Capítulo
18 - Apontamentos à Margem
Dona Ambrosina
continuava psicografando várias mensagens, endereçadas aos presentes. E um dos
oradores, sob a influência de benigno mentor da Espiritualidade, salientava a
necessidade de conformação com as Leis Divinas para que a nossa vida mental se
refaça, fazendo jus a bênçãos renovadoras. Alguns encarnados jaziam
impermeáveis e sonolentos, vampirizados por obsessores caprichosos que os
acompanhavam de perto, entretanto, muitos desencarnados de mediana compreensão
ouviam, solícitos, e sinceramente aplicados ao ensino consolador.
Gabriel, de olhos
percucientes e lúcidos, a tudo presidia com firmeza. Nenhuma ocorrência, por
mínima que fosse, lhe escapava à percepção. Aqui, a um leve sinal seu,
entidades escarnecedoras eram exortadas à renovação de atitude, ali,
socorriam-se doentes que ele indicava com silencioso gesto de recomendação. Era
o pulso de comando, forte e seguro, sustentando a harmonia e a ordem, na
exaltação do trabalho.
Contemplamos a
mesa enorme em que a direção se processava com equilíbrio irrepreensível e,
fitando a médium, rodeada de apetrechos do serviço, em atividade constante,
Hilário perguntou ao nosso orientador:
— Por que tantas
mensagens pessoais dos Espíritos amigos?
— São respostas
reconfortantes a companheiros que lhes solicitam assistência e consolo.
— E essas
respostas — continuou meu colega — traduzem equação definitiva para os
problemas que expõem?
— Isso não —
aclarou o Assistente, convicto —; entre o auxílio e a solução vai sempre alguma
distância em qualquer dificuldade, e não podemos esquecer que cada um de nós
possui os seus próprios enigmas.
— Se é assim, por
que motivo o intercâmbio? Se os desencarnados não podem oferecer uma conclusão
pacífica aos tormentos dos irmãos que ainda se demoram na carne, por que a
porta aberta entre eles e nós?
— Não te esqueças
do impositivo da cooperação na estrada de cada ser — disse Áulus com grave
entono. — Na vida eterna, a existência no corpo físico, por mais longa, é
sempre curto período de aprendizagem. E não nos cabe olvidar que a Terra é o
campo onde ferimos a nossa batalha evolutiva. Dentro dos princípios de causa e
efeito, adquirimos os valores da experiência com que estruturamos a nossa
individualidade para as Esferas Superiores. A mente, em verdade, é o caminheiro
buscando a meta da angelitude, contudo, não avançará sem auxílio. Ninguém vive
só. Os pretensos mortos precisam amparar os companheiros em estágio na matéria
densa, porquanto em grande número serão compelidos a novos mergulhos na
experiência carnal. É da Lei que a sabedoria socorra a ignorância, que os
melhores ajudem aos menos bons. Os homens, cooperando com os Espíritos
esclarecidos e benevolentes, atraem simpatias preciosas para a vida espiritual,
e as entidades amigas, auxiliando os reencarnados, estarão construindo
facilidades para o dia de amanhã, quando de volta à lide terrestre.
— Sim, sim,
compreendo... — exclamou Hilário, reconhecido. — Entretanto, colocando-me na
situação da criatura vulgar, recordo-me de que no mundo habituamo-nos a esperar
do Céu uma solução decisiva e absoluta para inúmeros problemas que se nos
deparam...
— Semelhante
atitude, porém — acentuou o orientador —, decorre de antiga viciação mental no
Planeta. Para maior clareza do assunto, rememoremos a exemplificação do Divino
Mestre. Jesus, o Governador Espiritual do Mundo, auxiliou a doentes e aflitos,
sem retirá-los das questões fundamentais que lhes diziam respeito. Zaqueu, o
rico prestigiado pela visita que lhe foi feita, sentiu-se constrangido a
modificar a sua conduta. Maria de Magdala, que lhe recebeu carinhosa atenção,
não ficou livre do dever de sustentar-se no árduo combate da renovação
interior. Lázaro, reerguido das trevas do sepulcro, não foi exonerado da
obrigação de aceitar, mais tarde, o desafio da morte. Paulo de Tarso foi por
Ele distinguido com um apelo pessoal, às portas de Damasco, entretanto, por
isso, o apóstolo não obteve dispensa dos sacrifícios que lhe cabiam no
desempenho da nova missão. Segundo reconhecemos, seria ilógico aguardar dos
desencarnados a liquidação total das lutas humanas. Isso significaria furtar o
trabalho que corresponde ao sustento do servidor, ou subtrair a lição ao aluno
necessitado de luz.
