Capítulo 12 - Clarividência e Clariaudiência
Notei que a reunião atingia a fase terminal. Duas horas bem
vividas haviam corrido céleres para nós. Raul Silva consultou o relógio e
cientificou os companheiros de haver chegado o momento das preces de despedida.
Os amigos sofredores, aglomerados no recinto, poderiam receber vibrações de
auxilio, enquanto os elementos do grupo recolheriam, através da oração, o
refazimento das próprias forças.
Pequeno cântaro de vidro, com água pura, foi trazido à mesa.
E porque Hilário perguntasse se iríamos assistir a alguma cerimônia especial, o
Assistente explicou, afável:
— Não, nada disso. A água potável destina-se a ser
fluidificada. O líquido simples receberá recursos magnéticos de subido valor
para o equilíbrio psicofísico dos circunstantes.
Com efeito, mal acabávamos de ouvir o apontamento, Clementino
se abeirou do vaso e, de pensamento em prece, aos poucos se nos revelou coroado
de luz. Daí a instantes, de sua destra espalmada sobre o jarro, partículas
radiosas eram projetadas sobre o líquido cristalino que as absorvia de maneira
total.
— Por intermédio da água fluidificada — continuou Áulus —,
precioso esforço de medicação pode ser levado a efeito. Há lesões e
deficiências no veículo espiritual a se estamparem no corpo físico, que somente
a intervenção magnética consegue aliviar, até que os interessados se disponham
à própria cura.
O Assistente silenciou, porquanto a palavra de Silva se fez
ouvir, recomendando aos médiuns observassem, através da vidência e da audição,
os ensinamentos que porventura fossem, naquela noite, ministrados ao grupo
pelos amigos espirituais da casa.
Reparamos que Celina, Eugênia e Castro aguçaram as suas
atenções. Clementino, findo o preparo da água medicamentosa, consagrou-lhes
maior carinho, aplicando-lhes passes na região frontal.
— Nosso amigo — esclareceu o Assistente —procura ajudar aos
nossos companheiros de mediunidade, favorecendo-lhes o campo sensório. Não lhes
convêm, por agora, a clarividência e a clariaudiência demasiado abertas. Na
esfera dos Espíritos reencarnados, há que dosar observações para que não
venhamos a ferir os impositivos da ordem. Cada qual de nós deve estar em sua
faixa de serviço, fazendo o melhor ao seu alcance. Imaginemos um aparelho
radiofônico terrestre, coletando todas as espécies de onda, em movimento de
captação simultânea, O proveito e a harmonia da transmissão seriam realmente
impraticáveis, e não haveria propósito construtivo na mensagem. Um médium,
pois, não deve demorar-se com todas as solicitações do meio em que se situa,
sob pena de arrojar as suas impressões ao desequilíbrio, a menos quando, por
sua própria evolução, consiga sobrepairar ao campo do trabalho, dominando as
influências do meio e selecionando-as, segundo o elevado critério de quem já
consegue orientar-se para o bem e orientar aqueles que o acompanham.
Hilário refletiu um momento e indagou:
— Os trabalhos mediúnicos, porém, são rigorosamente iguais
nos três instrumentos sob nosso exame?
— Isso não. O círculo de percepção varia em cada um de nós.
Há diferentes gêneros de mediunidade; contudo, importa reconhecer que cada
Espírito vive em determinado degrau de crescimento mental e, por isso, as
equações do esforço mediúnico diferem de indivíduo para indivíduo, tanto quanto
as interpretações da vida se modificam de alma para alma. As faculdades
medianímicas podem ser idênticas em pessoas diversas, entretanto, cada pessoa
tem a sua maneira particular de empregá-las. Um modelo, em muitas ocasiões, é o
mesmo para grande assembleia de pintores, todavia, cada artista fixá-lo-á na
tela a seu modo. Uma lâmpada exibirá claridade lirial, em jato contínuo, mas,
se essa claridade for filtrada por focos múltiplos, decerto estará submetida à
cor e ao potencial de cada um desses filtros, embora continue sendo sempre a
mesma lâmpada a fulgurar em seu campo central de ação. Mediunidade é sintonia e
filtragem. Cada Espírito vive entre as forças com as quais se combina,
transmitindo-as segundo as concepções que lhe caracterizam o modo de ser.
