Ação e Reação - Capítulo 3 - A intervenção na memória
(...)
De inesperado,
outro colaborador veio até nós e pediu:
- Instrutor,
rogo-lhe providências na solução do caso Jonas. Recolhemos agora um recado de
nossos irmãos, cientificando-nos de que a reencarnação dele talvez seja
frustrada em definitivo.
Pela primeira
vez, notei que o dirigente da Mansão mostrou intensa preocupação no olhar.
Patenteando enorme surpresa, indagou do emissário:
- Em que
consiste o obstáculo?
- Cecina, a
futura mãezinha, sentindo-lhe os fluidos grosseiros, nega-se a recebê-lo.
Estamos
presenciando a quarta tentativa de aborto, no terceiro mês de gestação, e vimos
fazendo o que é possível por mantê-la na dignidade maternal.
Druso esboçou
no semblante um sinal de serena firmeza e acentuou:
- É inútil. A
jovem mãe aceitá-lo-á, segundo os compromissos dela própria. Além disso,
precisamos da internação de Jonas, no corpo físico, pelo menos durante sete
anos terrestres. Tragam Cecina até aqui, ainda hoje, logo se entregue ao sono
natural, para que possamos auxiliá-la com a necessária intervenção magnética.
Outros
elementos de serviço vinham chegando e, faminto de esclarecimentos, qual me
achava, procurei um recanto próximo, em companhia do Assistente Silas, a quem
crivei de indagações em tom discreto, de modo a não perturbar o recinto.
(...)
- E aquele
caso de reencarnação pendente? - ousei perguntar, respeitoso.
- A casa podia
opinar com segurança na solução de semelhante assunto?
O interpelado
sorriu, benevolente, e respondeu:
- Para que me
faça compreendido, convém esclarecer que, se existem reencarnações ligadas aos
planos superiores, temos aquelas que se enraízam diretamente nos planos
inferiores. Se a penitenciária vigora entre os homens, em função da
criminalidade corrente no mundo, o inferno existe, na Espiritualidade, em
função da culpa nas consciências. E assim como já podemos contar na esfera
carnal com uma justiça sinceramente interessada em auxiliar os delinqüentes na
recuperação, através do livramento condicional e das prisões-escolas,
organizadas pelas próprias autoridades que dirigem os tribunais humanos em nome
das leis, aqui também os representantes do Amor Divino podem mobilizar recursos
de misericórdia, beneficiando
Espíritos
devedores, desde que se mostrem dignos do socorro que lhes abrevie o resgate e
a regeneração.
- Quer dizer -
exclamei - que, em boa lógica terrena, e utilizando-me de uma linguagem de que
usaria um homem na experiência física, há reencarnações em perfeita conexão com
os planos infernais...
- Sim. Como
não? Valem como preciosas oportunidades de libertação dos círculos tenebrosos.
E como tais renascimentos na carne não possuem senão característicos de
trabalho expiatório, em muitas ocasiões são empreendimentos planejados e
executados daqui mesmo, por benfeitores credenciados para agir e ajudar em nome
do Senhor.
(...)
- Instrutor,
depois de amainada a tormenta, voltou o assalto dos raios desintegrantes...
O orientador
esboçou um gesto de preocupação e recomendou:
- Liguem as
baterias de exaustão. Observaremos a defensiva, instalados na Agulha de
Vigilância.
Em seguida,
convidou-nos a acompanhá-lo.
Silas, Hilário
e eu seguimo-lo sem hesitar.
Atravessamos
vastíssimos corredores e largos salões, em sentido ascendente, até que
começamos a subir de maneira direta.
O local
conhecido por Agulha de Vigilância era uma torre, provida de escadaria
helicoidal, algumas dezenas de metros acima do grande e complicado edifício.
No topo,
descansamos em pequeno gabinete, em cujo recinto interessantes aparelhos nos facultaram
a contemplação da paisagem exterior.
Assemelhavam-se
a telescópios diminutos, que funcionavam como lançadores de raios que
eliminavam o nevoeiro, permitindo-nos exata noção do ambiente constrangedor que
nos cercava, povoado de criaturas
agressivas e exóticas, que fugiam, espavoridas, ante vasto grupo de
entidades que manobravam curiosas máquinas à guisa de canhonetes.
- Estaremos
assediados por um exército atacante?
- perguntei,
intrigado.
- Isso mesmo -
confirmou Druso, calmamente -, esses ataques, porém, são comuns. Com semelhante
invasão, pretendem nossos irmãos infelizes deslocar nossa casa e levar-nos à
inércia, a fim de senhorearem a região.
- E aquelas
equipagens? que vêm a ser? - enunciou meu companheiro, assombrado.
- Podemos
defini-las como canhões de bombardeio eletrônico - informou o orientador. - As
descargas sobre nós são cuidadosamente estudadas, a fim de que nos atinjam sem
erro na velocidade de arremesso.
- E se nos
alcançassem? - perguntou meu colega.
