Queixas
O golfo de Corinto, na Grécia, é região de beleza
ímpar. As suas águas, em tonalidade azul-turquesa, parecem um espelho,
emoldurado pelas montanhas que lhes resguardam a tranquilidade multimilenaria.
No monte Parnaso, em lugar de destaque, erguia-se o
santuário de Delfos, o mais importante da época, onde se cultuava Apolo, o deus
da razão, da cultura, da luz.
Na mitologia grega arcaica, Apolo era o símbolo do
conhecimento, equacionador dos enigmas e dos conflitos. Para o seu templo, em conseqüência,
acorriam multidões aturdidas e ansiosas em busca de orientação, de segurança
emocional, de solução para os problemas.
Psicanaliticamente, era um reduto onde nasciam as
identificações inconscientes do ser, organizadoras do eu. Ali, as sibilas, que
transmitiam as repostas do deus evocado, desempenhavam papel importante no comportamento
dos consulentes, bem como das cidades-estados que lhes buscavam ajuda,
inspiração.
Era o santuário no qual se sucediam os apelos, e se
multiplicavam as queixas dos desesperados, dos que necessitavam de soluções
imediatas para a sobrevivência moral, financeira, social, emocional...
Hoje, reduzido a escombros, ainda permanece a sua
mensagem no inconsciente da criatura, herdeira do arquétipo arcaico, que
prossegue buscando soluções fáceis, miraculosas, sem o contributo do esforço
pessoal, que deve ser desenvolvido.
Permanecendo na infância psicológica, aquele que de
tudo se queixa tem a personalidade desestruturada, permanecendo sob constantes
bombardeios do pessimismo, do azedume e dos raios destruidores da mente
rebelde.
A queixa de que se faz portador é reação mental e
emocional patológica, refletindo-lhe a insegurança e a perturbação,
responsáveis pelas ocorrências negativas que procura ignorar ou escamotear.
Ocultando os conflitos perturbadores, transfere para
as demais pessoas as causas dos seus insucessos, sem conseguir enunciá-las,
porque destituídas de lógica, passando as acusações para os tempos nos quais
vive, às autoridades governamentais, à má sorte, aos fados perversos, assim acalmando-se
e tornando-se vítima, no que se compraz.
Os mitos trágicos, que remanescem no inconsciente,
assomam-lhe, e personificam-se nas criaturas, que passa a detestar ou nas
circunstâncias, que são denominadas como aziagas.
Certamente, há fatores humanos e ocasionais que
respondem pelas dificuldades e problemas humanos. São, no entanto, a
fragilidade e a insegurança do paciente que ocasionam o insucesso, que poderia
ser transformado em êxito, caso, no qual, abandonando a queixa, perseverasse na
ação bem direcionada.
Não consideramos sucesso apenas o triunfo econômico,
social, político, religioso, artístico, quase sempre responsável por expressões
de profundo desequilíbrio no comportamento, gerador de estados neuróticos e de perturbações
lastimáveis, que se agravam com as queixas.
Referimo-nos a sucesso, quando o indivíduo, em
qualquer circunstância, mantém a administração dos seus problemas com
serenidade, conserva-se em harmonia no êxito social ou na dificuldade, sem
nenhuma perturbação ou desagregação da personalidade, através dos bem aceitos
recursos de evasão da responsabilidade.
Por isso, o santuário de Delfos ensinava o conhece-te
a ti mesmo como psicoterapia relevante, e mediante esta contribuição o ser
amadureceria, crescendo interiormente, assegurando-se da sua fatalidade
histórica, a plenitude.
A queixa, como ferrugem na engrenagem do psiquismo, é
cruel verdugo de quem a cultiva.
Substitui-la pela compreensão, perante os fenômenos da
vida, constitui mecanismo valioso de saúde psicológica.
Diante de quaisquer injunções perturbadoras, o
enfrentamento tranquilo com as ocorrências deve ser a primeira atitude a ser
tomada, qual se se buscasse Apoio — o discernimento —, deixando-se conduzir
pela razão lúcida — a sibila — e descobrisse a real finalidade de todos os
fatos existenciais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário