Capítulo 17 - Serviço de Passes
Atravessamos
a porta e fomos defrontados por ambiente balsâmico e luminoso.
Um
cavalheiro maduro e uma senhora respeitável recolhiam apontamentos em pequeno
livro de notas, ladeados por entidades evidentemente vinculadas aos serviços de
cura. Indicando os dois médiuns, o Assistente informou:
—
São os nossos irmãos Clara e Henrique, em tarefa de assistência, orientados
pelos amigos que os dirigem.
—
Como compreender a atmosfera radiante em que nos banhamos? —
aventurou Hilário, curioso.
—
Nesta sala — explicou Áulus, amigavelmente — se reúnem sublimadas emanações mentais da maioria de
quantos se valem do socorro magnético, tomados de amor e confiança. Aqui
possuímos uma espécie de altar interior, formado pelos pensamentos, preces e
aspirações de quantos nos procuram trazendo o melhor de si mesmos.
Não
dispúnhamos, todavia, de muito tempo para a conversação isolada. Clara e
Henrique, agora em prece, nimbavam-se de luz. Dir-se-ia estavam quase
desligados do corpo denso, porque se mostravam espiritualmente mais livres, em
pleno contato com os benfeitores presentes, embora por si mesmos não no
pudessem avaliar. Calmos e seguros, pareciam haurir forças revigorantes na
intimidade de suas almas. Guardavam a ideia de que a oração lhes mantinha o
espírito em comunicação com invisível e profundo manancial de energia
silenciosa.
Ante
a porta ainda cerrada, acotovelavam-se pessoas aflitas e bulhentas, esperando o
término da preparação a que se confiavam. Os dois médiuns, porém,
afiguravam-se-nos espiritualmente distantes. Absortos, em companhia das
entidades irmãs, registravam-lhes as instruções, através dos recursos
intuitivos.
Pelas
irradiações da personalidade magnética de Henrique, reconhecia-se-lhe, de
imediato, a superioridade sobre a companheira. Era ele, dentre os dois, o ponto
dominante. Por isso, decerto, ao seu lado se achava o orientador espiritual
mais categorizado para a tarefa.
Áulus
abraçou-o e no-lo apresentou, gentil.
O
irmão Conrado, nosso novo amigo, enlaçou-nos acolhedor. Anunciou que o serviço
estaria à nossa disposição para os apontamentos que desejássemos. E o nosso instrutor,
colocando-nos à vontade, autorizou-nos dirigir a Conrado qualquer indagação que
nos ocorresse.
Hilário,
que nunca sopitava a própria espontaneidade, começou, como de hábito, a
inquirição, perguntando respeitosamente:
—
O amigo permanece frequentemente aqui?
—
Sim, tomamos sob nossa responsabilidade os serviços assistenciais da
instituição, em favor dos doentes, duas noites por semana.
—
Dos enfermos tão-somente encarnados?
—
Não é bem assim. Atendemos aos necessitados de qualquer procedência.
—
Conta com muitos cooperadores?
—
Integramos um quadro de auxiliares, de acordo com a organização estabelecida
pelos mentores da Esfera Superior.
—
Quer dizer que, numa casa como esta, há colaboradores espirituais devidamente
fichados, assim como ocorre a médicos e enfermeiros num hospital terrestre
comum?
—
Perfeitamente. Tanto entre os homens como entre nós, que ainda nos achamos
longe da perfeição espiritual, o êxito do trabalho reclama experiência,
horário, segurança e responsabilidade do servidor fiel aos compromissos
assumidos. A Lei não pode menosprezar as linhas da lógica.
—
E os médiuns? São invariavelmente os mesmos?
—
Sim, contudo, em casos de impedimento justo, podem ser substituídos, embora
nessas circunstâncias se verifiquem, inevitavelmente, pequenos prejuízos
resultantes de natural desajuste.
Meu
colega passeou o olhar inquieto pelos dois companheiros encarnados, em oração,
e continuou:
—
Preparam-se nossos amigos, à frente do trabalho, com o auxílio da prece?