- Decerto
provocariam aqui fenômenos de desintegração, suscetíveis de conduzir-nos à
ruína total, sem nos referirmos às perturbações que estabeleceriam em nossos
irmãos doentes, ainda incapazes de qualquer esforço para a emigração, porque os
raios desfechados contra nós contêm princípios de flagelação, que provocam as
piores crises de pavor e loucura.
Não longe de
nós, ruído soturno vibrava na atmosfera.
Tínhamos a
impressão de que milhares de projéteis invisíveis cortavam o ar, violentamente,
sibilando a reduzida distância e acabando em estalidos secos, a nos infundirem
pavorosa impressão.
Talvez porque
Hilário e eu demonstrássemos insofreável espanto, Druso ponderou, paternal:
- Estejamos
tranquilos. Nossas barreiras de exaustão funcionam com eficiência.
E designou-nos
ao olhar assustadiço longa muralha, constituída por milhares de hastes
metálicas, cercando a cidadela em toda a extensão, qual se fosse larga série de
para-raios habilmente dispostos.
(...)
- Os conflitos
aqui são incessantes - disse-nos o orientador com dignidade serena -; no
entanto, temos aprendido nesta Mansão que a paz não é conquista da inércia, mas
sim fruto do equilíbrio entre a fé no Poder Divino e a confiança em nós mesmos,
no serviço pela vitória do bem.
Nesse
instante, porém, um servidor da casa penetrou no recinto e disse:
- Instrutor
Druso, conforme as recomendações havidas, o doente recolhido na noite passada
foi instalado no gabinete de socorro magnético, aguardando-lhe a intervenção.
(...)
O mentor
infatigável convidou-nos a segui-lo, explicando que a operação em perspectiva
poderia oferecer importantes elementos de estudo ao trabalho que nos
propúnhamos realizar.
(...)
Para
referir-nos com franqueza à criatura sob nossos olhos, cabe-nos afirmar que o
aspecto do infeliz chegava a ser repelente, apesar dos cuidados de que já fora
objeto.
Parecia sofrer
inqualificável hipertrofia, mostrando braços e pernas enormes. Entretanto, onde
o aumento volumétrico do instrumento perispirítico se fazia mais desagradável
era justamente na máscara fisionômica, em que todos os traços se confundiam,
qual se estivéssemos à frente de uma esfera estranha, à guisa de cabeça.
(...)
Fitei o irmão
desventurado que se mantinha em funda prostração, qual enfermo em estado de
coma, e, considerando os imperativos de nosso aprendizado, indaguei:
- Poderemos
conhecer a razão da surpreendente deformidade sob nosso exame?
O orientador
percebeu a essência construtiva de minha perquirição e respondeu:
- O fenômeno,
todo ele, é de natureza espiritual.
Recorda-se
você de que a dor no veículo físico é um acontecimento real no encéfalo, mas
puramente imaginário no órgão que supõe experimentá-la. A mente, através das
células cerebrais, registra a desarmonia corpórea, constrangendo a urdidura
orgânica ao serviço, por vezes torturado e difícil, do reajuste. Aqui, também,
o aspecto anormal, até monstruoso, resulta dos desequilíbrios dominantes na
mente que, viciada por certas impressões ou vulcanizada pelo sofrimento, perde
temporariamente o governo da forma, permitindo que os delicados tecidos do
corpo perispirítico se perturbem, tumultuados, em condições anormais. Em tal
situação, a alma pode cair sob o cativeiro de Inteligências perversas e daí
procedem as ocorrências deploráveis pelas quais se despenha em transitória
animalização por efeito hipnótico.
(...)
Logo após, o
Assistente, Hilário e eu, de maneira instintiva, estabelecemos uma corrente de
oração, sem prévia consulta, e nossas forças reunidas como que fortaleciam o
Instrutor, que, demonstrando fisionomia
calma e otimista, passou a operar, magneticamente, aplicando passes
dispersivos no companheiro em prostração.
O enfermo
reagiu, com movimentação gradativa, qual se acordasse de longo sono.
(...)
Depois de nova
intervenção do mentor sobre a glote, o infeliz descerrou as pálpebras e,
mostrando os olhos esgazeados, começou a bramir:
- Socorro!
socorro!... sou culpado, culpado!...
Não posso
mais... Perdão! perdão!
Dirigindo-se a
Druso, e tomando-o decerto por magistrado, exclamou:
- Senhor juiz,
senhor juiz!... até que enfim, posso falar! Deixem-me falar!...
O dirigente da
Mansão afagou-lhe a cabeça atormentada e replicou em tom amigo:
- Diga, diga o
que deseja.
O rosto do
asilado cobriu-se de lágrimas, entremostrando a superexcitação dos sonâmbulos
que transformam a própria fraqueza em energia inesperada, e começou a falar,
compungidamente:
- Sou Antônio
Olímpio... o criminoso!... Contarei tudo. Em verdade, pequei, pequei... por
isso é justo... que eu sofra no inferno... O fogo tortura minhalma sem consumi-la...
