Livro em
estudo: Nos domínios da mediunidade
Tema: Capítulo
6 - Psicofonia Consciente
Desdobravam-se
os serviços da casa, harmoniosamente. Três guardas espirituais entraram na
sala, conduzindo infeliz irmão ao socorro do grupo. Era infortunado solteirão
desencarnado que não guardava consciência da própria situação. Incapaz de
enxergar os vigilantes que o traziam, caminhava à maneira de um surdo-cego,
impelido por forças que não conseguia identificar.
— É um
desventurado obsessor, que acabam de remover do ambiente a que, desde muito
tempo, se ajusta — informou Áulus, compadecido. — Desencarnou em plena
vitalidade orgânica, depois de extenuar-se em festiva loucura. Letal
intoxicação cadaverizou-lhe o corpo, quando não possuía o menor sinal de
habilitação para conchegar-se às verdades do espírito.
E como
quem já conhecia as particularidades da prestação de socorro que, decerto, fora
antecipadamente preparada, continuou explicando:
—
Reparem. É alguém a movimentar-se nas trevas de si mesmo, trazido ao recinto
sem saber o rumo tomado pelos próprios pés, como qualquer alienado mental em
estado grave. Desenfaixando-se da veste de carne, com o pensamento enovelado a
paixão por irmã nossa, hoje torturada enferma que sintonizou com ele, a ponto
de retê-lo junto de si com aflições e lágrimas, passou a vampirizar-lhe o corpo.
A perda do veículo físico, na deficiência espiritual em que se achava, deixou-o
integralmente desarvorado, como náufrago dentro da noite. Entretanto,
adaptando-se ao organismo da mulher amada que passou a obsidiar, nela encontrou
novo instrumento de sensação, vendo por seus olhos, ouvindo por seus ouvidos,
muitas vezes falando por sua boca e vitalizando-se com os alimentos comuns por
ela utilizados. Nessa simbiose vivem ambos, há quase cinco anos sucessivos,
contudo, agora, a moça subnutrida e perturbada acusa desequilíbrios orgânicos
de vulto. Por haver a doente solicitado nosso concurso assistencial, somos
constrangidos a duplo socorro. Para que se cure das fobias que presentemente a
assaltam como reflexos da mente dele, que se vê apavorado diante das realidades
do espírito, é necessário o afastamento dos fluidos que a envolvem, assim como
a coluna, abalada pelo abraço constringente da hera, reclama limpeza em favor
do reajuste.
Nesse
ínterim, os condutores, obedecendo às determinações de Clementino, localizaram
o sofredor ao lado de Dona Eugênia. O mentor da casa aproximou-se dela e
aplicou-lhe forças magnéticas sobre o córtex cerebral, depois de arrojar vários
feixes de raios luminosos sobre extensa região da glote. Notamos que
Eugênia-alma afastou-se do corpo, mantendo-se junto dele, a distância de alguns
centímetros, enquanto que, amparado pelos amigos que o assistiam, o visitante
sentava-se rente, inclinando-se sobre o equipamento mediúnico ao qual se
justapunha, à maneira de 32 – Francisco Cândido Xavier (André Luiz)
alguém
a debruçar-se numa janela.
Ante o
quadro, recordei as operações do mundo vegetal, em que uma planta se desenvolve
à custa de outra, e compreendi que aquela associação poderia ser comparada a
sutil processo de enxertia neuropsíquica.