—
Sem dúvida. A oração é prodigioso banho de forças, tal a vigorosa corrente
mental que atrai. Por ela, Clara e Henrique expulsam do próprio mundo interior
os sombrios remanescentes da atividade comum que trazem do círculo diário de
luta e sorvem do nosso plano as substâncias renovadoras de que se repletam, a
fim de conseguirem operar com eficiência, a favor do próximo. Desse modo,
ajudam e acabam por ser firmemente ajudados.
—
Isso significa que não precisam recear a sua exaustão...
—
De modo algum. Tanto quanto nós, não comparecem aqui com a pretensão de serem
os senhores do benefício, mas sim na condição de beneficiários que recebem para
dar. A oração, com o reconhecimento de nossa desvalia, coloca-nos na posição de
simples elos de uma cadeia de socorro, cuja orientação reside no Alto. Somos
nós aqui, neste recinto consagrado à missão evangélica, sob a inspiração de
Jesus, algo semelhante à singela tomada elétrica, dando passagem à força que
não nos pertence e que servirá na produção de energia e luz.
A
explicação não podia ser mais clara. E enquanto Hilário sorria satisfeito,
Conrado afagou os ombros de Henrique, como a recordar-lhe o horário
estabelecido, e o médium, apesar de não lhe assinalar o gesto no campo das
sensações físicas, obedeceu, de pronto, encaminhando-se para a porta e
descerrando-a aos sofredores.
Pequena
multidão de encarnados e desencarnados aglomerou-se à entrada, todavia,
companheiros da casa controlavam-lhes os movimentos. Conrado entregou-se ao
trabalho que lhe competia e, em razão disso, tornamos à intimidade do
Assistente.
Ambos
os médiuns atacaram a tarefa.
Enfermos
de variada expressão entravam esperançosos e retiravam-se, depois de atendidos,
com evidentes sinais de reconforto. Das mãos de Clara e Henrique irradiavam-se
luminosas chispas, comunicando-lhes vigor e refazimento. Na maioria dos casos,
não precisavam tocar o corpo dos pacientes, de modo direto. Os recursos
magnéticos, aplicados a reduzida distância, penetravam assim mesmo o ―halo vital‖
ou a aura dos doentes, provocando modificações subitâneas. Os passistas
afiguravam-se-nos como duas pilhas humanas deitando raios de espécie múltipla,
a lhes fluírem das mãos, depois de lhes percorrerem a cabeça, ao contato do
irmão Conrado e de seus colaboradores.
O
quadro era efetivamente fascinador pelos jogos de luz que apresentava.
Hilário
sondou o ambiente e, em seguida, indagou de nosso orientador:
—
Por que motivo a energia transmitida pelos amigos espirituais circula
primeiramente na cabeça dos médiuns?
—
Ainda aqui — disse Áulus —, não
podemos subestimar a importância da mente. O pensamento influi de maneira
decisiva, na doação de princípios curadores. Sem a ideia iluminada pela fé e
pela boa-vontade, o médium não conseguiria ligação com os Espíritos amigos que
atuam sobre essas bases.
—
Entretanto — ponderei —, há
pessoas tão bem dotadas de força magnética perfeitamente despreocupadas do
elemento moral!...
—
Sim — redarguiu o Assistente —,
refere-se você aos hipnotizadores comuns, muita vez portadores de energia
excepcional. Fazem belas demonstrações, impressionam, convencem, contudo,
movimentam-se na esfera de puro fenômeno, sem aplicações edificantes no campo
da espiritualidade. É imperioso não esquecer, André, que o potencial magnético
é peculiar a todos, com expressões que se graduam ao infinito.
—
Mas semelhantes profissionais podem igualmente curar! —
frisou meu companheiro, completando-me as observações.
—
Sim, podem curar, mas acidentalmente, quando o enfermo é credor de assistência espiritual
imediata, com a intervenção de amigos que o favorecem. Fora disso, os que
abusam dessa fonte de energia, explorando-a a seu bel-prazer, quase sempre
resvalam para a desmoralização de si mesmos, porque interferindo num campo de
forças que lhes é desconhecido, guiados tão-somente pela vaidade ou pela
ambição inferior, fatalmente encontram entidades que com eles se afinam,
precipitando-se em difíceis situações que não vêm à baila comentar. Se não
possuem um caráter elevado, suscetível de opor um dique à influenciação
viciosa, acabam vampirizados por energias mais acentuadas que as deles,
porquanto, se considerarmos o assunto apenas sob o ponto de vista da força,
somos constrangidos a reconhecer que há imenso número de vigorosos
hipnotizadores espirituais, nas linhas atormentadas da ignorância e da
crueldade, de onde se originam os mais aflitivos processos de obsessão.