A essa altura, não
longe de nós, simpática senhora monologava em pensamento:
— Meu filho! Meu
filho! Se você não está morto, visite-me! Venha! Venha! Estou morrendo de
saudade, de angústia!... Fale-me alguma palavra pela qual nos entendamos... Se
tudo não está acabado, aproxime-se da médium e comunique-se! É impossível que
você não tenha piedade...
As frases amargas,
embora inarticuladas, atingiam-nos a audição, qual se fossem arremessadas ao
ambiente em voz abafadiça. Leve rumor à retaguarda feriu-nos a atenção. Um
rapaz desencarnado apresentou-se em lastimáveis condições e avançou para a
triste mulher, dominado por invencível atração.
Da boca
amarfanhada escorria a amargura em forma de palavras comovedoras.
— Mãe! Mãe! —
gritava de joelhos, qual se fora atormentada criança, conchegando-se-lhe ao
regaço — não me abandone!... Estou aqui, ouça-me! Não morri... Perdoe-me,
perdoe-me!... Sou um renegado, um náufrago!... Busquei a morte quando eu
deveria viver para o seu carinho! Agora sim! Vejo o sofrimento de perto e
desejaria aniquilar-me para sempre, tal a vergonha que me aflige o coração!...
A matrona não lhe
via a figura agoniada, contudo, registrava-lhe a presença, através de
intraduzível ansiedade, a constringir-lhe o peito. Dois vigilantes
aproximaram-se, arrebatando o moço ao colo materno, e, ladeando por nossa vez o
Assistente, que se deu pressa em socorrer a senhora em lágrimas, ouvimo-la
clamar, mentalmente:
―Não será melhor
segui-lo? Morrer e descansar!... Meu filho, quero meu filho!...
Áulus aplicou-lhe
recursos magnéticos, com o que a desventurada criatura experimentou grande
alívio, e, em seguida, informou:
— Anotemos o caso
desta pobre mãe desarvorada. O filho suicidou-se, há meses, e ainda não
consegue forrar-se à flagelação Intima. Em sua devoção afetiva, reclama-lhe a
manifestação pessoal sem saber o que pede, porque a chocante posição do rapaz
constituir-lhe-ia pavoroso martírio. Não poderá, desse modo, recolher-lhe a
palavra direta, entretanto, ao contato do trabalho espiritual que aqui se
processa, incorporará energias novas para refazer-se gradualmente.
— Decerto —
acrescentou Hilário, com inteligência —, não terá resolvido o problema crucial
da sensibilidade ferida, no entanto, adquire forças para recuperar-se...
— Isso mesmo. —
Aliás — considerei a meu modo —, a mediunidade de hoje é, na essência, a
profecia das religiões de todos os tempos.
— Sim — aprovou
Áulus, prestimoso —, com a diferença de que a mediunidade hoje é uma concessão
do Senhor à Humanidade em geral, considerando-se a madureza do entendimento
humano, à frente da vida, O fenômeno mediúnico não é novo. Nova é tão-somente a
forma de mobilização dele, porque o sacerdócio de várias procedências jaz, há
muitos séculos, detido nos espetáculos do culto exterior, mumificando
indebitamente o corpo das revelações celestiais. Notadamente o Cristianismo,
que deveria ser a mais ampla e a mais simples das escolas de fé, há muito tempo
como que se enquistou no superficialismo dos templos. Era preciso, pois,
libertar-lhe os princípios, a benefício do mundo que, cientificamente, hoje se
banha no clarão de nova era. Por esse motivo, o Governo oculto do Planeta
deliberou que a mediunidade fosse trazida do colégio sacerdotal à praça
pública, a fim de que a noção da eternidade, através da sobrevivência da alma,
desperte a mente anestesiada do povo.
