segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Capítulo 18 - Apontamentos à Margem
Dona Ambrosina continuava psicografando várias mensagens, endereçadas aos presentes. E um dos oradores, sob a influência de benigno mentor da Espiritualidade, salientava a necessidade de conformação com as Leis Divinas para que a nossa vida mental se refaça, fazendo jus a bênçãos renovadoras. Alguns encarnados jaziam impermeáveis e sonolentos, vampirizados por obsessores caprichosos que os acompanhavam de perto, entretanto, muitos desencarnados de mediana compreensão ouviam, solícitos, e sinceramente aplicados ao ensino consolador.
Gabriel, de olhos percucientes e lúcidos, a tudo presidia com firmeza. Nenhuma ocorrência, por mínima que fosse, lhe escapava à percepção. Aqui, a um leve sinal seu, entidades escarnecedoras eram exortadas à renovação de atitude, ali, socorriam-se doentes que ele indicava com silencioso gesto de recomendação. Era o pulso de comando, forte e seguro, sustentando a harmonia e a ordem, na exaltação do trabalho.
Contemplamos a mesa enorme em que a direção se processava com equilíbrio irrepreensível e, fitando a médium, rodeada de apetrechos do serviço, em atividade constante, Hilário perguntou ao nosso orientador:
— Por que tantas mensagens pessoais dos Espíritos amigos?
— São respostas reconfortantes a companheiros que lhes solicitam assistência e consolo.
— E essas respostas — continuou meu colega — traduzem equação definitiva para os problemas que expõem?
— Isso não — aclarou o Assistente, convicto —; entre o auxílio e a solução vai sempre alguma distância em qualquer dificuldade, e não podemos esquecer que cada um de nós possui os seus próprios enigmas.
— Se é assim, por que motivo o intercâmbio? Se os desencarnados não podem oferecer uma conclusão pacífica aos tormentos dos irmãos que ainda se demoram na carne, por que a porta aberta entre eles e nós?
— Não te esqueças do impositivo da cooperação na estrada de cada ser — disse Áulus com grave entono. — Na vida eterna, a existência no corpo físico, por mais longa, é sempre curto período de aprendizagem. E não nos cabe olvidar que a Terra é o campo onde ferimos a nossa batalha evolutiva. Dentro dos princípios de causa e efeito, adquirimos os valores da experiência com que estruturamos a nossa individualidade para as Esferas Superiores. A mente, em verdade, é o caminheiro buscando a meta da angelitude, contudo, não avançará sem auxílio. Ninguém vive só. Os pretensos mortos precisam amparar os companheiros em estágio na matéria densa, porquanto em grande número serão compelidos a novos mergulhos na experiência carnal. É da Lei que a sabedoria socorra a ignorância, que os melhores ajudem aos menos bons. Os homens, cooperando com os Espíritos esclarecidos e benevolentes, atraem simpatias preciosas para a vida espiritual, e as entidades amigas, auxiliando os reencarnados, estarão construindo facilidades para o dia de amanhã, quando de volta à lide terrestre.
— Sim, sim, compreendo... — exclamou Hilário, reconhecido. — Entretanto, colocando-me na situação da criatura vulgar, recordo-me de que no mundo habituamo-nos a esperar do Céu uma solução decisiva e absoluta para inúmeros problemas que se nos deparam...
— Semelhante atitude, porém — acentuou o orientador —, decorre de antiga viciação mental no Planeta. Para maior clareza do assunto, rememoremos a exemplificação do Divino Mestre. Jesus, o Governador Espiritual do Mundo, auxiliou a doentes e aflitos, sem retirá-los das questões fundamentais que lhes diziam respeito. Zaqueu, o rico prestigiado pela visita que lhe foi feita, sentiu-se constrangido a modificar a sua conduta. Maria de Magdala, que lhe recebeu carinhosa atenção, não ficou livre do dever de sustentar-se no árduo combate da renovação interior. Lázaro, reerguido das trevas do sepulcro, não foi exonerado da obrigação de aceitar, mais tarde, o desafio da morte. Paulo de Tarso foi por Ele distinguido com um apelo pessoal, às portas de Damasco, entretanto, por isso, o apóstolo não obteve dispensa dos sacrifícios que lhe cabiam no desempenho da nova missão. Segundo reconhecemos, seria ilógico aguardar dos desencarnados a liquidação total das lutas humanas. Isso significaria furtar o trabalho que corresponde ao sustento do servidor, ou subtrair a lição ao aluno necessitado de luz.
A essa altura, não longe de nós, simpática senhora monologava em pensamento:
— Meu filho! Meu filho! Se você não está morto, visite-me! Venha! Venha! Estou morrendo de saudade, de angústia!... Fale-me alguma palavra pela qual nos entendamos... Se tudo não está acabado, aproxime-se da médium e comunique-se! É impossível que você não tenha piedade...
As frases amargas, embora inarticuladas, atingiam-nos a audição, qual se fossem arremessadas ao ambiente em voz abafadiça. Leve rumor à retaguarda feriu-nos a atenção. Um rapaz desencarnado apresentou-se em lastimáveis condições e avançou para a triste mulher, dominado por invencível atração.
Da boca amarfanhada escorria a amargura em forma de palavras comovedoras.
— Mãe! Mãe! — gritava de joelhos, qual se fora atormentada criança, conchegando-se-lhe ao regaço — não me abandone!... Estou aqui, ouça-me! Não morri... Perdoe-me, perdoe-me!... Sou um renegado, um náufrago!... Busquei a morte quando eu deveria viver para o seu carinho! Agora sim! Vejo o sofrimento de perto e desejaria aniquilar-me para sempre, tal a vergonha que me aflige o coração!...
A matrona não lhe via a figura agoniada, contudo, registrava-lhe a presença, através de intraduzível ansiedade, a constringir-lhe o peito. Dois vigilantes aproximaram-se, arrebatando o moço ao colo materno, e, ladeando por nossa vez o Assistente, que se deu pressa em socorrer a senhora em lágrimas, ouvimo-la clamar, mentalmente:
―Não será melhor segui-lo? Morrer e descansar!... Meu filho, quero meu filho!...
Áulus aplicou-lhe recursos magnéticos, com o que a desventurada criatura experimentou grande alívio, e, em seguida, informou:
— Anotemos o caso desta pobre mãe desarvorada. O filho suicidou-se, há meses, e ainda não consegue forrar-se à flagelação Intima. Em sua devoção afetiva, reclama-lhe a manifestação pessoal sem saber o que pede, porque a chocante posição do rapaz constituir-lhe-ia pavoroso martírio. Não poderá, desse modo, recolher-lhe a palavra direta, entretanto, ao contato do trabalho espiritual que aqui se processa, incorporará energias novas para refazer-se gradualmente.
— Decerto — acrescentou Hilário, com inteligência —, não terá resolvido o problema crucial da sensibilidade ferida, no entanto, adquire forças para recuperar-se...
— Isso mesmo. — Aliás — considerei a meu modo —, a mediunidade de hoje é, na essência, a profecia das religiões de todos os tempos.
— Sim — aprovou Áulus, prestimoso —, com a diferença de que a mediunidade hoje é uma concessão do Senhor à Humanidade em geral, considerando-se a madureza do entendimento humano, à frente da vida, O fenômeno mediúnico não é novo. Nova é tão-somente a forma de mobilização dele, porque o sacerdócio de várias procedências jaz, há muitos séculos, detido nos espetáculos do culto exterior, mumificando indebitamente o corpo das revelações celestiais. Notadamente o Cristianismo, que deveria ser a mais ampla e a mais simples das escolas de fé, há muito tempo como que se enquistou no superficialismo dos templos. Era preciso, pois, libertar-lhe os princípios, a benefício do mundo que, cientificamente, hoje se banha no clarão de nova era. Por esse motivo, o Governo oculto do Planeta deliberou que a mediunidade fosse trazida do colégio sacerdotal à praça pública, a fim de que a noção da eternidade, através da sobrevivência da alma, desperte a mente anestesiada do povo.
―É assim que Jesus nos reaparece, agora, não como fundador de ritos e fronteiras dogmáticas, mas sim em sua verdadeira feição de Redentor da Alma Humana. Instrumento de Deus por excelência, Ele se utilizou da mediunidade para acender a luz da sua Doutrina de Amor. Restaurando enfermos e pacificando aflitos, em muitas ocasiões esteve em contato com os chamados mortos, alguns dos quais não eram senão almas sofredoras a vampirizarem obsidiados de diversos matizes. E, além de surgir em colóquio com Moisés materializado no Tabor, Ele mesmo é o grande ressuscitado, legando aos homens o sepulcro vazio e acompanhando os discípulos com acendrado amor, para que lhe continuassem o apostolado de bênçãos.‖