E,
sorrindo, acrescentou:
—
Recordemos a Natureza. A serpente é um dos maiores detentores de poder
hipnótico.
—
Então — disse Hilário —, para
curar, serão indispensáveis certas atitudes do espírito...
—
Indiscutivelmente não prescindimos do coração nobre e da mente pura, no
exercício do amor, da humildade e da fé viva, para que os raios do poder divino
encontrem acesso e passagem por nós, a benefício dos outros. Para a sustentação
de um serviço metódico de cura, isso é indispensável.
—
Entretanto, para o esforço desse tipo precisaremos de pessoas escolhidas, com a
obrigação de efetuarem estudos especiais?
—
Importa ponderar — disse Áulus, convicto — que em qualquer setor de trabalho a ausência de estudo
significa estagnação. Esse ou aquele cooperador que desistam de aprender,
incorporando novos conhecimentos, condenam-se fatalmente às atividades de
subnível, todavia, em se tratando do socorro magnético, tal qual é administrado
aqui, convém lembrar que a tarefa é de solidariedade pura, com ardente desejo
de ajudar, sob a invocação da prece. E toda oração, filha da sinceridade e do
dever bem cumprido, com respeitabilidade moral e limpeza de sentimentos,
permanece tocada de incomensurável poder. Analisada a questão nestes termos,
todas as pessoas dignas e fervorosas, com o auxílio da prece, podem conquistar
a simpatia de veneráveis magnetizadores do Plano Espiritual, que passam, assim,
a mobilizá-las na extensão do bem. Não nos achamos à frente do hipnotismo
espetacular, mas sim num gabinete de cura, em que os médiuns transmitem os
benefícios que recolhem, sem a presunção de doá-los de si mesmos. É importante
não esquecer essa verdade para deixarmos bem claro que, onde surjam a humildade
e o amor, o amparo divino é seguro e imediato. O ministério da cura, porém, a
desdobrar-se eficiente e pacífico, reclamava-nos atenção.
Os
doentes entravam dois a dois, sendo carinhosamente atendidos por Clara e
Henrique, sob a providencial assistência de Conrado e seus colaboradores.
Obsidiados ganhavam ingresso no recinto, acompanhados de frios verdugos, no
entanto, com o toque dos médiuns sobre a região cortical, depressa se
desligavam, postando-se, porém, nas vizinhanças, como que à espera das vítimas,
com a maioria das quais se reacomodavam, de pronto.
Alinhando
apontamentos, começamos a reparar que alguns enfermos não alcançavam a mais
leve melhoria. As irradiações magnéticas não lhes penetravam o veículo
orgânico. Registrando o fenômeno, a pergunta de Hilário não se fez esperar.
—
Por quê? — Falta-lhes o estado de confiança — esclareceu o orientador.
—
Será, então, indispensável a fé para que registrem o socorro de que necessitam?
—
Ah! Sim. Em fotografia precisamos da chapa impressionável para deter a imagem,
tanto quanto em eletricidade carecemos do fio sensível para a transmissão da
luz. No terreno das vantagens espirituais, é imprescindível que o candidato
apresente uma certa ―tensão favorável‖.
Essa tensão decorre da fé. Certo, não nos reportamos ao fanatismo religioso ou
à cegueira da ignorância, mas sim à atitude de segurança íntima, com reverência
e submissão, diante das Leis Divinas, em cuja sabedoria e amor procuramos
arrimo. Sem recolhimento e respeito na receptividade, não conseguimos fixar os
recursos imponderáveis que funcionam em nosso favor, porque o escárnio e a
dureza de coração podem ser comparados a espessas camadas do gelo sobre o
templo da alma.
A
lição fora simples e bela. Hilário calou-se, talvez para refletir sobre ela, em
silêncio.
Sem
descurar dos nossos objetivos de estudo, Áulus considerou a conveniência de
nosso contato direto com o serviço em ação. Seria interessante para nós a
auscultação de algum dos casos em foco. Para isso, aproximou-se de idosa
matrona que acabava de entrar, à cata de auxilio e, com permissão de Conrado,
convidou-nos a examiná-la com cuidado possível.
