entretanto, onde o aumento volumétrico do instrumento perispirítico se fazia mais desagradável era justamente na máscara fisionômica, em que todos os traços se confundiam, qual se estivéssemos à frente de uma esfera estranha, à guisa de cabeça.
(...)
Fitei o irmão desventurado que se mantinha em funda prostração, qual enfermo em estado de coma, e, considerando os imperativos de nosso aprendizado, indaguei:
- Poderemos conhecer a razão da surpreendente deformidade sob nosso exame?
O orientador percebeu a essência construtiva de minha perquirição e respondeu:
- O fenômeno, todo ele, é de natureza espiritual.
Recorda-se você de que a dor no veículo físico é um acontecimento real no encéfalo, mas puramente imaginário no órgão que supõe experimentá-la. A mente, através das células cerebrais, registra a desarmonia corpórea, constrangendo a urdidura orgânica ao serviço, por vezes torturado e difícil, do reajuste. Aqui, também, o aspecto anormal, até monstruoso, resulta dos desequilíbrios dominantes na mente que, viciada por certas impressões ou vulcanizada pelo sofrimento, perde temporariamente o governo da forma, permitindo que os delicados tecidos do corpo perispirítico se perturbem, tumultuados, em condições anormais. Em tal situação, a alma pode cair sob o cativeiro de Inteligências perversas e daí procedem as ocorrências deploráveis pelas quais se despenha em transitória animalização por efeito hipnótico.
(...)
Logo após, o Assistente, Hilário e eu, de maneira instintiva, estabelecemos uma corrente de oração, sem prévia consulta, e nossas forças reunidas como que fortaleciam o Instrutor, que, demonstrando fisionomia  calma e otimista, passou a operar, magneticamente, aplicando passes dispersivos no companheiro em prostração.
O enfermo reagiu, com movimentação gradativa, qual se acordasse de longo sono.
(...)
Depois de nova intervenção do mentor sobre a glote, o infeliz descerrou as pálpebras e, mostrando os olhos esgazeados, começou a bramir:
- Socorro! socorro!... sou culpado, culpado!...
Não posso mais... Perdão! perdão!
Dirigindo-se a Druso, e tomando-o decerto por magistrado, exclamou:
- Senhor juiz, senhor juiz!... até que enfim, posso falar! Deixem-me falar!...
O dirigente da Mansão afagou-lhe a cabeça atormentada e replicou em tom amigo:
- Diga, diga o que deseja.
O rosto do asilado cobriu-se de lágrimas, entremostrando a superexcitação dos sonâmbulos que transformam a própria fraqueza em energia inesperada, e começou a falar, compungidamente:
- Sou Antônio Olímpio... o criminoso!... Contarei tudo. Em verdade, pequei, pequei... por isso é justo... que eu sofra no inferno... O fogo tortura minhalma sem consumi-la... E o remorso, bem sei...  Se eu soubesse, não teria... cometido a falta...  entretanto, não pude resistir à ambição...
Depois da morte de meu pai... vi-me obrigado... a partilhar nossa grande fazenda com meus dois irmãos mais novos...  Clarindo e Leonel... Trazia, porém, a cabeça... dominada de planos...
Pretendia converter a propriedade...  que eu administrava... em larga fonte de renda, contudo... a partilha me estorvava... Notei que os manos... tinham ideias diferentes das minhas... e comecei a maquinar o projeto que acabei... executando...
Uma crise de soluços embargou-lhe a voz, mas Druso, amparando-o magneticamente, insistiu:
- Continue, continue...
- Admiti - continuou o enfermo com acento mais firme - que somente poderia ser feliz, aniquilando meus irmãos e... quando o inventário estava prestes a decidir-se, convidei-os a passear comigo... de barco...  inspecionando grande lago de nosso sítio... Antes, porém, dei-lhes a beber um licor entorpecente... Calculei o tempo que a droga reclamaria para um efeito seguro e... quando a nossa conversação ia acesa... percebendo-lhes os sinais de fadiga... num gesto deliberado desequilibrei a embarcação, em conhecido trecho... onde as águas eram mais fundas... Ah! que calamidade inesquecível!... Ainda agora, escuto-lhes os brados arrepiantes de horror, implorando socorro... mas... de nervos dormentes... a breves minutos... encontraram a morte...
Nadei de consciência pesada, mas firme em meus aloucados propósitos... abordando a praia e clamando por auxílio... Com atitudes estudadas, pintei um imaginário acidente...
Foi assim que me apossei da fazenda inteira, legando-a, mais tarde, a Luis... o meu filho único... Fui um homem rico e tido por honesto...  O dinheiro granjeou-me considerações sociais e privilégios públicos que a política distribui com todos aqueles que se fazem vencedores no mundo... pela sagacidade e pela inteligência... De quando em quando... recordava meu crime... nuvem constante a sombrear-me a consciência... mas... em companhia de Alzira... a esposa inolvidável... procurava distrações e passeios que me tomassem a atenção... Nunca pude ser feliz...  Quando meu filho se fez jovem... minha mulher adoeceu gravemente... e da febre que a devorou por muitas semanas... passou à loucura... com a qual se afogou no lago... numa noite de horror. Viúvo... perguntava a mim mesmo se não estava sendo joguete... do fantasma de minhas vítimas... entretanto... temia todas as referências em torno da morte... e busquei simplesmente gozar a fortuna que era bem minha...
O infeliz entregou-se a larga pausa de repouso, diante de nossa expectativa, continuando, logo após:
- Ai de mim, porém!... Tão logo cerrei os olhos físicos... diante do sepulcro... não me valeram as preces pagas... porque meus irmãos que eu supunha mortos... se fizeram visíveis à minha frente... Transformados em vingadores, ladearam-me o túmulo...
Atiraram-me o crime em rosto... cobriram-me de impropérios e flagelaram-me sem compaixão... até que... talvez...  cansados de me espancarem... conduziram-me a tenebrosa furna... onde fui reduzido ao pesadelo em que me encontro... Em meu pensamento... vejo apenas o barco no crepúsculo sinistro... ouvindo os brados de minhas vítimas... que soluçam e gargalham estranhamente .  . . Ai de mim! . . . estou  preso à terrível embarcação...  sem que me possa desvencilhar... Quem me fará dormir ou morrer?...  Como se o término da confissão lhe trouxesse algum descanso, arrojou-se o doente a enorme apatia.
Druso enxugou-lhe o pranto, dirigiu-lhe palavras de consolo e carinho e recomendou ao Assistente recolhê-lo à enfermaria especializada e, em seguida, falou-nos, pensativo:
- Já sabemos o necessário para estabelecer um ponto de partida na tarefa assistencial.

Questões para estudo:
1 _ Porque estes espíritos tratados neste mesmo local não participam do processo de reencarnação nas esferas menos densas?

2 _ Estes espíritos em tratamento estão ligados a instituição lá existente ou estão ligados na esfera infernal?

3 _ Estas reencarnações ligadas a esta esfera são provisórias no sentido dos espíritos terem condições de subir a esferas superiores? Até que ponto isso ocorre?

4 _ Como estes trevosos conseguem tantas armas sofisticadas para atacar a instituição?

5 _ Porque os benfeitores ali os deixam soltos para assim atacarem constantemente a instituição?

6 _ No caso do assassino dos irmãos, o sentimento de culpa é bom ou ruim para a sua recuperação?

7 _ O não conhecimento da vida após a morte contribui para que as pessoas cometam erros?


8 _ O que vocês acharam do capítulo? Contem o que mais gostaram e o que mais chamou a atenção de vocês.

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