Livro
em estudo: Nos domínios da mediunidade
Tema:
Capítulo 7 – Socorro Espiritual
Sob a
influência de Clementino, que o envolvia inteiramente, Silva levantara-se e
dirigia-se ao comunicante com bondade:
— Meu
amigo, tenhamos calma e roguemos o amparo divino!
— Estou
doente, desesperado...
— Sim,
todos somos enfermos, mas não nos cabe perder a confiança. Somos filhos de
Nosso Pai Celestial que é sempre pródigo de amor.
— É
padre?
— Não.
Sou seu irmão.
—
Mentira. Nem o conheço...
— Somos
uma só família, à frente de Deus.
O
interlocutor conturbado riu-se irônico e acentuou:
— Deve
ser algum sacerdote fanatizado para conversar nestes termos!..
A
paciência do doutrinador sensibilizava-nos. Não recebia Libório, qual se fora
defrontado por um habitante das sombras, suscetível de acordar-lhe qualquer
impulso de curiosidade menos digna. Ainda mesmo descontando o valioso concurso
do mentor que o acompanhava, Raul emitia de si mesmo sincera compaixão de
mistura com inequívoco interesse paternal. Acolhia o hóspede sem estranheza ou
irritação, como se o fizesse a um familiar que regressasse demente ao santuário
doméstico. Talvez por essa razão o obsessor a seu turno se revelava menos
agastadiço. Tão logo passou a entender-se, de algum modo, com o dirigente da
casa, observamos que Eugênia se revigorava no esforço assistencial que lhe
competia.
— Não
sou um ministro religioso — continuava Raul, imperturbável —, mas desejo me
aceite como seu amigo.
— Que
irrisão! Não existem amigos quando a miséria está conosco... Dos companheiros
que conheci, todos me abandonaram. Resta-me apenas Sara! Sara, que não
deixarei...
Fixou a
expressão de quem se detinha na lembrança da pessoa a quem se referira e
acrescentou com recalcada indignação:
—
Ignoro por que me entravam agora os passos. É inútil. Aliás, não sei a razão
pela qual me contenho. Um homem provocado, qual me vejo, decerto deveria
esbofeteá-los a todos... Afinal, que fazem aqui estes cavalheiros silenciosos e
estas mulheres mudas? Que pretendem de mim?
—
Estamos em prece por sua paz — falou Silva, com inflexão de bondade e carinho.
—
Grande novidade! Que há de comum entre nós? Devo-lhes algo?
— Pelo
contrário — exclamou o interlocutor, convicto —, nós somos quem lhe deve
atenção e assistência. Estamos numa instituição de serviço fraterno e é fora de
dúvida que, num hospital, a ninguém será lícito inquirir da luta particular
daqueles que lhe batem à porta, porque, antes de tudo, é dever da medicina e da
enfermagem a prestação de socorro às feridas que sangram.
Ante o
argumento enunciado com sinceridade e simpleza, o renitente sofredor pareceu
apaziguar-se ainda mais. Jatos de energia mental, partidos de Silva,
alcançavam-no agora em cheio, no tórax, como a lhe buscarem o coração. Libório
tentou falar, contudo, à maneira de um viajante que já não pode resistir à
aridez do deserto, comoveu-se diante da ternura daquele inesperado acolhimento,
a surgir-lhe por abençoada fonte de água fresca. Surpreendido, notou que a
palavra lhe falecia embargada na garganta.
Sob o
sábio comando de Clementino, falou o doutrinador com afetividade ardente:
—
Libório, meu irmão!
Essas
três palavras foram pronunciadas com tamanha inflexão de generosidade fraternal
que o hóspede não pôde sopitar o pranto que lhe subia do âmago.
Raul
avançou para ele, impondo-lhe as mãos, das quais jorrava luminoso fluxo
magnético, e convidou:
— Vamos
orar!
Findo
um minuto de silêncio, a voz do diretor da casa, sob a inspiração de
Clementino, suplicou enternecidamente:
—
Divino Mestre, lança compassivo olhar sobre a nossa família aqui reunida...
