Capítulo 11 -
Desdobramento em Serviço
Chegara a vez do médium
Antônio Castro. Profundamente concentrado, denotava a confiança com que se
oferecia aos objetivos de serviço. Aproximou-se dele o irmão Clementino e, à
maneira do magnetizador comum, impôs-lhe as mãos aplicando-lhe passes de longo
circuito. Castro como que adormeceu devagarinho, inteiriçando-se-lhe os
membros. Do tórax emanava com abundância um vapor esbranquiçado que, em se
acumulando à feição de uma nuvem, depressa se transformou, à esquerda do corpo
denso, numa duplicata do médium, em tamanho ligeiramente maior. Nosso amigo
como que se revelava mais desenvolvido, apresentando todas as particularidades
de sua forma física, apreciavelmente dilatadas.
Desejei ensaiar algumas
indagações, contudo, a dignidade do serviço impunha-me silêncio. O diretor
espiritual da casa submetia o medianeiro à delicada intervenção magnética que
não seria lícito perturbar ou interromper.
O médium, assim
desligado do veículo carnal, afastou-se dois passos, deixando ver o cordão
vaporoso que o prendia ao campo somático. Enquanto o equipamento fisiológico
descansava, imóvel, Castro, tateante e assombrado, surgia, junto de nós, numa
cópia estranha de si mesmo, porquanto, além de maior em sua configuração
exterior, apresentava-se azulada à direita e alaranjada à esquerda. Tentou
movimentar-se, contudo, parecia sentir-se pesado e inquieto...
Clementino renovou as
operações magnéticas e Castro, desdobrado, recuou, como que se justapondo
novamente ao corpo físico. Verifiquei, então, que desse contato resultou
singular diferença. O corpo carnal engolira, instintivamente, certas faixas de
força que imprimiam manifesta irregularidade ao perispírito, absorvendo-as de
maneira incompreensível para mim. Desde esse instante, o companheiro, fora do
vaso de matéria densa, guardou o porte que lhe era característico. Era, agora,
bem ele mesmo, sem qualquer deformidade, leve e ágil, embora prosseguisse
encadeado ao envoltório físico pelo laço aeriforme, que parecia mais adelgaçado
e mais luminoso, à medida que Castro-Espírito se movimentava em nosso meio.
Enquanto Clementino o
encorajava com palavras amigas, o nosso orientador, certamente assinalando-nos
a curiosidade, deu-se pressa em esclarecer:
— Com o auxílio do
supervisor, o médium foi convenientemente exteriorizado. A principio, seu
perispírito ou corpo astral estava revestido com os eflúvios vitais que
asseguram o equilíbrio entre a alma e o corpo de carne, conhecidos aqueles, em
seu conjunto, como sendo o duplo etérico, formado por emanações neuropsíquicas
que pertencem ao campo fisiológico e que, por isso mesmo, não conseguem maior
afastamento da organização terrestre, destinando-se à desintegração, tanto
quanto ocorre ao instrumento carnal, por ocasião da morte renovadora. Para
melhor ajustar-se ao nosso ambiente, Castro devolveu essas energias ao corpo
inerme, garantindo assim o calor indispensável à colmeia celular e
desembaraçando-se, tanto quanto possível, para entrar no serviço que o aguarda.
— Ah! — disse Hilário,
com expressão admirativa — aqui vemos, desse modo, a exteriorização da
sensibilidade!...
— Sim, se algum
pesquisador humano ferisse o espaço em que se situa a organização perispirítica
do nosso amigo, registraria ele, de imediato, a dor do golpe que se lhe
desfechasse, queixando-se disso, através da língua física, porque, não obstante
liberto do vaso somático, prossegue em comunhão com ele, por intermédio do laço
fluídico de ligação.
Observei atentamente o
médium projetado ao nosso círculo de trabalho. Não envergava o costume azul e
cinza de que se vestia no recinto, mas sim um roupão esbranquiçado e inteiriço
que descia dos ombros até o solo, ocultando-lhe os pés, e dentro do qual se
movia, deslizante.
Áulus registrou-me as
anotações íntimas e esclareceu:
— Nosso irmão, com a
ajuda de Clementino, está usando as forças ectoplásmicas que lhe são próprias,
acrescidas com os recursos de cooperação do ambiente em que nos achamos.
Semelhantes energias transudam de nossa alma, conforme a densidade específica
de nossa própria organização, variando desde a sublime fluidez da irradiação
luminescente até a substância pastosa com que se operam nas crisálidas os
variados fenômenos de metamorfose.
Depois de fitar o
médium hesitante alguns momentos, prosseguiu:
— Castro é ainda um
iniciante no serviço. Á medida que entesoure experiência, manejará
possibilidades mentais avançadas, assumindo os aspectos que deseje,
considerando que o perispírito é constituído de elementos maleáveis, obedecendo
ao comando do pensamento, seja nascido de nossa própria imaginação ou da
imaginação de inteligências mais vigorosas que a nossa, mormente quando a nossa
vontade se rende, irrefletida, à dominação de Espíritos tirânicos ou viciosos,
encastelados na sombra.
