quarta-feira, 23 de julho de 2014

Condições de progresso e harmonia

Na estrutura profunda da individualidade humana, encontram-se as experiências milenárias do ser, nem sempre harmonizadas entre si, geradoras de conflitos e complexos negativos que a atormentam.
Atavicamente vinculada ainda às sensações decorrentes da faixa primária por onde transitou, a líbído exerce-lhe poder preponderante no comportamento, conforme as constatações de Freud, que a considerou fator essencial na vida humana. Observando os diversos fenômenos de conduta e as terríveis angústias, como exacerbações da emotividade das criaturas, o mestre de Viena organizou todo o edifício da psicanálise na manifestação sexual castradora ou liberada, bem como na complexa influência maternopaternal, que desde a infância conduziu o ser sob os tabus perniciosos e as constrições dos desejos irrealizados, das consciências de culpa, dos implementos perturbadores da personalidade patológica.
Estamos, sem dúvida, diante de fatores incontestáveis, todavia adstritos às áreas fenomenológicas e não causais, em se considerando que, herdeiro de si mesmo, o Espírito é o autor do seu destino — nunca será demasiado repeti-lo — renascendo em lares nos quais mantém vínculos afetivos e familiares, conforme a sua conduta anterior.
Face à variedade de renascimentos, nem sempre consegue diluir as lembranças que permanecem em forma de tendências e aptidões, de desejos e necessidades. Não digeridas, as frustrações, eis que se impõem mais graves, ao ressurgirem, na sucessão das ocorrências comportamentais, em forma de distúrbios psicológicos de variada catalogação.
Preocupada com o ser-máquina, a psicologia não tem ensejado uma compreensão maior da criatura, que fica, na visão reducionista, limitada a um feixe de desejos e paixões primitivas.
Em uma análise transpessoal, o ser enriquece-se de valores que lhe cumpre multiplicar cada vez mais, autoconhecendo-se e autodisciplinando -se, à medida que a sua consciência adquire lucidez e torna-se ótima.
Abrem-se-lhe então as perspectivas antes cerradas, e facultam-se-lhe as oportunidades de dilatação do campo intelecto-emocional, passando a vencer as sequelas das existências anteriores, ainda predominantes no psiquismo, que se exteriorizam em forma de desarmonia.
A desidentificação com os graves compromissos que ainda o atormentam torna-se factível, mediante a impregnação com outros ideais e aspirações mais abrangentes quão agradáveis, que passam a povoar-lhe a paisagem mental.
Nesse esforço, faz-se viável o autoconhecimento, como primeiro tentame de crescimento psicológico.
A necessidade de tornar a mente um espelho, e postar-se defronte dela desnudo, é inadiável. Somente através de um exame da própria realidade, observando-se sem emoção — o que impede os sentimentos de autocompaixão como os de autopromoção, de justificação ou culpa — consegue-se um retrato fiel do que se é, e do que cumpre fazer-se para mais amar-se e ajudar-se como segmento imediato do esforço.
Enquanto a criatura não se despoja dos artifícios com que se oculta, evitando desnudar-se em uma atitude infantil repressiva, qualquer tentame exterior para o progresso e a harmonia resulta inócuo, quando se não torna perturbador.
Ninguém é culpado conscientemente de ser frágil, fragmentário, ocorrências naturais do processo de evolução. Não obstante, a permanência na postura denota imaturidade psicológica ou manifestação patológica do comportamento.
Quando alguém aspira por mudanças para melhor, irradia energias saudáveis, do campo mental, que contribuem para a realização da meta. Através de contínuos esforços, direcionados para o objetivo, cria novos condicionamentos que levam ao êxito, como decorrência normal do querer. Nenhum milagre ou inusitado ocorre, nessa atitude que resulta do empenho individual.
O autodescobrimento tem por finalidade conscientizar a pessoa a respeito do que necessita, de como realizá-lo e quando dar início à nova fase. Acomodada aos estados habituais, não se dá conta das incalculáveis possibilidades que lhe estão ao alcance, bastando-lhe apenas dispor-se a desdobrá-las.
O auto encontro pode ser logrado através da meditação reflexível, do esforço para fixar a mente nas ideias positivas, buscando saber quem se é, e qual a finalidade da sua existência corporal e do futuro que a aguarda.
Equipada de honesto desejo de equacionar-se, a esfinge perturbadora atira-se ao mar do discernimento e desaparece, deixando o indivíduo livre seguir, sem a maldita fatalidade de ser desditoso.
A consciência liberta-o das heranças paterno-maternais, produzindo o conhecimento lúcido e benéfico, que se torna filho capaz de conduzi-lo pelos caminhos da vida, sem a imposição caprichosa do deus-destino.
Ao lado da meditação, encontra-se a ação solidária no concerto social, que alarga as possibilidades no campo onde se movimenta e promove o ser profundo, limpando-o dos caprichos do ego e liberando-o das arbitrárias injunções limitadoras, angustiantes.
O intercâmbio social com objetivos fraternais rompe as amarras do medo, dando outra dimensão à afetividade — sem apego, sem paixão, sem desejo, sem neurose —, facultando a harmonia pessoal — sem ansiedade, sem conflito, sem culpa —, ensejando saúde mental e emocional indispensáveis à física.
As condições do progresso e harmonia do eu real propõem um estudo das virtudes evangélicas, uma releitura dos seus fundamentos e posterior aplicação na conduta pessoal.
Amor indistinto, manifestando-se em todas as expressões e começando por si próprio, com segurança de propósitos, metas e realizações, é o passo inicial da fase nova, ao lado do perdão liberador de ressentimentos, desgosto e inferioridade geradora de reações de violência ou de depressão com caráter autopunitivo.
Na visão transpessoal, o progresso e a harmonia são conquistas internas do ser humano, que se exteriorizam como entendimento da vida e atração por ela, num empenho incessante de crescer e jamais cansar-se, saturar-se ou desistir.

O progresso é fatalidade da vida, e a harmonia resulta da consciência desperta para a conquista da sua plenificação.

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