Hilário esboçou o sorriso de um estudante satisfeito com a lição, e exclamou:
— Ah! Sim, tenho a impressão de começar a compreender...
Os trabalhos da reunião tocavam a fase terminal. Nosso orientador percebeu que Gabriel se dispunha a grafar a mensagem do encerramento e, respeitoso, pediu-lhe cunhar alguns conceitos em derredor da mediunidade, ao que o supervisor aquiesceu, gentil.
Dona Ambrosina entrara em pausa ligeira para alguns momentos de recuperação. O diretor da reunião rogou silêncio para o remate dos serviços, e, tão logo reverente quietação se fez na assembleia, o condutor da casa controlou o cérebro da medianeira e tomou-lhe o braço, escrevendo aceleradamente.
Em minutos rápidos, os apontamentos de Gabriel estavam concluídos. A médium levantou-se e passou a lê-los em voz alta:
— ―Meus amigos — dizia o mentor —, é indispensável procurar na mediunidade não a chave falsa para certos arranjos inadequados na Terra, mas sim o caminho direito de nosso ajustamento à vida superior.
―Compreendendo assim a verdade, é necessário renovar a nossa conceituação de médium, para que não venhamos a transformar companheiros de ideal e de luta em oráculos e adivinhos, com esquecimento de nossos deveres na elevação própria.
―O Espiritismo, simbolicamente, é Jesus que retorna ao mundo, convidando-nos ao aperfeiçoamento individual, por intermédio do trabalho construtivo e incessante.
―Dentro das leis da cooperação, será justo aceitar o braço amigo que se nos oferece para a jornada salvadora, entretanto é imprescindível não esquecer que cada qual de nós transporta consigo questões essenciais e necessidades intransferíveis.
―Desencarnados e encarnados, todos palmilhamos extenso campo de experimentações e de provas, condizentes com os impositivos de nosso crescimento para a imortalidade.
―Não atribuamos, assim, ao médium obrigações que nos competem, em caráter exclusivo, e nem aguardemos da mediunidade funções milagreiras, porquanto só a nós cabe o serviço árduo da própria ascensão, na pauta das responsabilidades que o conhecimento superior nos impõe.
―Diante de nossas assertivas, podereis talvez indagar, segundo os velhos hábitos que nos caracterizam a preguiça mental na Terra: — Se o Espiritismo e a Mediunidade não nos solucionam os enigmas de maneira absoluta, que estarão ambos fazendo no santuário religioso da Humanidade?
―Responder-vos-emos, todavia, que neles reencontramos o pensamento puro do Cristo, auxiliando-nos a compreensão para mais amplo discernimento da realidade. Neles recolhemos exatos informes, quanto à lei das compensações, equacionando aflitivos problemas do ser, do destino e da dor e deixando-nos perceber, de alguma sorte, as infinitas dimensões para as quais evolvemos. E a eles deveremos, acima de tudo, a luz para vencer os tenebrosos labirintos da morte, a fim de que nos consorciemos, afinal, com as legítimas noções da consciência cósmica.
―Alcançadas semelhantes fórmulas de raciocínio, perguntaremos a vós outros por nossa vez: — Acreditais seja pouco revelar a excelsitude da Justiça? Admitis seja desprezível descortinar a vida em suas ilimitadas facetas de evolução e eternidade?
―Reverenciemos, pois, o Espiritismo e a Mediunidade como dois altares vivos no templo da fé, através dos quais contemplaremos, de mais alto, a esfera das cogitações propriamente terrestres, compreendendo, por fim, que a glória reservada ao espírito humano é sublime e infinita, no Reino Divino do Universo.‖
A comunicação psicográfica tratou de outros assuntos e, finda a sua leitura, breve oração de reconhecimento foi pronunciada. E, enquanto os assistentes tornavam à conversação livre, Hilário e eu, ante os conceitos ouvidos, passamos a profunda introversão para melhor aprender e meditar.

