Capítulo 13 - Pensamento e Mediunidade
O silêncio se fez profundo e respeitoso. O grupo esperava a
mensagem terminal. Senti que o ambiente se fizera mais leve, mais agradável.
Sobre a cabeça de Dona Celina apareceu brilhante feixe de luz. Desde esse
instante, vimo-la extática, completamente desligada do corpo físico, cercada de
azulíneas irradiações.
Admirado com o belo fenômeno, enderecei um gesto de
interrogação ao nosso orientador, que explicou sem detença:
— Nossa irmã Celina transmitirá a palavra de um benfeitor
que, apesar de ausente daqui, sob o ponto de vista espacial, entrará em
comunhão conosco através dos fluidos teledinâmicos que o ligam à mente da
médium.
— Mas isso é possível? — indagou Hilário, discretamente.
Áulus ponderou, de imediato:
— Lembre-se da radiofonia e da televisão, hoje realizações
amplamente conhecidas no mundo. Um homem, de cidade a cidade, pode ouvir a
mensagem de um companheiro e vê-lo ao mesmo tempo, desde que ambos estejam em
perfeita sintonia, através do mesmo comprimento de onda. Celina conhece a
sublimidade das forças que a envolvem e entrega-se, confiante, assimilando a
corrente mental que a solicita. Irradiará o comunicado-lição, automaticamente,
qual acontece na psicofonia sonambúlica, porque o amigo espiritual lhe encontra
as células cerebrais e as energias nervosas quais teclas bem ajustadas de um
piano harmonioso e dócil.
O Assistente emudeceu, de súbito, fixando o olhar no jato de
safirina luz, que se fizera mais abundante, a espraiar-se em todos os ângulos
do recinto. Contemplei os circunstantes. O rosto da médium refletia uma ventura
misteriosa e ignorada na Terra. O júbilo que a possuía como que contagiara
todos os presentes. Dispunha-me a prosseguir observando, mas a destra do
Assistente tocou-me, de leve, recordando-me a quietude e o respeito. Foi então
que a voz diferenciada de Dona Celina ressoou, clara e comovente, mais ou menos
nestes termos:
— Meus amigos — começou a dizer o instrutor que nos
acompanhava o trabalho a longa distancia —, guardemos a paz que Jesus nos
legou, a fixa de que possamos servi-lo em paz. Em matéria de mediunidade, não
nos esqueçamos do pensamento. Nossa alma vive onde se lhe situa o coração.
Caminharemos, ao influxo de nossas próprias criações, seja onde for. A
gravitação no campo mental é tão incisiva, quanto na esfera da experiência
física.
―Servindo ao progresso geral, move-se a alma na glória do
bem. Emparedando-se no egoísmo, arrasta-se, em desequilíbrio, sob as trevas do
mal. A Lei Divina é o Bem de Todos. Colaborar na execução de seus propósitos
sábios é iluminar a mente e clarear a vida. Opor-lhe entraves, a pretexto de
acalentar caprichos perniciosos, é obscurecer o raciocínio e coagular a sombra
ao redor de nós mesmos. É indispensável ajuizar quanto à direção dos próprios
passos, de modo a evitarmos o nevoeiro da perturbação e a dor do
arrependimento. Nos domínios do espírito não existe a neutralidade. Evoluímos
com a luz eterna, segundo os desígnios de Deus, ou estacionamos na treva,
conforme a indébita determinação de nosso ―eu.
―Não vale encarnar-se ou desencarnar-se simplesmente. Todos
os dias, as formas se fazem e se desfazem. Vale a renovação interior com
acréscimo de visão, a fim de seguirmos à frente, com a verdadeira noção da
eternidade em que nos deslocamos no tempo. Consciência pesada de propósitos malignos,
revestida de remorsos, referta de ambições desvairadas ou denegrida de aflições
não pode senão atrair forças semelhantes que a encadeiam a torvelinhos
infernais. A obsessão é sinistro conúbio da mente com o desequilíbrio comum às
trevas. Pensamos, e imprimimos existência ao objeto idealizado. A resultante
visível de nossas cogitações mais íntimas denuncia a condição espiritual que
nos é própria, e quantos se afinam com a natureza de nossas inclinações e
desejos aproximam-se de nós, pelas amostras de nossos pensamentos. Se
persistimos nas esferas mais baixas da experiência humana, os que ainda
jornadeiam nas linhas da animalidade nos procuram, atraídos pelo tipo de nossos
impulsos inferiores, absorvendo as substâncias mentais que emitimos e projetando
sobre nós os elementos de que se fazem portadores. Imaginar é criar. E toda
criação tem vida e movimento, ainda que ligeiros, impondo responsabilidade à
consciência que a manifesta. E como a vida e o movimento se vinculam aos
princípios de permuta, é indispensável analisar o que damos, a fim de ajuizar
quanto àquilo que devamos receber.