Notando o cuidado que o irmão Clementino empregava na
preparação dos médiuns, meu colega inquiriu ainda:
— A clarividência e a clariaudiência acaso estão localizadas
exclusivamente nos olhos e nos ouvidos da criatura reencarnada?
Áulus acariciou-lhe a cabeça e acentuou:
— Hilário, vê-se que você está começando a jornada no
conhecimento superior. Os olhos e os ouvidos materiais estão para a vidência e
para a audição como os óculos estão para os olhos e o ampliador de sons para os
ouvidos: simples aparelhos de complementação. Toda percepção é mental. Surdos e
cegos na experiência física, convenientemente educados, podem ouvir e ver,
através de recursos diferentes daqueles que são vulgarmente utilizados. A onda
hertziana e os raios 10º vão ensinando aos homens que há som e luz muito além
das acanhadas fronteiras vibratórias em que eles se agitam, e o médium é sempre
alguém dotado de possibilidades neuropsíquicas especiais que lhe estendem o
horizonte dos sentidos.
Meu companheiro fixou o gesto de quem aproveitara a lição,
mas objetou, reverente:
— Desejava, porém, saber se Dona Celina, por exemplo, está
enxergando o irmão Clementino e ouvindo-o, tão-somente pelo processo curial de
percepção na Terra.
— Sim, isso acontece, por uma questão de costume
cristalizado. Celina pensa ouvir o supervisor, através dos condutos auditivos,
e supõe vê-lo, como se o aparelho fotográfico dos olhos estivesse funcionando
em conexão com o centro da memória, no entanto, isso resulta do hábito. Ainda
mesmo no campo de impressões comuns, embora a criatura empregue os ouvidos e os
olhos, ela vê e ouve com o cérebro, e, apesar de o cérebro usar as células do
córtex para selecionar os sons e imprimir as imagens, quem vê e ouve, na
realidade, é a mente. Todos os sentidos na esfera fisiológica pertencem à alma,
que os fixa no corpo carnal, de conformidade com os princípios estabelecidos
para a evolução dos Espíritos reencarnados na Terra.
Sorrindo, ajuntou:
— Vocês possuem uma prova disso, quando o homem se encontra
naturalmente desdobrado, cada noite, durante o sono, vendo e ouvindo, a
despeito da inatividade dos órgãos carnais, na experiência a que chamam ―vida
de sonho.
E, baixando o tom de voz, acrescentou:
— Somos receptores de reduzida capacidade, à frente das
inumeráveis formas de energia que nos são desfechadas por todos os domínios do
Universo, captando apenas humilde fração delas. Em suma, nossa mente é um ponto
espiritual limitado, a desenvolver-se em conhecimento e amor, na
espiritualidade infinita e gloriosa de Deus.
Decorreram mais alguns instantes.
— Centralizemos mais atenção na prece, adestrando-nos para o
serviço do bem!
Essa frase foi pronunciada por Clementino, em voz clara e
pausada, como a oferecer uma base única para a convergência de nossas
cogitações. Atento, porém, aos nossos objetivos de estudo, acompanhei os
médiuns mais diretamente interessados no apelo.
Dona Celina registrara as palavras com precisão e guardava a
atitude do aluno disciplinado. Dona Eugênia assimilara-as, em forma de ordem
intuitiva, e mostrava-se na condição do aprendiz criterioso. Castro, contudo, não
as recolhera nem de leve. Com permissão do supervisor, pusemo-nos em tarefa de
análise.
Observei que sutilmente ligados à faixa fluídica de
Clementino, os três médiuns, cada qual a seu modo, lhe acusavam a presença.