Viajores de muitas romagens, repousamos neste instante sob a árvore bendita da
prece e te imploramos amparo! Todos somos endividados para contigo, todos nos
achamos empenhados à tua bondade infinita, à maneira de servos insolventes para
com o senhor. Mas, rogando-te por nós todos, pedimos particularmente agora pelo
companheiro que, decerto, encaminhas ao nosso coração, qual se fora uma ovelha
que torna ao aprisco ou um irmão consanguíneo que volta ao Lar. Mestre, dá-nos
a alegria de recebê-lo de braços abertos. Sela-nos os lábios para que lhe não
perguntemos de onde vem e descerra-nos a alma para a ventura de tê-lo conosco
em paz. Inspira-nos a palavra a fim de que a imprudência não se imiscua em
nossa língua, aprofundando as chagas interiores do irmão, e ajuda-nos a
sustentar o respeito que lhe devemos... Senhor, estamos certos de que o acaso
não te preside às determinações! Teu amor, que nos reserva invariavelmente o
melhor, cada dia, aproxima-nos uns dos outros para o trabalho justo. Nossas
almas são fios da vida em tuas mãos! Ajusta-os para que obtenhamos do Alto o
favor de servir contigo! Nosso Libório é mais um irmão que chega de longe, de
recuados horizontes do passado... Ó Senhor, auxilia-nos para que ele não nos
encontre proferindo o teu nome em vão!...
O
visitante chorava. Via-se, porém, com clareza, que não eram as palavras a força
que o convencia, mas sim o sentimento irradiante com que eram estruturadas.
Raul Silva, sob a destra radiosa de Clementino, afigurava-se-nos aureolado de
intensa luz.
— Ó
Deus, que se passa comigo?... — conseguiu gritar Libório em lágrimas.
O irmão
Clementino fez breve sinal a um dos assessores de nosso plano, que
apressadamente acorreu, trazendo interessante peça que me pareceu uma tela de
gaze tenuíssima, com dispositivos especiais, medindo por inteiro um metro
quadrado, aproximadamente. O mentor espiritual da reunião manobrou pequena
chave num dos ângulos do aparelho e o tecido suave se cobriu de leve massa
fluídica, branquicenta e vibrátil.
Em
seguida, postou-se novamente ao pé de Silva, que, controlado por ele, disse ao
comunicante:
—
Lembre-se, meu amigo, lembre-se! Faça um apelo à memória! Veja à frente os
quadros que se desenrolarão aos nossos olhos!...
De
imediato, como se tivesse a atenção compulsoriamente atraída para a tela, o
visitante fixou-a e, desde esse momento, vimos com assombro que o retângulo
sensibilizado exibia variadas cenas de que o próprio Libório era o principal
protagonista.
Recebendo-as
mentalmente, Raul Silva passou a descrevê-las:
—
Observe, meu amigo! É noite. Ouve-se um burburinho de algazarra à distância...
Sua mãe velhinha chama-o à cabeceira e pede-lhe assistência... Está exausta...
Você é o filho que lhe resta... Derradeira esperança de flagelada vida. Único
arrimo... A pobre sente-se morrer. A dispneia martiriza-a... E o distúrbio
cardíaco pressagiando o fim do corpo... Tem medo. Declara-se receosa da
solidão, de vez que é sábado carnavalesco e os vizinhos se ausentaram na
direção dos centros festivos. Parece uma criança atemorizada... Contempla-o,
ansiosa, e roga-lhe que fique... Você responde que sairá tão-somente por alguns
minutos... o bastante para trazer-lhe a medicação necessária... Em seguida,
avança, rápido, para uma gaveta situada em aposento próximo e apropria-se do
único dinheiro de que a enferma dispõe, algumas centenas de cruzeiros, com que
você se julga habilitado a desfrutar as falsas alegrias do seu clube... Amigos
espirituais de seu lar abeiram-se de você, implorando socorro em favor da
doente, quase moribunda, mas você se mostra impermeável a qualquer pensamento
de compaixão... Dirige algumas palavras apressadas à enferma e sai para a rua.
Em plena via pública, imanta-se aos indesejáveis companheiros desencarnados com
os quais se afina... entidades turbulentas, hipnotizadas pelo vício, com as
quais você se arrasta ao prazer... Por três dias e quatro noites consecutivos,
entrega-se à loucura, com esquecimento de todas as obrigações... Somente na
madrugada de quarta-feira você volta estafado e semi-inconsciente... A
velhinha, socorrida por braços anônimos, não o reconhece mais... Aguarda,
resignadamente, a morte, enquanto você se encaminha para um quarto dos fundos,
na expectativa de conseguir um banho que o auxilie a refazer-se... Abre o gás e
senta-se por alguns minutos, experimentando a cabeça entontecida... O corpo
exige descanso, depois da louca folia... A fadiga surge, insopitável...