Suspiros
de alívio desprenderam-se do tórax mediúnico que, por instantes, se mostrara
algo agitado. Observei que leves fios brilhantes ligavam a fronte de Eugênia,
desligada do veículo físico, ao cérebro da entidade comunicante. Porque eu lhe
dirigisse um olhar de interrogação e estranheza, Áulus explicou, prestimoso:
— É o
fenômeno da psicofonia consciente ou trabalho dos médiuns falantes. Embora
senhoreando as forças de Eugênia, o hóspede enfermo do nosso plano permanece
controlado por ela, a quem se imana pela corrente nervosa, através da qual
estará nossa irmã informada de todas as palavras que ele mentalize e pretenda
dizer. Efetivamente apossa-se ele temporariamente do órgão vocal de nossa
amiga, apropriando-se de seu mundo sensório, conseguindo enxergar, ouvir e
raciocinar com algum equilíbrio, por intermédio das energias dela, mas Eugênia
comanda, firme, as rédeas da própria vontade, agindo qual se fosse enfermeira
concordando com os caprichos de um doente, no objetivo de auxiliá-lo. Esse capricho,
porém, deve ser limitado, porque, consciente de todas as intenções do
companheiro infortunado a quem empresta o seu carro físico, nossa amiga
reserva-se o direito de corrigi-lo em qualquer inconveniência. Pela corrente
nervosa, conhecer-lhe-á as palavras na formação, apreciando-as previamente, de
vez que os impulsos mentais dele lhe percutem sobre o pensamento sarnento como
verdadeiras marteladas. Pode, assim, frustrar-lhe qualquer abuso,
fiscalizando-lhe os propósitos e expressões, porque se trata de uma entidade
que lhe é inferior, pela perturbação e pelo sofrimento em que se encontra, e a
cujo nível não deve arremessar-se, se quiser ser-lhe útil, O Espírito em
turvação é um alienado mental, requisitando auxilio. Nas sessões de caridade,
qual a que presenciamos, o primeiro socorrista é o médium que o recebe, mas, se
esse socorrista cai no padrão vibratório do necessitado que lhe roga serviço,
há pouca esperança no amparo eficiente. O médium, pois, quando integrado nas
responsabilidades que esposa, tem o dever de colaborar na preservação da ordem
e da respeitabilidade na obra de assistência aos desencarnados, permitindo-lhes
a livre manifestação apenas até o ponto em que essa manifestação não colida com
a harmonia necessária ao conjunto e com a dignidade imprescindível ao recinto.
— Então
— alegou Hilário —, nesses trabalhos, o médium nunca se mantém a longa
distância do corpo...
— Sim,
sempre que o esforço se refira a entidades em desajuste, o medianeiro não deve
ausentar-se demasiado. Com um demente em casa, o afastamento é perigoso, mas se
nosso lar está custodiado por amigos cônscios de si, podemos excursionar até
muito longe, porquanto o nosso domicílio demorar-se-á guardado com segurança.
No concurso aos irmãos desequilibrados, nossa presença é imperativo dos mais
lógicos.
Fitou
Eugênia preocupada e vigilante, ao pé do enfermo que começava a falar, e
sentenciou:
— Se
preciso, nossa amiga poderá retomar o próprio corpo num átimo. Acham-se ambos
num consórcio momentâneo, em que o comunicante é a ação, mas no qual a médium
personifica a vontade. Em todos os campos de trabalho, é natural que o superior
seja responsável pela direção do inferior.
O
visitante passou a destra pela face num gesto de alívio e bradou, transformado:
— Vejo!
Vejo!.. Mas por que encantamento me prendem aqui? Que algemas me afivelam a
este móvel pesado?
E
acentuando a expressão de assombro, prosseguia:
— Qual
o objetivo desta assembleia em silêncio de funeral? Quem me trouxe? Quem me
trouxe?...
Vimos
que Eugênia, fora do veículo denso, escutava todas as palavras que lhe fluíam
da boca, transitoriamente ocupada pelo peregrino das sombras, arquivando-as, de
maneira automática, no centro da memória.
— O
sofredor — disse o Assistente, convicto —, ao contato das forças nervosas da
médium, revive os próprios sentidos e deslumbra-se. Queixa-se das cadeias que o
prendem, cadeias essas que em cinquenta por cem decorrem da contenção cautelosa
de Eugênia. Porta-se, dessa forma, como um doente controlado, qual se faz
imprescindível.
— E se
nossa irmã relaxasse a autoridade? — inquiriu Hilário, curioso.
— Não
estaria em condições de prestar-lhe benefícios concretos, porque então teria
descido ao desvairamento do mendigo de luz que nos propomos auxiliar — esclareceu
o nosso instrutor, com calma.
E numa
imagem feliz para ilustrar o assunto, ajuntou:
— Um
médium passivo, em tais circunstâncias, pode ser comparado à mesa de serviço
cirúrgico, retendo o enfermo necessitado de concurso médico. Se o móvel especializado
não possuísse firmeza e humildade, qualquer intervenção seria de todo
impossível.
— Mas
nossa amiga está enxergando, conscientemente, a entidade que se lhe associa ao
vaso carnal, com tanta clareza quanto nós? — perguntei por minha vez, atento
aos meus objetivos de aprendizado.
— No
caso de Eugênia, isso não acontece — elucidou Áulus, condescendente —, porque o
esforço dela na preservação das próprias energias e o interesse na prestação de
auxílio com todo o coeficiente de suas possibilidades não lhe permitem a
necessária concentração mental para surpreender-lhe a forma exterior.
Entretanto, reproduzem-se nela as aflições e os achaques do socorrido.
Sente-lhe a dor e a excitação, registrando-lhe o sofrimento e o mal-estar.