―É assim que Jesus
nos reaparece, agora, não como fundador de ritos e fronteiras dogmáticas, mas
sim em sua verdadeira feição de Redentor da Alma Humana. Instrumento de Deus
por excelência, Ele se utilizou da mediunidade para acender a luz da sua
Doutrina de Amor. Restaurando enfermos e pacificando aflitos, em muitas
ocasiões esteve em contato com os chamados mortos, alguns dos quais não eram
senão almas sofredoras a vampirizarem obsidiados de diversos matizes. E, além
de surgir em colóquio com Moisés materializado no Tabor, Ele mesmo é o grande
ressuscitado, legando aos homens o sepulcro vazio e acompanhando os discípulos
com acendrado amor, para que lhe continuassem o apostolado de bênçãos.‖
Hilário esboçou o
sorriso de um estudante satisfeito com a lição, e exclamou:
— Ah! Sim, tenho a
impressão de começar a compreender...
Os trabalhos da
reunião tocavam a fase terminal. Nosso orientador percebeu que Gabriel se
dispunha a grafar a mensagem do encerramento e, respeitoso, pediu-lhe cunhar
alguns conceitos em derredor da mediunidade, ao que o supervisor aquiesceu,
gentil.
Dona Ambrosina
entrara em pausa ligeira para alguns momentos de recuperação. O diretor da
reunião rogou silêncio para o remate dos serviços, e, tão logo reverente
quietação se fez na assembleia, o condutor da casa controlou o cérebro da
medianeira e tomou-lhe o braço, escrevendo aceleradamente.
Em minutos
rápidos, os apontamentos de Gabriel estavam concluídos. A médium levantou-se e
passou a lê-los em voz alta:
— ―Meus amigos —
dizia o mentor —, é indispensável procurar na mediunidade não a chave falsa
para certos arranjos inadequados na Terra, mas sim o caminho direito de nosso
ajustamento à vida superior.
―Compreendendo
assim a verdade, é necessário renovar a nossa conceituação de médium, para que
não venhamos a transformar companheiros de ideal e de luta em oráculos e
adivinhos, com esquecimento de nossos deveres na elevação própria.
―O Espiritismo,
simbolicamente, é Jesus que retorna ao mundo, convidando-nos ao aperfeiçoamento
individual, por intermédio do trabalho construtivo e incessante.
―Dentro das leis
da cooperação, será justo aceitar o braço amigo que se nos oferece para a
jornada salvadora, entretanto é imprescindível não esquecer que cada qual de
nós transporta consigo questões essenciais e necessidades intransferíveis.
―Desencarnados e
encarnados, todos palmilhamos extenso campo de experimentações e de provas,
condizentes com os impositivos de nosso crescimento para a imortalidade.
―Não atribuamos,
assim, ao médium obrigações que nos competem, em caráter exclusivo, e nem
aguardemos da mediunidade funções milagreiras, porquanto só a nós cabe o
serviço árduo da própria ascensão, na pauta das responsabilidades que o
conhecimento superior nos impõe.
―Diante de nossas
assertivas, podereis talvez indagar, segundo os velhos hábitos que nos
caracterizam a preguiça mental na Terra: — Se o Espiritismo e a Mediunidade não
nos solucionam os enigmas de maneira absoluta, que estarão ambos fazendo no
santuário religioso da Humanidade?
―Responder-vos-emos,
todavia, que neles reencontramos o pensamento puro do Cristo, auxiliando-nos a
compreensão para mais amplo discernimento da realidade. Neles recolhemos exatos
informes, quanto à lei das compensações, equacionando aflitivos problemas do
ser, do destino e da dor e deixando-nos perceber, de alguma sorte, as infinitas
dimensões para as quais evolvemos. E a eles deveremos, acima de tudo, a luz
para vencer os tenebrosos labirintos da morte, a fim de que nos consorciemos,
afinal, com as legítimas noções da consciência cósmica.