Desapercebe-se de si mesmo e dorme semiembriagado, perdendo a existência,
porque as emanações tóxicas lhe cadaverizam o coração... Na manhã clara de sol,
um rabecão leva-o ao necrotério, como simples suicida...
Nessa
altura, o interlocutor, como se voltasse de um pesadelo, bradou desesperado:
— Oh!
Esta é a verdade! A verdade! Onde está minha casa? Sara, Sara, quero minha mãe,
minha mãe!...
—
Acalme-se! — recomendou Raul, compadecido — nunca nos faltará o socorro divino!
Seu lar, meu amigo, cerrou-se com os seus olhos de carne e sua genitora, de
outras esferas, lhe estende os braços amorosos e santificantes.
O
comunicante, vencido, caiu em lágrimas. Tão grande lhe surgiu a crise emotiva
que o mentor espiritual do grupo se apressou a desligá-lo do equipamento
mediúnico, entregando-o aos vigilantes para que fosse convenientemente abrigado
em organização próxima. Libório, em fundo processo de transformação,
afastou-se, tornando Eugênia à posição normal. E porque a tela regressasse à
transparência do início, desfechei sobre o nosso orientador algumas indagações
improvisadas. Que função desempenhava aquele retângulo que eu ainda não
conhecia? Que cenas eram aquelas que se haviam desdobrado céleres sob a nossa
admiração?
—
Aquele aparelho — informou Áulus, gentil — é um ―condensador ectoplásmico‖. Tem a propriedade de concentrar em si os raios de
força
projetados pelos componentes da reunião, reproduzindo as imagens que fluem do pensamento da
entidade comunicante, não só para a nossa observação, mas também para a análise
do doutrinador, que as recebe em seu campo intuitivo, agora auxiliado pelas
energias magnéticas do nosso plano.
—
Evidentemente, a engrenagem de semelhante mecanismo deve ser maravilhosa! —
exclamou Hilário, sob forte impressão.
— Nada
de espanto — alegou o orientador —; o hóspede espiritual apenas contempla os
reflexos da mente de si mesmo, à maneira de pessoa que se examina, através de
um espelho.
— Mas,
se estamos à frente de um condensador de forças — considerei —, precisamos
concluir que o êxito do trabalho depende da colaboração de todos os componentes
do grupo...
— Exato
— confirmou o Assistente —, as energias ectoplásmicas são fornecidas pelo
conjunto dos companheiros encarnados, em favor de irmãos que ainda se encontram
semimaterializados nas faixas vibratórias da experiência física. Por isso
mesmo, Silva e Clementino necessitam do concurso geral para que a máquina do
serviço funcione tão harmoniosamente quanto seja possível. Pessoas que exteriorizem
sentimentos menos dignos, equivalentes a princípios envenenados nascidos das
viciações de variada espécie, perturbam enormemente as atividades dessa
natureza, porquanto arrojam no condensador as sombras de que se fazem veículo,
prejudicando a eficiência da assembleia e impedindo a visão perfeita da tela
por parte da entidade necessitada de compreensão e de luz.
Levava-nos
o assunto a diferentes inquirições, mas o nosso orientador lançou-nos um olhar
discreto, como a pedir-nos silêncio e atenção.
QUESTÕES PARA
O ESTUDO:
1 - Além da
dedicação do guia espiritual Clementino, o que foi determinante em Raul para
que Libórnio pudesse amenizar seu comportamento?
2 - Qual foi o
elemento principal para que as palavras "Libórnio, meu irmão!",
usadas por Raul, levasse Libórnio ao pranto?
3 - Que
procedimento deve ter um doutrinador diante de um comportamento rebelde de um
irmão obsessor?
4 - Podemos
afirmar que Libórnio praticou o suicídio, como foi suposto pelos que acharam
seu corpo inerte? Justifique.
5 - Que
máquina foi utilizada por Clementino, com a ajuda de Raul, para que Libórnio
tomasse conhecimento de seus últimos momentos da sua vida material? De que
forma ela funciona?
6 - Qual é o
fator importante para o êxito do seu funcionamento? Por quê?
Perguntas extraídas do site www.cvdee.org.br
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