Dona Celina anotava-lhe os mínimos movimentos, à maneira do discípulo diante do
professor, Dona Eugênia lhe assinalava a vizinhança com menos facilidade, qual
se o distinguisse imperfeitamente, através dum lençol de nebulosidade, e
Castro, embora o visse com perfeição, parecia completamente alheio à influência
do instrutor.
— As possibilidades de Celina e Castro, na clarividência e na
clariaudiência, são por enquanto mais vastas que em nossa irmã Eugênia —
esclareceu Áulus, prestimoso. — Acham-se os três levemente submetidos ao comando
magnético de Clementino e podem identificar-lhe a presença com analogia de
observações, porque, nas circunstâncias em que operam, estão agindo como
pessoas comuns, utilizando-se da percepção habitual.
— Entretanto — aduziu Hilário —, se o trio foi colocado sob a
ordenação magnética do supervisor, por que motivo nossas amigas lhe acataram o
convite, enquanto Castro se mantém visivelmente impermeável a ele?
— O mentor do recinto exerce apenas branda influência,
abdicando de qualquer pressão mais forte, suscetível de provocar viciosa
irmanação, em desfavor de nossos amigos — disse Áulus, convicto. — Além disso,
a mente de Castro passou, de súbito, a alimentar propósitos diferentes. Incapaz
de concentrar a atenção, de modo irrepreensível, na região superior do trabalho
que nos compete levar a efeito, de momento não mais se revela interessado em
satisfazer ao programa de Clementino, mas sim em provocar um reencontro com a
progenitora desencarnada. Enxerga o orientador do conjunto, como quem é
constrangido a ver alguém de passagem, todavia, sem qualquer preocupação de
escutá-lo ou servi-lo, confinado como se encontra às emoções do jardim
doméstico. Basta a indiferença mental para que nada ouça do que mais interessa
agora ao esforço coletivo da reunião.
Evidentemente desejoso de definir a lição, no quadro de
nossos conhecimentos terrestres, acrescentou:
— É uma antena que se insensibilizou, de improviso, recusando
sintonizar-se com a onda que a procura.
Nesse instante, vimos que um companheiro simpático de nosso
plano avançou do círculo de espectadores, abeirando-se de Dona Celina e
chamando-a, discreto. A nobre criatura ouviu-lhe a voz, mas não se voltou para
trás. Entretanto, respondeu-lhe em pensamento, numa frase que se fez
perfeitamente audível para nós:
―Encontrar-nos-emos mais tarde.
Áulus informou, presto:
— É o esposo desencarnado de nossa irmã que a visita, com
afetuosa solicitação, contudo, disciplinada quanto é, Celina sabe renunciar ao
conforto de ouvi-lo, a fim de colaborar no êxito da reunião com maior
segurança.
Logo após, vimos Castro desdobrar-se de novo, auxiliado agora
simplesmente pelo forte desejo de ausentar-se do círculo e, revestido das
emanações que lhe desfiguravam o perispírito, caminhou, hesitante, ao encontro
de uma entidade amiga que o aguardava a pequena distância.
— Nosso cooperador — falou o Assistente —, menos habituado à
disciplina edificante, julga que já fez o possível, em favor dos trabalhos
programados para esta noite, e põe-se no encalço da mãezinha, que vem sendo
beneficiada em nossa organização.
Não nos foi, porém, possível alongar anotações. Clementino, à
cabeceira da assembleia, estendeu os braços e colocou-se em prece. Cintilações
de safirino esplendor revestiam-lhe agora o busto, dando-nos a impressão de que
o abnegado benfeitor se convertera num anjo sem asas.
Em momentos ligeiros, verdadeiro jorro solar desceu do Alto,
coroando-lhe a fronte e, de suas mãos, passou a irradiar-se prodigiosa fonte de
luz, que nos alcançava a todos, encarnados e desencarnados, prodigalizando-nos
a sensação de indescritível bem-estar. Nada consegui dizer, não obstante as
perquirições que me esfuziavam o pensamento. O êxtase do mentor impelia-nos a
respeitosa mudez.