―Quem apenas mentalize angústia e crime, miséria e
perturbação, poderá refletir no espelho da própria alma outras imagens que não
sejam as da desarmonia e do sofrimento? Um viciado entre os santos não lhes
reconheceria a pureza, de vez que, em se alimentando das próprias emanações,
nada conseguiria enxergar senão as próprias sombras. Quem vive a procurar
pedras na estrada, certamente não encontrará apenas calhaus subservientes. Quem
se detenha indefinidamente na medição de lama está ameaçado de afogamento no
lodo. O viajante fascinado pelos sarçais, à beira do caminho, sofre o risco de
enlouquecer entre os espinheiros do mato inculto.
―Vigiemos o pensamento, purificando-o no trabalho incessante
do bem, para que arrojemos de nós a grilheta capaz de acorrentar-nos a obscuros
processos de vida inferior. É da forja viva da ideia que saem as asas dos anjos
e as algemas dos condenados. Pelo pensamento, escravizamo-nos a troncos de
suplício infernal, sentenciando-nos, por vezes, a séculos de peregrinação nos
trilhos da dor e da morte. A mediunidade torturada não é senão o enlace de
almas comprometidas em aflitivas provações, nos lances do reajuste. E, para
abreviar o tormento que flagela de mil modos a consciência reencarnada ou
desencarnada, quando nas grades expiatórias, é imprescindível atender à
renovação mental, único meio de recuperação da harmonia.
―Satisfazer-se alguém com o rótulo, em matéria religiosa,
sem qualquer esforço de sublimação interior, é tão perigoso para a alma quanto
deter uma designação honorifica entre os homens com menosprezo pela
responsabilidade que ela impõe. Títulos de fé não constituem meras palavras,
acobertando-nos deficiências e fraquezas. Expressam deveres de melhoria a que
não nos será lícito fugir, sem agravo de obrigações. Em nossos círculos de
trabalho, desse modo, não nos bastará o ato de crer e convencer. Ninguém é
realmente espírita à altura desse nome, tão-só porque haja conseguido a cura de
uma escabiose renitente, com o amparo de entidades amigas, e se decida, por
isso, a aceitar a intervenção do Além-Túmulo na sua existência; e ninguém é
médium, na elevada conceituação do termo, somente porque se faça órgão de
comunicação entre criaturas visíveis e invisíveis. Para conquistar a posição de
trabalho a que nos destinamos, de conformidade com os princípios superiores que
nos enaltecem o roteiro, é necessário concretizar-lhes a essência em nossa
estrada, por intermédio do testemunho de nossa conversão ao amor santificante.
Não bastará, portanto, meditar a grandeza de nosso idealismo superior. É
preciso substancializar-lhe a excelsitude em nossas manifestações de cada dia.
Os grandes artistas sabem colocar a centelha do gênio numa simples pincelada,
num reduzido bloco de mármore ou na mais ingênua composição musical. As almas
realmente convertidas ao Cristo lhe refletem a beleza nos mínimos gestos de
cada hora, seja na emissão de uma frase curta, na ignorada cooperação em favor
dos semelhantes ou na renúncia silenciosa que a apreciação terrestre não chega
a conhecer.
―Nossos pensamentos geram nossos atos e nossos atos geram
pensamentos nos outros. Inspiremos simpatia e elevação, nobreza e bondade,
junto de nós, para que não nos falte amanhã o precioso pão da alegria.
Convicção de imortalidade, sem altura de espírito que lhe corresponda, será
projeção de luz no deserto. Mediação entre dois planos diferentes, sem elevação
de nível moral, é estagnação na inutilidade. O pensamento é tão significativo na
mediunidade, quanto o leito é importante para o rio. Ponde as águas puras sobre
um leito de lama pútrida e não tereis senão a escura corrente da viciação.
Indubitavelmente, divinas mensagens descerão do Céu à Terra. Entretanto, para
isso, é imperioso construir canalização adequada. Jesus espera pela formação de
mensageiros humanos capazes de projetar no mundo as maravilhas do seu Reino.
Para atingir esse aprimoramento ideal é imprescindível que o detentor de
faculdades psíquicas não se detenha no simples intercâmbio. Ser-lhe-á
indispensável a consagração de suas forças às mais altas formas de vida,
buscando na educação de si mesmo e no serviço desinteressado a favor do próximo
o material de pavimentação de sua própria senda.
―A comunhão com os orientadores do progresso espiritual do
mundo, através do livro, nos enriquece de conhecimento, acentuando-nos o valor
mental; e a plantação de bondade constante traz consigo a colheita de simpatia,
sem a qual o celeiro da existência se reduz a furna de desespero e desânimo.
