SEGUNDA
PARTE
SER E
PESSOA
A
pessoa
Boécio,
poeta e filósofo da decadência romana, nos séculos 5º e 6º, definiu a pessoa
como constituída por uma substância individual de natureza racional.
A
filosofia, através dos séculos, buscou demonstrar que a pessoa é distinta do
indivíduo e do ser psicofísico, o que deu margem a considerações demoradas por
pensadores e escolas variadas. Santo Tomaz de Aquino, por exemplo, preferiu
seguir o conceito de Boécio, que teve muita influência significativa durante a
Idade Média, enquanto Emmanuel Kant se apoiou em conteúdos mais profundos,
quando da análise da pessoa em si mesma.
Do
ponto de vista psicológico, a pessoa é um ser que se expressa em múltiplas
dimensões, desde os seus conteúdos humanista, comportamentalista e existencial,
a novos potenciais que estruturam o ser pleno.
A
psicologia ocidental, diferindo da oriental, manteve o conceito de pessoa nos
limites berço-túmulo com uma estruturação transitória, enquanto a outra sustenta
a ideia de uma realidade transcendente, embora a sua imanência na expressão da
forma e relatividade corporal.
Os
estudos transpessoais, incorporando as teses orientais, consideram a pessoa um
ser integral, cujas dimensões podem expressar-se em várias manifestações, quais
a consciência, o comportamento, a personalidade, a identificação, a
individualidade, num ser complexo de expressão trinária.
Não
apenas o corpo, o ser psicofísico, porém, a matéria — efeito —, o perispírito —
modelo organizador biológico — e o espírito — a individualidade eterna.
Não
pretendemos inovar modelos, antes resumir correntes e apresentar uma síntese.
A visão
transpessoal espírita, porque completa, elucida os inúmeros fenômenos
paranormais de natureza anímica e mediúnica que caracterizam a existência
humana. concedendo-lhe dinâmica imortalista e conteúdo de significado, de
causalidade.
A
pessoa, observada do ponto de vista imortal, é preexistente ao corpo, e sua
origem perde-se nos milênios passados do processo evolutivo, desenvolvendo-se
fiel a uma fatalidade que se manifesta em cada experiência corporal —
reencarnação — como aquisição de novos implementos, faculdades e funções que
tangenciam ao crescimento e à felicidade.
A
pessoa sintetiza, quando corporificada, as dimensões várias que lhe cumpre
preservar e aprimorar, facultando o desabrochar de recursos que lhe fazem
embrionários e são essenciais ao seu existir.
A consciência
Jung
definiu a consciência como a relação dos conteúdos psíquicos com o ego, na
medida em que essa relação é percebida como tal pelo ego.
A
complexidade, no entanto, das conceituações de consciência, nem sempre responde
aos conteúdos de que se constitui.
Para
entendê-la, é necessário situá-la além dos limites do sono, do sonho, do
delírio, e estabelecê-la como condição de ótima ou lúcida, na qual os episódios
psicóticos cedem lugar à normalidade, ao discernimento, ao equilíbrio gerador
de harmonia.
A
psicologia tradicional, aferrada ao organicismo ancestral, prefere ignorar os
elevados níveis de consciência, nos quais os estados alterados transcendentes
facultam a visão dilatada da realidade, sem os limites do real aceito, do real
psicótico, do real em sonho.
As
experiências nas diversas áreas de consciência alterada, conseguidas por
substâncias psicodélicas ou através de meditação profunda, ao invés de revelarem
situações patológicas, abrem perspectivas fascinantes para terapias liberadoras
e que proporcionam dilatação do conhecimento e do sentido mais amplo da vida.
A
psicologia filosófica do oriente sempre proporcionou os estados de plenitude e
nirvana, ensejando a superação dos limites do estágio de normalidade, através
de transes e da contemplação profunda.
A
consciência adquirida — a perfeita identificação do conhecimento e do fazer, do
saber e do amar — faculta a ampliação das próprias possibilidades para penetrar
em dimensões metafísicas, onde outras realidades são bases do ser pessoal.
O comportamento
As
atitudes que caracterizam a pessoa resultam do convívio social e das aspirações
cultivadas, gerando a consciência individual, que responde pela do grupo
social, face à aplicação dos valores adquiridos.
Ressaltam,
no comportamento, as ambições do desejo, responsáveis pelo grau de libertação
emocional, ou presídio, no qual o ser transita pelos vínculos que se permite
desenvolver.
A
pessoa é, acima de tudo, a sua mente. O que elabora, torna-se; quanto cultiva,
experimenta.
A mente
algema e libera, necessitando de austeras disciplinas para ser comandada, ao
invés de ser a dominadora irredutível.
Nesse
imperativo, o desejo expressa a qualidade evolutiva da pessoa, respondendo pela
conduta e pelos fatores daí decorrentes.
O
comportamento impõe necessidades e as expressa simultaneamente, definindo a
pessoa.
Somente
o autoconhecimento favorece o comportamento com as possibilidades de
desenvolvimento pessoal, estruturador profundo do ser imortal.
A personalidade
Em
permanente representação dos conteúdos mentais, e dominada pela imposição das
leis e costumes de cada época e cultura, a personalidade representa a aparência
para ser conhecida, não raro, em distonia com o eu profundo e real, gerador de
conflitos.
A
personalidade é transitória e assinala etapas reencarnacionistas, definidoras
de experiências nos sexos, na cultura, na inteligência, na arte e no relacionamento
interpessoal.
Cada
pessoa reencarna com as características herdadas das experiências anteriores e
submete-se aos condicionamentos de cada fase, por ela transitando com os seus
sinais tipificadores.
Assimilar
todos os condicionamentos e exteriorizar uma personalidade consentânea com o
ser real, eis o desafio da terapia transpessoal, trabalhando a pessoa para que
assuma a sua realidade positiva e superior, crescendo em conteúdos mentais e
desencarcerando-se, até permitir-se a perfeita harmonia entre ser e parecer.
A identificação
De duas
formas a pessoa se identifica com os valores do progresso: externa e
internamente.
A
identificação externa impõe as lutas e os conflitos da assimilação dos comportamentos
sociais, nos quais o apego assume a condição mais importante, a primeira e
última da existência.
O apego
externo, no entanto, é menos danoso do que o interior responsável pelos vícios
e paixões degenerativos, que conduzem a patologias dolorosas, cruéis.
A
identificação assinala o estágio de evolução de cada pessoa, fadada à elevação,
que, para conseguir, deve liberar-se daqueles valores, desidentificando-se de
hábitos milenários, fixados, alguns, atavicamente, aos painéis do ser, gerando
falsas necessidades, que se tornam fundamentais, portanto responsáveis pelo
sofrimento nas suas várias facetas.
A
psicologia oriental estabelece na ilusão, na impermanência da vida física, com
as quais a pessoa se identifica, algumas preponderantes razões para o
sofrimento.
A
desidentificação induz à conquista de patamares elevados, metafísicos, nos
quais o ser se auto encontra e se realiza.
A individualidade
Somatório
de todas as experiências, a individualidade é o ser pleno e potente, que
alcançou a auto realização.
Imperecível,
a individualidade é o Espírito em si mesmo, que reúne as demais dimensões e
sabe conscientemente o que fazer, quando fazê-lo e como realizá-lo, para ser a
pessoa integral, ideal.
Enquanto
a filosofia informava que a pessoa não é o indivíduo, na visão da psicologia
profunda, este, que superou os condicionamentos e comportamentos pessoais de
consciência livre, é o ser total, pessoa transitória, individualidade eterna.
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