―Alcançadas
semelhantes fórmulas de raciocínio, perguntaremos a vós outros por nossa vez: —
Acreditais seja pouco revelar a excelsitude da Justiça? Admitis seja
desprezível descortinar a vida em suas ilimitadas facetas de evolução e
eternidade?
―Reverenciemos,
pois, o Espiritismo e a Mediunidade como dois altares vivos no templo da fé,
através dos quais contemplaremos, de mais alto, a esfera das cogitações
propriamente terrestres, compreendendo, por fim, que a glória reservada ao
espírito humano é sublime e infinita, no Reino Divino do Universo.‖
A comunicação
psicográfica tratou de outros assuntos e, finda a sua leitura, breve oração de
reconhecimento foi pronunciada. E, enquanto os assistentes tornavam à
conversação livre, Hilário e eu, ante os conceitos ouvidos, passamos a profunda
introversão para melhor aprender e meditar.
QUESTÕES
PARA ESTUDO
1) Que benefícios o intercâmbio mediúnico pode trazer para encarnados e
desencarnados?
2) Que lições podemos extrair das seguintes passagens evangélicas
mencionadas por Áulus:
"
Zaqueu, o rico prestigiado pela visita que lhe foi feita, sentiu-se
constrangido a modificar
a sua conduta. Maria de Magdala,
que lhe recebeu carinhosa atenção, não ficou livre do dever de
sustentar-se no árduo combate da
renovação interior. Lázaro, reerguido das trevas do sepulcro, não foi exonerado
da obrigação de aceitar, mais tarde, o desafio da morte. Paulo de Tarso foi por
Ele distinguido com um apelo pessoal, às portas de Damasco, entretanto, por
isso, o apóstolo não obteve dispensa dos sacrifícios que lhe cabiam no
desempenho da nova missão."
3) André Luiz narra o comparecimento de um espírito suicida, em estado de
grande desequilíbrio, que fora evocado pela mãe, presente à reunião. Quais as consequências
ocasionadas pelo suicídio para o espírito?
4) Áulus explica que o fenômeno mediúnico não é novo e que "nova é
tão somente a forma de mobilização dele." Que esninamento pretendeu
transmitir o orientador com essa afirmação? Como o Espiritismo se enquadra
nesse ensino?
5) André Luiz finaliza o presente capítulo com a transcrição de uma
mensagem final de Gabrioel, dirigente espiritual da reunião. Vamos interpretar
alguns trechos desta mensagem:
5.a) "...é indispensável
procurar na mediunidade não a chave falsa para certos arranjos inadequados na
Terra, mas sim o caminho direito de nosso ajustamento à vida superior."
5.b) "O Espiritismo,
simbolicamente, é Jesus que retorna ao mundo,..."
5.c) "Não atribuamos, assim, ao
médium obrigações que nos competem, em caráter exclusivo, e nem aguardamos da
mediunidade funções milagreiras, porquanto só a nós cabe o serviço árduo da
própria ascensão, na pauta das responsabilidades que o conhecimento superior
nos impõe."
5.d) "Diante de nossas
assertivas, podereis talvez indagar,
segundo os velhos
hábitos que nos caracterizam a preguiça mental na Terra:
- Se o Espiritismo e a Mediunidade não nos solucionam os enigmas de maneira
absoluta, que estarão ambos fazendo no santuário religioso da Humanidade?
Responder-vos-emos, todavia, que
neles reencontramos pensamento puro do Cristo, auxiliando-nos a compreensão
para mais amplo discernimento da realidade. Neles recolhemos exatos informes,
quanto à lei das compensações, equacionando aflitivos problemas do ser, do
destino e da dor e deixando-nos perceber, de alguma sorte, as infinitas
dimensões para as quais evolvemos. E a eles deveremos, acima de tudo, a luz
para vencer os tenebrosos labirintos da morte, a fim de que nos consorciemos,
afinal,
com as legítimas noções da
consciência cósmica."
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