E o remorso, bem sei... Se eu soubesse,
não teria... cometido a falta...
entretanto, não pude resistir à ambição...
Depois da
morte de meu pai... vi-me obrigado... a partilhar nossa grande fazenda com meus
dois irmãos mais novos... Clarindo e Leonel...
Trazia, porém, a cabeça... dominada de planos...
Pretendia
converter a propriedade... que eu
administrava... em larga fonte de renda, contudo... a partilha me estorvava...
Notei que os manos... tinham ideias diferentes das minhas... e comecei a maquinar
o projeto que acabei... executando...
Uma crise de
soluços embargou-lhe a voz, mas Druso, amparando-o magneticamente, insistiu:
- Continue,
continue...
- Admiti -
continuou o enfermo com acento mais firme - que somente poderia ser feliz,
aniquilando meus irmãos e... quando o inventário estava prestes a decidir-se,
convidei-os a passear comigo... de barco...
inspecionando grande lago de nosso sítio... Antes, porém, dei-lhes a
beber um licor entorpecente... Calculei o tempo que a droga reclamaria para um
efeito seguro e... quando a nossa conversação ia acesa... percebendo-lhes os
sinais de fadiga... num gesto deliberado desequilibrei a embarcação, em
conhecido trecho... onde as águas eram mais fundas... Ah! que calamidade
inesquecível!... Ainda agora, escuto-lhes os brados arrepiantes de horror,
implorando socorro... mas... de nervos dormentes... a breves minutos...
encontraram a morte...
Nadei de
consciência pesada, mas firme em meus aloucados propósitos... abordando a praia
e clamando por auxílio... Com atitudes estudadas, pintei um imaginário
acidente...
Foi assim que
me apossei da fazenda inteira, legando-a, mais tarde, a Luis... o meu filho
único... Fui um homem rico e tido por honesto... O dinheiro granjeou-me considerações sociais
e privilégios públicos que a política distribui com todos aqueles que se fazem
vencedores no mundo... pela sagacidade e pela inteligência... De quando em
quando... recordava meu crime... nuvem constante a sombrear-me a consciência...
mas... em companhia de Alzira... a esposa inolvidável... procurava distrações e
passeios que me tomassem a atenção... Nunca pude ser feliz... Quando meu filho se fez jovem... minha mulher
adoeceu gravemente... e da febre que a devorou por muitas semanas... passou à
loucura... com a qual se afogou no lago... numa noite de horror. Viúvo...
perguntava a mim mesmo se não estava sendo joguete... do fantasma de minhas
vítimas... entretanto... temia todas as referências em torno da morte... e
busquei simplesmente gozar a fortuna que era bem minha...
O infeliz
entregou-se a larga pausa de repouso, diante de nossa expectativa, continuando,
logo após:
- Ai de mim,
porém!... Tão logo cerrei os olhos físicos... diante do sepulcro... não me
valeram as preces pagas... porque meus irmãos que eu supunha mortos... se
fizeram visíveis à minha frente... Transformados em vingadores, ladearam-me o
túmulo...
Atiraram-me o
crime em rosto... cobriram-me de impropérios e flagelaram-me sem compaixão...
até que... talvez... cansados de me
espancarem... conduziram-me a tenebrosa furna... onde fui reduzido ao pesadelo
em que me encontro... Em meu pensamento... vejo apenas o barco no crepúsculo
sinistro... ouvindo os brados de minhas vítimas... que soluçam e gargalham
estranhamente . . . Ai de mim! . . .
estou preso à terrível
embarcação... sem que me possa
desvencilhar... Quem me fará dormir ou morrer?... Como se o término da confissão lhe trouxesse
algum descanso, arrojou-se o doente a enorme apatia.
Druso
enxugou-lhe o pranto, dirigiu-lhe palavras de consolo e carinho e recomendou ao
Assistente recolhê-lo à enfermaria especializada e, em seguida, falou-nos,
pensativo:
- Já sabemos o
necessário para estabelecer um ponto de partida na tarefa assistencial.
Questões para estudo:
1 _ Porque
estes espíritos tratados neste mesmo local não participam do processo de
reencarnação nas esferas menos densas?
2 _ Estes
espíritos em tratamento estão ligados a instituição lá existente ou estão
ligados na esfera infernal?
3 _ Estas
reencarnações ligadas a esta esfera são provisórias no sentido dos espíritos
terem condições de subir a esferas superiores? Até que ponto isso ocorre?
4 _ Como estes
trevosos conseguem tantas armas sofisticadas para atacar a instituição?
5 _ Porque os
benfeitores ali os deixam soltos para assim atacarem constantemente a
instituição?
6 _ No caso do
assassino dos irmãos, o sentimento de culpa é bom ou ruim para a sua
recuperação?
7 _ O não
conhecimento da vida após a morte contribui para que as pessoas cometam erros?
8 _ O que
vocês acharam do capítulo? Contem o que mais gostaram e o que mais chamou a
atenção de vocês.
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