— Nosso amigo, então,
se pudesse... — comentou Hilário, curioso.
Mas, cortando-lhe a
frase, o Assistente completou-a, ajuntando:
— Se pudesse pensar com
firmeza fora do campo físico, se já tivesse conquistado uma boa posição de
autogoverno, com facilidade imprimiria sobre as forças plásticas de que se
reveste a imagem que preferisse, aparecendo ao nosso olhar como melhor lhe
aprouvesse, porque é possível estampar em nós mesmos o desenho que nos agrade.
— Sim — ponderei —,
importa reconhecer, contudo, que esse desenho, embora vivo, não é comparável ao
vestuário em nosso plano...
Áulus percebeu que
minhas indagações incluíam sempre o imperativo de maior esclarecimento para
Hilário, ainda neófito em nosso campo de ação e, talvez por isso, procurou
fazer-se tão claro e minucioso quanto possível, acrescentando:
— De modo nenhum. O
pensamento modelará a forma que nos inclinamos a adotar, no entanto, os
apetrechos de nossa apresentação na esfera diferente de vida a que fomos
trazidos, segundo vocês já conhecem, variarão em seus tipos diversos.
Lembremo-nos, para exemplificar, de um homem terrestre tatuado. Terá ele
escolhido um desenho, através do qual a sua forma, por algum tempo, se faz mais
facilmente identificável, mas envergará a vestimenta que mais lhe atenda ao bom
gosto, conforme as usanças do quadro social a que se ajusta.
E, sorrindo, acentuou:
— Pela concentração
mental, qualquer Espírito se evidenciará na expressão que deseje, todavia,
empregando nossa imaginação criadora, podemos e devemos mobilizar os recursos
ao nosso alcance, aprimorando concepções artísticas no campo de nossas
relações, uns com os outros. A Arte, tanto quanto a Ciência, entre nós, é muito
mais rica que no círculo dos encarnados e, por ela, a educação se processa mais
eficiente, no que tange à beleza e à cultura. Assim como não podemos conceber
uma sociedade terrestre digna e enobrecida, tão-somente composta por homens e
mulheres em nudismo absoluto, embora com maravilhosos primores de tatuagem, é
preciso considerar que os indivíduos de nossa comunidade, não obstante dispondo
de um veículo prodigiosamente esculpido pelas forças mentais, não menoscabam as
excelências do vestuário, por intermédio das quais selecionamos emoções e
maneiras distintas. Não podemos esquecer que progresso é trabalho educativo. A
ascensão do Espírito não seria regresso ao empirismo da taba.
Áulus silenciou. O
médium, mais à vontade fora do corpo denso, recebia as instruções que
Clementino lhe administrava, paternal. Dois guardas aproximaram-se dele e lhe
aplicaram à cabeça um capacete em forma de antolhos.
— Para a viagem que
fará — avisou-nos o Assistente —, Castro não deve dispersar a atenção.
Incipiente ainda nesse gênero de tarefa, precisa instrumentação adequada para
reduzir a própria capacidade de observação, de modo a interferir o menos
possível na tarefa a executar.
Vimos o rapaz plenamente
desdobrado alçar-se ao espaço, de mãos dadas com ambos os vigilantes. O trio
volitou em sentido oblíquo, sob nossa confiante expectação. Desde esse momento,
demonstrando manter segura comunhão com o veículo carnal, ouvimo-lo dizer
através da boca física:
— Seguimos por um
trilho estreito e escuro! Oh! Tenho medo, muito medo... Rodrigo e Sérgio
amparam-me na excursão, mas sinto receio!... Tenho a ideia de que nos achamos
em pleno nevoeiro...
Estampando no rosto
sinais de angústia e estranheza, continuava:
— Que noite é esta?...
A escuridão parece pesar sobre nós!... Ai de mim! Vejo formas desconhecidas
agitando-se em baixo, sob nossos pés!... Quero voltar! Voltar!... Não posso
prosseguir!... Não suporto, não suporto!...
Mas Raul, sob a
inspiração do mentor da casa, elevou o padrão vibratório do conjunto, numa
prece fervorosa em que rogava do Alto forças multiplicadas para o irmão em
serviço.
Junto de nós, Áulus
informou:
— A oração do grupo,
acompanhando-o na excursão e transmitida a ele, de imediato, constitui-lhe
abençoado tônico espiritual.
— Ah! Sim, meus amigos
— prosseguia Castro, qual se o corpo físico lhe fosse um aparelho radiofônico
para comunicações à distância —, a prece de vocês atua sobre mim como se fosse
um chuveiro de luz... Agradeço-lhes o benefício!... Estou reconfortado...
Avançarei!...
Interpretando os fatos
sob nossa observação, o Assistente explicou:
— Raros Espíritos
encarnados conseguem absoluto domínio de si próprios, em romagens de Serviço edificante
fora do carro de matéria densa. Habituados à orientação pelo corpo físico, ante
qualquer surpresa menos agradável, na esfera de fenômenos inabituais, procuram
instintivamente o retorno ao vaso carnal, à maneira do molusco que se refugia
na própria concha, diante de qualquer impressão em desacordo com os seus
movimentos rotineiros. Castro, porém, será treinado para a prestação de valioso
concurso aos enfermos de qualquer posição.