A
senhora, aguardando o concurso de Clara, sustentava-se dificilmente de pé, com
o ventre volumoso e o semblante dolorido.
—
Observem o fígado!
Utilizamo-nos
dos recursos ao nosso alcance passamos a analisar. Realmente, o órgão
mencionado demonstrava a dilatação característica das pessoas que sofrem de
insuficiência cardíaca. As células hepáticas pareceram-me vasta colmeia,
trabalhando sob enorme perturbação. A vesícula congestionada impeliu-me a
imediata inspeção do intestino. A bile comprimida atingira os vasos e assaltava
o sangue. O colédoco interdito facilitava o diagnóstico. Ligeiro exame da conjuntiva
ocular confirmava-me a impressão. A icterícia mostrava-se insofismável.
Após
ouvir-me, Conrado reafirmou:
—
Sim, é uma icterícia complicada. Nasceu de terrível acesso de cólera, em que
nossa amiga se envolveu no reduto doméstico. Rendendo-se, desarvorada, à
irritação, adquiriu renitente hepatite, da qual a icterícia é a consequência.
—
E como será socorrida?
Conrado,
impondo a destra sobre a fronte da médium, comunicou-lhe radiosa corrente de
forças e inspirou-a a movimentar as mãos sobre a doente, desde a cabeça até o
fígado enfermo. Notamos que o córtex encefálico se revestiu de substância
luminosa que, descendo em fios tenuíssimos, alcançou o campo visceral.
A
senhora exibiu inequívoca expressão de alívio, na expressão fisionômica,
retirando-se visivelmente satisfeita, depois de prometer que voltaria ao
tratamento. Hilário fixou os olhos interrogadores no Assistente que nos
acompanhava, solícito, e indagou:
—
Nossa irmã estará curada?
—
Isso é impossível — acentuou Áulus, paternal —; temos aí órgãos e vasos comprometidos. O tempo não pode
ser desprezado na solução.
—
E em que bases se articula semelhante processo de curar?
—
O passe é uma transfusão de energias, alterando o campo celular. Vocês sabem
que na própria ciência humana de hoje o átomo não é mais o tijolo indivisível
da matéria que, antes dele, encontram-se as linhas de força, aglutinando os
princípios subatômicos, e que, antes desses princípios, surge a vida mental
determinante... Tudo é espírito no santuário da Natureza. Renovemos o
pensamento e tudo se modificará conosco. Na assistência magnética, os recursos
espirituais se entrosam entre a emissão e a recepção, ajudando a criatura
necessitada para que ela ajude a si mesma. A mente reanimada reergue as vidas
microscópicas que a servem, no templo do corpo, edificando valiosas
reconstruções. O passe, como reconhecemos, é importante contribuição para quem
saiba recebê-lo, com o respeito e a confiança que o valorizam.
—
E pode, acaso, ser dispensado à distância?
—
Sim, desde que haja sintonia entre aquele que o administra e aquele que o
recebe. Nesse caso, diversos companheiros espirituais se ajustam no trabalho do
auxílio, favorecendo a realização, e a prece silenciosa será o melhor veículo
da força curadora. O serviço, em torno, prosseguia intenso.
Áulus
considerou que a nossa presença talvez sobrecarregasse as preocupações de
Conrado, e que não seria lícito permanecer junto dele por mais tempo, já que
havíamos recolhido os apontamentos rápidos que nos propúnhamos obter e, à vista
disso, despedimo-nos do supervisor, buscando o salão central para a
continuidade de nossas abençoadas lições.
QUESTÕES PARA ESTUDO
1) Qual a importância da prece antes de se iniciar o
serviço de passe?
2) E do estudo?
3) De acordo com a narrativa de André Luiz, quais os
requisitos que o trabalhador passista deve atender?
4) E quanto ao beneficiário do passe? Que requisitos são
necessários para se obter o resultado esperado?
5) Que lições podemos extrair do caso da senhora que sofria
de icterícia?
6) Como se processa a cura mediante o tratamento de passe?
7) Enfim, como podemos conceituar o passe magnético?
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