Aqueles minutos de vibração sem palavras representavam
precioso manancial de energias restauradoras para quantos lhe abrissem as
portas do espírito. É o que eu conseguia depreender pelo revigoramento de
minhas próprias forças.
Terminada que foi a operação inesquecível, Raul solicitou
ainda alguns instantes de tranquilidade e expectativa. Competia ao grupo
aguardar a manifestação de algum dos orientadores da casa, à guisa de instrução
geral no encerramento. Dona Celina rogou licença para notificar que vira surgir
no recinto um ribeiro cristalino, em cuja corrente muitos enfermos se banhavam,
e Dona Eugênia seguiu-a, explicando que chegara a contemplar um edifício
repleto de crianças, entoando hinos de louvor a Deus. Registramos semelhantes
comunicados com surpresa. Nada víramos ali que pudesse recordar sequer de longe
um córrego de águas curativas ou algum pavilhão de serviço à infância. A sala
era demasiado estreita para comportar tais cenários.
Fitando-me, intrigado, Hilário parecia perguntar se as duas
médiuns não estariam sob o influxo de alguma perturbação momentânea.
Assinalando-nos a estranheza, o Assistente considerou, prestimoso:
— Importa não esquecer que ambas se encontram reunidas na
faixa magnética de Clementino, fixando as imagens que a mente dele lhes sugere.
Viram-lhe os pensamentos, relacionados com a obra de amparo aos doentes e com a
formação de uma escola, que a instituição pretende, em breve, mobilizar no
socorro ao próximo. Ideias, elaboradas com atenção, geram formas, tocadas de
movimento, som e cor, perfeitamente perceptíveis por todos aqueles que se
encontrem sintonizados na onda em que se expressam. Não podemos olvidar que há
fenômenos de clarividência e clariaudiência que partem da observação ativa dos
instrumentos mediúnicos, identificando a existência de pessoas, paisagens e
coisas exteriores a eles próprios, qual acontece na percepção terrestre vulgar,
e existem aqueles que decorrem da sugestão que lhes é trazida pelo pensamento
criador dos amigos desencarnados ou encarnados, estímulos esses que a mente de
cada médium traduz, segundo as possibilidades de que dispõe, favorecendo, por
isso mesmo, as mais díspares interpretações.
— Oh! — exclamou Hilário, entusiasmado — temos aí a técnica
dos obsessores quando improvisam para as suas vítimas variadas impressões
alucinatórias...
— Sim, sim... — confirmou o Assistente. É isso mesmo No
entanto, evitemos a conversação agora. O trabalho da reunião vai terminar.
Questões para estudo
1 - Para fluidificar a
água é preciso de um recipiente especial?
2 - Um médium alheio na
atividade mediúnica pode contribuir ou atrapalhar?
3 - Um médium
clarividente pode ser considerado mais importante numa sessão mediúnica por ver
os espíritos e os clariaudientes ser considerados menos importantes por apenas
ouvir a espiritualidade?
4 - Um médium mal
sintonizado com os mentores da casa podem receber os mesmos fluidos recebidos
pelos demais médiuns nas sessões mediúnicas?
5 - Comente o seguinte
trecho: "Clementino, à cabeceira da
assembleia, estendeu os braços e colocou-se em prece. Cintilações de safirino
esplendor revestiam-lhe agora o busto, dando-nos a impressão de que o abnegado
benfeitor se convertera num anjo sem asas."
6 - Comente o trecho
seguinte: "Dona Celina anotava-lhe
os mínimos movimentos, à maneira do discípulo diante do professor, Dona Eugênia
lhe assinalava a vizinhança com menos facilidade, qual se o distinguisse
imperfeitamente, através dum lençol de nebulosidade, e Castro, embora o visse
com perfeição, parecia completamente alheio à influência do instrutor."
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