Enquanto assinalávamos
o apontamento, a voz do médium se elevava no ar, vigorosa e cristalina.
— Que alívio! Rompemos
a barreira de trevas!... A atmosfera está embalsamada de leve aroma!... Brilham
as estrelas novamente... Oh! É a cidade de luz... Torres fulgurantes elevam-se
para o firmamento! Estamos penetrando um grande parque!... Oh! Meu Deus, quem
vejo aqui a sorrir-me!... É o nosso Oliveira! Como está diferente! Mais moço,
muito mais moço...
Lágrimas copiosas
banharam o rosto do médium, comovendo-nos a todos.
No gesto de quem se
entregava a um abraço carinhoso, de coração a coração, o medianeiro continuou:
— Que felicidade! Que
felicidade!... Oliveira, meu amigo, que saudades de você!... Por que razão
teríamos ficado assim, sem a sua cooperação? Sabemos que a Vontade do Senhor
deve prevalecer, mas a distância tem sido para nós um tormento!... A lembrança
de seu carinho vive em nossa casa... Seu trabalho permanece entre nós como
inesquecível exemplo de amor cristão!... Volte! Venha incentivar-nos na
sementeira do bem!... Amado amigo, nós sabemos que a morte é a própria vida, no
entanto, sentimos sua falta!...
A voz do viajante, que
se fazia ouvir de tão longe, entrecortava-se agora de doloridos soluços. O
próprio Raul Silva mostrava igualmente os olhos marejados de pranto. Áulus
deu-nos a conhecer quanto ocorria.
— Oliveira foi um
abnegado trabalhador neste santuário do Evangelho — explicou. — Desencarnou há
dias, e Castro, com aquiescência dos orientadores, foi apresentar-lhe as
afetuosas saudações dos companheiros. Demora-se em refazimento, ainda inapto a
comunicação mais intima com os irmãos que ficaram. Mas poderá enviar a sua
mensagem, por intermédio do companheiro que o visita.
— Abrace-me, sim,
querido amigo! — prosseguia Castro, com inenarrável inflexão de ternura
fraterna. — Estou pronto!... Direi o que você deseja... Fale e repetirei!...
E, recompondo-se, na
atitude de quem se devia fazer intermediário digno, modificou a expressão
fisionômica, falando cadenciadamente para os circunstantes:
— Meus amigos, que o
Senhor lhes pague. Estou bem, mas na posição do convalescente, incapaz de
caminhada mais difícil... Sinto-me reconfortado, quase feliz!
Indiscutivelmente, não mereço as dádivas recebidas, pois me vejo no Grande Lar,
amparado por afeições inolvidáveis e sublimes! As preces do nosso grupo
alcançam-me cada noite, como projeção de flores e bênçãos! Como expressar-lhes
gratidão se a palavra terrestre é sempre pobre para definir os grandes
sentimentos de nossa vida? Que o Pai os recompense!... Aqui, onde me encontro,
vim reconhecer, mais uma vez, a minha desvalia e agora concluo que todos os
nossos sacrifícios pela causa do bem são bagatelas, comparados à munificência
da Divina Bondade... Meus amigos, a caridade é o grande caminho!
Trabalhemos!... Jesus nos abençoe!...
A voz de Castro
apagou-se-lhe nos lábios e, dai há instantes, vimo-lo regressar, amparado pelos
irmãos que o haviam conduzido, retomando o corpo denso, com naturalidade.
Reajustando-se, qual se o vaso físico o absorvesse, de inopino, acordou na
esfera carnal, na posse de todas as suas faculdades normais, esfregando os
olhos, como quem desperta de grande sono.
O desdobramento em
serviço estava findo e com a tarefa terminada havíamos recolhido preciosa
lição.
Questões para estudo
1 - Como definir a mediunidade de desdobramento?
2 - Existiriam condições inerentes ao médium para
que este se torne mais eficiente na atividade de desdobramento? ( OBS: Fonte
auxiliar de pesquisa: PERALVA, Martins, Estudando a Mediunidade, Cap XV, Ed.
FEB)
3 - E existiriam também condições para os demais
membros do grupo auxiliarem o médium? (OBS: mesma fonte citada acima)
4 - Qual a importância da oração para auxiliar o
médium de desdobramento?
5 - Qual a importância da concentração do médium no
momento da atividade?
6 - E do estudo constante?
7 - Comente a seguinte afirmação do Assistente
Àulus: "Raros espíritos encarnados
conseguem absoluto domínio de si próprios, em romagens de serviço edificante
fora do carro de matéria densa. Habituados à orientação pelo corpo físico, ante
qualquer surpresa menos agradável, na esfera de fenômenos inabituais, procuram
instintivamente o retorno ao vaso carnal, à maneira do molusco que se refugia
na própria concha, diante de qualquer impressão em desacordo com os seus
movimentos rotineiros."
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