Não basta ver, ouvir ou incorporar Espíritos desencarnados, para que alguém
seja conduzido à respeitabilidade. Irmãos ignorantes ou irresponsáveis
enxameiam, como é natural, todos os departamentos da Terra, em vista da posição
evolutiva deficitária em que ainda se encontram as coletividades do Planeta e,
muita vez, sem qualquer raiz de perversidade propriamente dita, milhares de
almas, despidas do envoltório denso, praticam o vampirismo junto dos encarnados
invigilantes, simplesmente no intuito de prosseguirem coladas às sensações do
campo físico das quais não se sentem com suficiente coragem para se
desvencilharem.
―Toda tarefa, para crescer, exige trabalhadores que se
dediquem ao crescimento, à elevação de si mesmos. Isso é demasiado claro em todos
os planos da Natureza. Não há frutos na árvore nascente. A madeira não
desbastada é incapaz de servir, com eficiência, ao santuário doméstico. A areia
movediça não garante a sustentação. Não se faz luz na candeia sem óleo. O carro
não transita com êxito onde a picareta ainda não estruturou a estrada
conveniente. Como esperardes o pensamento divino, onde o pensamento humano se
perde nas mais baixas cogitações da vida? Que mensageiro do Céu fará fulgir a
mensagem celestial em nosso entendimento, quando o espelho de nossa alma jaz
denegrido pelos mais inferiores dos interesses? Em vão buscaria a estrela
retratar-se na lama de um charco.
―Amigos, pensemos no bem e executemo-lo. Tudo o que existe
dentro da Natureza é a ideia exteriorizada. O Universo é a projeção da Mente
Divina e a Terra, qual a conheceis em seu conteúdo político e social, é produto
da Mente Humana. Civilizações e povos, culturas e experiências constituem
formas de pensamento, através das quais evolvemos, incessantemente, para
esferas mais altas. Atentemos, pois, para a obrigação de auto aperfeiçoamento.
Sem compreensão e sem bondade, irmanar-nos-emos aos filhos desventurados da
rebeldia. Sem estudo e sem observação, demorar-nos-emos indefinidamente entre
os infortunados expoentes da ignorância. Amor e sabedoria são as asas com que
faremos nosso voo definitivo, no rumo da perfeita comunhão com o Pai Celestial.
Escalemos o plano superior, instilando pensamentos de sublimação naqueles que
nos cercam. A palavra esclarece. O exemplo arrebata. Ajustemo-nos ao Evangelho
Redentor. Cristo é a meta de nossa renovação. Regenerando a nossa existência
pelos padrões d’Ele, reestruturaremos a vida íntima daqueles que nos rodeiam.
―Meus amigos, crede!... O pensamento puro e operante é a
força que nos arroja do ódio ao amor, da dor à alegria, da Terra ao Céu...
Procuremos a consciência de Jesus para que a nossa consciência lhe retrate a
perfeição e a beleza!... Saibamos refletir-lhe a glória e o amor, a fim de que
a luz celeste se espelhe sobre as almas, como o esplendor solar se estende
sobre o mundo. Comecemos nosso esforço de soerguimento espiritual desde hoje e,
amanhã, teremos avançado consideravelmente no grande caminho! Meus amigos, meus
irmãos, rogando a Jesus que nos ampare a todos, deixo-vos com um até breve.
A voz da médium emudeceu. Sensibilizados, reparamos que, no
alto, se apagara o jorro brilhante. Raul Silva, em prece curta, encerrou a
reunião.
Enlaçamos Clementino às despedidas.
— Voltem sempre — convidou-nos gentil. Sim, sim,
continuaríamos aprendendo.
E, lado a lado com o nosso orientador, retiramo-nos,
felizes, como quem sorvera a água viva da paz, na taça da alegria.
QUESTÕES PARA ESTUDO
1) André Luiz narra que Dona Celina encontrava-se extática.
O que é o êxtase? Quais as principais características deste fenômeno?
2) O instrutor que transmitia mediunicamente a mensagem
final da reunião não se encontrava no local. Como é possível ao espírito se
comunicar sem estar próximo ao médium?
3) Qual a influência do pensamento numa manifestação
mediúnica?
4) O Instrutor ensina que o pensamento imprime existência ao
objeto idealizado. Como se dá isso?
5) Interpretemos os seguintes trechos da mensagem do
Instrutor:
a - "Nossa alma
vive onde se lhe situa o coração."
b - "Não vale
encarnar-se ou desencarnar-se simplesmente. Todos os dias, as formas se fazem e
se desfazem."
c - "A obsessão é
sinistro conúbio da mente com o desequilíbrio comum às trevas."
d - "Satisfazer-se
alguém com o rótulo, em matéria religiosa, sem
qualquer esforço de
sublimação interior, é tão
perigoso para a alma quanto deter uma designação honorífica entre os homens com
menosprezo pela responsabilidade que ela impõe."
6) Qual o principal ensinamento da mensagem do Instrutor?
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