Ao
passo que se dilatava a nossa conversação, o comunicante gritava, contundente:
—
Estaremos, porventura, num tribunal? Por que uma recepção estranha quanto esta,
quando sou o importunado que comparece? A mim, Libório dos Santos, ninguém
ofende sem revide...
Como se
a consciência o torturasse, através de criações interiores que não nos era dado
perceber, vociferava, frenético:
— Quem
me acusa de haver espoliado minha mãe, lançando-a ao desamparo? Não sou culpado
pelas provações dos outros... Não estarei, acaso, mais doente que ela?...
Nessa
altura, Hilário fixou o obsessor, compadecidamente, e indagou, respeitoso:
— Não
serão os seus padecimentos simples angústia moral?
— Não
tanto assim — aclarou Áulus —; as crises morais de qualquer teor se nos
refletem até no veículo de manifestação. O beneficiário desta hora tem o
cérebro perispirítico dilacerado e a flagelação que lhe invade o corpo fluídico
é tão autêntica quanto a de um homem comum, supliciado por um tumor
intracraniano.
Demonstrando-se
sumamente interessado no estudo, Hilário acentuou:
— Se
fôssemos nós os companheiros encarnados, com sede de maiores conhecimentos da
vida espiritual, poderíamos submetê-lo a interrogatório minucioso? Estaria em
posição de identificar-se perfeitamente?
Áulus
abanou levemente a cabeça e considerou:
— Nas
condições em que se encontra, o cometimento não seria viável. Estamos abordando
apenas um problema de caridade, que se reveste, porém, da mais elevada
importância para a vida em si. Na hipótese de efetivarmos o tentame,
conseguiríamos tão-somente infrutuosa inquirição, endereçada a um alienado
mental, que, por algum tempo, ainda se mostrará lesado em expressivos centros
do raciocínio. Trazendo consigo a herança de uma existência desequilibrada e
fortemente atraído para a mulher que o ama e de quem se fez desabrido
perseguidor, a nada aspira, por agora, senão à vida parasitária, junto à irmã,
de cujas energias se alimenta. Envolve-a em fluidos enfermiços e nela se apóia,
assim como a trepadeira que se alastra e prolifera sobre um muro... Somando
tudo isso ao choque oriundo da morte, não temos o direito de esperar dele uma
experiência completa de identificação pessoal.
Enquanto
isso, Libório prosseguia, alucinado:
— Quem
poderá suportar esta situação? Alguém me hipnotiza? Quem me fiscaliza o
pensamento? Valerá restituir-me a visão, manietando-me os braços?
Fixando-o
com simpatia fraterna, o Assistente informou-nos:
—
Queixa-se ele do controle a que é submetido pela vontade cuidadosa de Eugênia.
Ruminando as indagações que nos esfervilhavam na alma, Hilário objetou:
—
Consciente a médium, qual se encontra, e ouvindo as frases do comunicante, que
lhe utiliza a boca assim vigiado por ela, é possível que Dona Eugênia seja
assaltada por grandes dúvidas... Não poderá ser induzida a admitir que as
palavras proferidas pertençam a ela mesma? Não sofrerá vacilações?
— Isso
é possível — concordou o Assistente —; no entanto, nossa irmã está habilitada a
perceber que as comoções e as palavras desta hora não lhe dizem respeito.
—
Mas... e se a dúvida a invadisse? — insistiu meu colega.
— Então
— disse Áulus, cortês —, emitiria da própria mente positiva recusa, expulsando
o comunicante e anulando preciosa oportunidade de serviço. A dúvida, nesse
caso, seria congelante faixa de forças negativas...
Todavia,
porque Raul Silva iniciara a conversação com o hóspede revoltado, o orientador
amigo convidou-nos a melhor observar.
Questões para estudo:
1) No
trecho “-Entretanto, adaptando-se ao organismo da mulher amada que passou a
obsidiar, nela encontrou novo instrumento de sensação, vendo por seus olhos,
ouvindo por seus ouvidos, muitas vezes falando por sua boca e vitalizando-se
com os alimentos comuns por ela utilizados.-“, verificamos que tipo de obsessão
segundo Kardec? Quais as suas características?
2) De que
maneira podemos nos defender das obsessões?
3) Neste
capítulo apresentou-se o fenômeno da psicofonia consciente. Como definimos os
médiuns falantes intuitivos?
4) Comente
as ações do espírito e as ações do médium na psicofonia consciente.
5) De que
forma um médium deve se preparar para agir com total controle nas manifestações
dos espíritos?
Leitura recomendadas:
Livro dos Médiuns _ caps. XIV (item 4), XVII, XVIII,
XIX, XX e XXIII _
Allan Kardec
Livro dos Espíritos _ cap. IX
Questões extraídas do site cvdee.org.br
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