QUESTÕES PARA ESTUDO

1) Que benefícios o intercâmbio mediúnico pode trazer para encarnados e desencarnados?

2) Que lições podemos extrair das seguintes passagens evangélicas mencionadas por Áulus:
" Zaqueu, o rico prestigiado pela visita que lhe foi feita, sentiu-se constrangido  a  modificar  a  sua conduta. Maria de Magdala, que lhe recebeu carinhosa atenção, não ficou livre do dever de sustentar-se  no árduo combate da renovação interior. Lázaro, reerguido das trevas do sepulcro, não foi exonerado da obrigação de aceitar, mais tarde, o desafio da morte. Paulo de Tarso foi por Ele distinguido com um apelo pessoal, às portas de Damasco, entretanto, por isso, o apóstolo não obteve dispensa dos sacrifícios que lhe cabiam no desempenho da nova missão."

3) André Luiz narra o comparecimento de um espírito suicida, em estado de grande desequilíbrio, que fora evocado pela mãe, presente à reunião. Quais as consequências ocasionadas pelo suicídio para o espírito?

4) Áulus explica que o fenômeno mediúnico não é novo e que "nova é tão somente a forma de mobilização dele." Que esninamento pretendeu transmitir o orientador com essa afirmação? Como o Espiritismo se enquadra nesse ensino?

5) André Luiz finaliza o presente capítulo com a transcrição de uma mensagem final de Gabrioel, dirigente espiritual da reunião. Vamos interpretar alguns trechos desta mensagem:
                                            
5.a) "...é indispensável procurar na mediunidade não a chave falsa para certos arranjos inadequados na Terra, mas sim o caminho direito de nosso ajustamento à vida superior."                                                                             

5.b) "O Espiritismo, simbolicamente, é Jesus que retorna ao mundo,..."

5.c) "Não atribuamos, assim, ao médium obrigações que nos competem, em caráter exclusivo, e nem aguardamos da mediunidade funções milagreiras, porquanto só a nós cabe o serviço árduo da própria ascensão, na pauta das responsabilidades que o conhecimento superior nos impõe."

5.d) "Diante de nossas assertivas, podereis talvez indagar,  segundo  os  velhos  hábitos  que  nos caracterizam a preguiça mental na Terra: - Se o Espiritismo e a Mediunidade não nos solucionam os enigmas de maneira absoluta, que estarão ambos fazendo no santuário religioso da Humanidade?
Responder-vos-emos, todavia, que neles reencontramos pensamento puro do Cristo, auxiliando-nos a compreensão para mais amplo discernimento da realidade. Neles recolhemos exatos informes, quanto à lei das compensações, equacionando aflitivos problemas do ser, do destino e da dor e deixando-nos perceber, de alguma sorte, as infinitas dimensões para as quais evolvemos. E a eles deveremos, acima de tudo, a luz para vencer os tenebrosos labirintos da morte, a fim de que nos consorciemos, afinal,
com as legítimas noções da consciência cósmica."




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